Noras – um testemunho do nosso passado agrícola

São uma herança dos mouros e têm lugar de destaque na história da agricultura algarvia. Sem elas provavelmente não teríamos os nossos famosos citrinos. Já foram sinal de riqueza e ‘status’, mas hoje em dia a maioria está degradada e abandonada.

Nuno Coutinho

Atualmente, cerca de 98% da população algarvia tem acesso a água canalizada! É um excelente indicador de qualidade de vida, mas pode por vezes fazer-nos esquecer que nem sempre as coisas foram assim tão fáceis e que os nossos antepassados tiveram que ser bastante engenhosos para obterem este líquido tão precioso.

Durante séculos viveram no Algarve diversos povos, mas foram os 500 anos de presença muçulmana que mais marcaram a região a diversos níveis, como na arquitetura das casas, nas artes de pesca e no nome das povoações (e do próprio Algarve, que deriva da palavra ‘Al Garb’ que significa ‘a ocidente’).

Também devemos aos mouros diversas inovações agrícolas, como a introdução no nosso país de culturas que hoje associamos sem dúvida ao Algarve, tais como as laranjeiras, os limoeiros, as amendoeiras, as figueiras e as alfarrobeiras.

Mas para que os seus pomares e hortas prosperassem na Península Ibérica, os árabes tiveram de desenvolver engenhos de rega, misturando e aperfeiçoando as técnicas deixadas pelos romanos e visigodos com as suas próprias, trazidas do Oriente. Assim, ao longo dos rios construíram moinhos e azenhas, cisternas, levadas e canais de irrigação, bem como mecanismos que permitiam tirar a água dos poços, de entre os quais se destacam as noras (também chamadas de mentes).

As noras são compostas por uma roda que faz mover a corda a que estão presos alcatruzes (baldes que transportam a água). Os alcatruzes descem com a boca para baixo e ao subirem trazem água, que despejam para um tabuleiro ligado a tanques. A partir daí, a água sai por gravidade e é encaminhada através de regos para os campos.

Todo este mecanismo era acionado por mulas, burros, ou machos que se deslocavam de olhos vendados num movimento circular.

As noras existentes no Algarve têm quase todas funcionamento idêntico, mas apresentam modelos diversos consoante as zonas. No barlavento predominam as noras de alcatruzes, com engenhos montados em poços e círculos para o animal caminhar. Já a nora de elevação, com mina, para tirar água a balde pelo interior, é típica do sotavento.

SÍMBOLO DE PODER

As noras chegaram a ter tanta importância que se tornaram num símbolo de poder económico. Contudo, com o aparecimento dos motores de rega em meados do século passado, este sistema foi sendo progressivamente abandonado e atualmente a maior parte delas está degradada.

É óbvio que não podemos exigir que os nossos agricultores voltem a utilizar um método de rega ultrapassado, mas devemos ser capazes de encontrar formas de preservar este símbolo do nosso passado e um património cultural tão importante.

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