Moto Grupo do Arade espalha solidariedade pela população

Texto: Hélio Nascimento


O Moto Grupo do Arade espalha solidariedade há 20 anos, numa ação meritória e de grande significado. Desengane-se quem pensa que os ‘gloriosos malucos’ destas máquinas só fazem barulho e aceleram a toda a velocidade. É muito mais do que isso. O clube portimonense presta apoio às famílias mais necessitadas, distribui alimentos, conserta cadeiras de rodas, e, durante a pandemia, esteve sempre na linha da frente.

Naturalmente, a paixão e o prazer de conduzir uma moto esteve na génese da sua fundação, em 2004, quando um grupo de amigos, com o mesmo amor em comum, resolveu criar o Moto Grupo do Arade, para confraternizar, fazer passeios, ir a concentrações e, em paralelo, angariar dinheiro, alimentos e vestuário para ajudar pessoas em dificuldades. “Enchemos uma carrinha com todo o tipo de auxílio quando se deu o sismo na Turquia e Síria”, relata Duarte Justo, que é o presidente desde a primeira hora.

“A questão solidária sempre foi uma aposta forte. Ajudamos tudo e todos, dentro das nossas possibilidades, incluindo associados que possam estar com problemas. É mais fácil ser um grupo grande do que uma só pessoa a prestar este tipo de apoio”, reforça, sem nunca perder de vista a essência do símbolo que todos carregam nos blusões e até nos capacetes.

As motos são, de facto, a razão de (quase) tudo isto. “Um amigo puxa outro amigo e hoje somos cerca de 80 membros, todos com a mesma paixão. Passeamos muito, dando largas à liberdade de viajar e percorrendo todo o país. O calendário de concentrações de motos é tão grande que temos de fazer uma seleção. Depois, é o convívio, a troca de lembranças e as aventuras que nunca se esquecem”, conta.

A admissão dos novos membros
Duarte Justo, presidente e fundador, explica como são aceites os novos membros. “É feita uma proposta e o candidato passa por um período de adaptação de cerca de 30 dias, tendo de ser aprovado por todos os associados. Da nossa parte, o trabalho implica que as pessoas sejam selecionadas, de modo a que o conhecimento seja profundo. Tem de haver sintonia entre todos, porque são muitas horas a andar de moto e pode suceder que alguém não se enquadre bem”.

Às vezes, prossegue, “passa quase um ano até que esses membros, já devidamente identificados, sejam aceites”. É paga uma joia, de início, e, depois, a quota mensal é de dois euros. “A quantidade não significa qualidade, temos de filtrar as pessoas. Isto não é um grupo de televisão”, atira, gracejando. A maioria dos associados é de Portimão, incluindo brasileiros que residem no concelho, mas também há representantes no Luxemburgo e na Alemanha. E não faltam, claro, as senhoras.

“Todos os anos passamos vários dias fora e às vezes acampamos, mesmo que as condições não sejam as ideais. Mas a malta gosta disto”, assegura. As idades variam entre os 60 e os 20 anos, sensivelmente, como referem Bruno Carvalho, Pedro Mota e Bruno Silva, que, juntamente com Duarte Justo, recebem o Portimão Jornal na sede do grupo, na Urbanização do Pimentão, nos Três Bicos, um espaço cedido pela Câmara Municipal e inaugurado em 2017. “Reconstruimos tudo isto, com material reciclado. É limitado aos sócios e a um ou outro amigo. Antes não havia sede, o ponto de encontro funcionava no bar que tenho na Praia da Rocha. Em 20 anos mudou muita coisa”, reconhece o presidente.

Góis e Gerês entre as paragens obrigatórias
O calendário de concentrações a nível nacional é extenso, o que obriga o Moto Grupo do Arade a proceder a uma seleção, com prioridade para os locais onde o convívio é estreito e desperta maior amizade. “Trocamos lembranças com os outros clubes, vamos aos aniversários e é isto que fica para a história”, sustenta Duarte Justo, apontando para uma vitrina onde abundam as recordações. As deslocações são a todo o país e também há saídas a Espanha, mas o que nunca falta é “uma paragem obrigatória em Góis”.

Nesta zona do centro do país, de facto, a tradição marca pontos, quiçá desde a altura em que “o mordomo da festa nos levou para a serra e se criou um ambiente fantástico e agradável, de tal maneira que vamos lá sempre”, afirma. As histórias começam a disparar e os nossos anfitriões falam também de uma estadia inesquecível “no Gerês, a caminho do Cabril”, em que lhes ofereceram “casa e comida e passou a integrar o roteiro”. O número de motards varia e pode ir, por exemplo, dos 14 aos 30 ou 40, inclusive porque alguns associados juntam-se mais tarde ao ‘grosso da coluna’.

Faro, naturalmente, está sempre no mapa dos portimonenses, ou não fosse a catedral dos motociclistas na mais mediática das concentrações que se realizam em Portugal. “Também trazemos pessoas para desfrutarem dos passeios pela nossa cidade, como o do Pai Natal e o do 25 de Abril. Na época natalícia, o desfile começou com 30 motos e agora vai quase nas 300”.

O Moto Grupo do Arade apoia alguns eventos em termos logísticos e durante três anos acompanhou a apoteótica chegada de Miguel Oliveira a Portimão, para o Grande Prémio de MotoGP, integrando a caravana e a comitiva de boas-vindas. “Este ano não fizemos isso, foi tudo dentro do Autódromo, ao que parece por imperativos e direitos de imagem da entidade organizadora”.

Laços de amizade sempre fortalecidos
Duarte Justo é chefe de pista no Autódromo, cargo que desempenha como voluntário, recebendo ajuda de custos. “São cerca de 25 a 30 corridas por ano e eu faço a gestão, acompanhado por outros associados, também requisitados, que são comissários”. O nosso anfitrião, que não tem carta de carro, conduz uma Honda 1000. “Nasce com as pessoas e desde miúdo que vivo esta paixão. A liberdade de andar nas duas rodas leva-nos a esquecer os problemas e até parece que estamos num mundo à parte”, confessa, opinião corroborada por Bruno Carvalho, que tem cinco motos, sendo uma Ducati a preferida.

Os passeios costumam durar uma semana, visitando pontos turísticos, de castelos a vilas e aldeias pitorescas. É o Portugal de lés a lés, com tudo bem previsto no mapa, incluindo os quilómetros diários. “No Algarve existem perto de 50 motos clubes, com quem temos boas relações e facilidade de aproximação. Falamos uma vez e parece que já nos conhecemos há anos e anos”.

No dia em que o Portimão Jornal entrevistou os responsáveis, o Moto Grupo do Arade recebeu a visita de amigos de Palmela. “Vamos fazer um convívio e depois eles vão pernoitar na Salema. Também combinamos passeios com almoços, idas a feiras, alinhamos no desfile de Carnaval e ainda apoiamos provas de ciclismo e de triatlo, tudo trabalho voluntário, através de convites endereçados pelos municípios”. Neste contexto, os laços de amizade saem sempre fortalecidos, entre pessoas de todas as profissões que privilegiam o moto-turismo. “Já vimos a nossa cidade e bandeira evocadas em outros locais da Europa, o que é um orgulho”.

Acabar o ano com o cofre a zeros
Aquela ideia de o motard ser um potencial foco de alvoroço já ficou para trás, garantem Duarte Justo e os seus colegas. “Preservamos a identidade e a mentalidade está a mudar. Hoje, já se olha para as motos de maneira diferente, até porque atrás do capacete pode estar algum familiar”, justifica o presidente, enfatizando de novo a questão solidária. “Durante a pandemia fomos nós que andámos a distribuir máscaras e alimentos, que recolhíamos na nossa sede. E não queremos tirar proveito dessa e de outras situações, preferindo o anonimato. Importante é o sentir bem com nós próprios”.

Na altura do Natal são frequentes as visitas a instituições de miúdos carenciados, de livre e espontânea vontade. “O dinheiro? Um dá, outro dá, faz-se um petisco e cai mais algum”, explicam, aludindo igualmente ao contrato-programa e apoio da Câmara Municipal. O objetivo, aliás, “é acabar o ano com o cofre a zeros”, frase que ilustra na perfeição o caráter altruísta desta coletividade.

O itinerário do passeio principal deste ano está praticamente delineado, sendo certo que terminará com a concentração de Góis, em agosto. “A ideia baseia-se sempre no convívio e no passeio, como sucederá no dia 5 de outubro, quando comemorarmos mais um aniversário. Isto não é para crescer muito, queremos manter a nossa filosofia e este conceito de associativismo algo diferente. Assim ninguém se chateia”.

Na cidade, além do Moto Grupo do Arade, existe o Moto Clube de Portimão. “Chegou a haver cinco associações aqui no concelho, agora restam estas duas”, diz Duarte Justo, que não deixa terminar a conversa sem um aviso para futuros candidatos a motard: “Todos têm de possuir carta de condução de moto, claro…”.

Fugiu com as vacas ribanceira abaixo

Em tantos anos de atividade, com milhares de quilómetros percorridos e inúmeros locais visitados, os episódios são às mãos cheias. Histórias deliciosas, sem dúvida, algumas até hilariantes, ora retratando a hospitalidade de pessoas e lugares, ora dando nota de receios e mesmo sustos. “Uma vez perdemo-nos no Gerês e o GPS não funcionou. A sorte foi encontrar um salvador, que nos fez voltar para trás e encontrar o rumo certo. Andou alguns 50 quilómetros connosco até nos deixar a salvo”.

Os membros do Moto Grupo do Arade presentes vão contribuindo com mais recordações. “No interior, as pessoas têm um certo medo. Numa ocasião, um indivíduo que andava a pastar vacas assustou-se com a nossa chegada e fugiu ribanceira abaixo. Com as vacas! Nas aldeias, é engraçado, o barulho das motos já tem levado as pessoas a bater palmas e fazer uma festa com a nossa presença. Mas também sucede que podem fugir e fecharem-se em casa”. Neste desfile de episódios, nota ainda para o funcionário da bomba de gasolina que “quando nos viu fechou a loja”, ou para o proprietário do restaurante que “perante o nosso grupo disse logo que já não havia comida”. Mas, para acabar em beleza, em plena Serra dos Candeeiros, “conhecemos um padre que nos levou à festa da aldeia e com o qual trocámos vivências bastante enriquecedoras e engraçadas”.

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