O combate pela sobrevivência das empresas portimonenses
Texto e fotos: Jorge Eusébio
O número de clientes dos hotéis e outras unidades de alojamento turístico do concelho de Portimão deverá ter caído mais de 80% em junho, em comparação com o mês homólogo de 2019. Tal situação teve consequências praticamente idênticas ao nível das receitas, de acordo com dados revelados pela Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA).
O acumulado dos primeiros seis meses indica que as descidas são de cerca de 66% no que diz respeito às dormidas e de 68%, no que concerne à faturação.
Este é o resultado dos condicionalismos provocados pela pandemia da covid-19 e também da decisão tomada, por duas vezes, pelo governo britânico de obrigar os cidadãos daquele país que nos visitem a fazerem quarentena, no regresso a casa.
O presidente da AHETA, Elidérico Viegas, diz não compreender a decisão novamente assumida em 24 de julho pelo executivo de Boris Johnson, que qualifica como “uma enorme desilusão e frustração, pois tínhamos a expectativa que ela seria revertida”.
Este dirigente associativo, desabafa que “não se compreende como é que uma região que praticamente ficou fora da pandemia é considerada um destino inseguro, enquanto outras zonas concorrentes, que têm um número de infetados muito maior, são vistas como seguras”.
Daí concluir que, da parte dos responsáveis britânicos, “há dois pesos e duas medidas”, que estão e vão continuar a prejudicar o setor turístico nacional e regional.
Se o Verão já está praticamente ‘estragado’ – espera-se taxas de ocupação de cerca de 50% em agosto em vez dos habituais quase 100% – “também a época alta de golfe, que começa em setembro, ficará comprometida se a decisão não for revista”, alerta Elidérico Viegas.
Em face de tudo isto, considera ser urgente que o Governo aprove rapidamente um plano específico para a região, com medidas que “possam ajudar a esbater o flagelo do desemprego e as empresas, que estão confrontadas com falta de receitas por um período já demasiado longo, mas que ainda vai prolongar-se, pelo menos por mais seis ou sete meses”.
Restauração com fortes quebras
Outro dos setores que está a sentir fortemente a situação atípica que se vive é o da restauração. Que o diga João Isidoro, responsável pelo Restaurante do Cais, estabelecimento que, situado no primeiro andar do edifício do Clube Naval, sobre o rio Arade, oferece uma das melhores vistas de Portimão.
Mas nem isso faz com que tenha tido vida tranquila nos últimos tempos. A falta de clientes levou a que, em determinada fase, tenha resolvido não abrir à noite, pois “não valia a pena, ficávamos de braços cruzados a olhar uns para os outros, uma vez que ninguém aparecia”.
Nesta altura, isso já não acontece, voltou a ter as portas abertas para almoços e jantares, mas “estamos a trabalhar a cerca de 40% do que é hábito, ainda assim um pouco mais do que até há duas semanas atrás, em que estávamos a 20 ou 30%”.
Esta situação tem, naturalmente, reflexos no número de funcionários que pode ter ao seu serviço no restaurante e no café, que funciona no rés do chão do imóvel. “Atualmente, temos 10 pessoas a trabalhar connosco quando, em condições normais, seria suposto contarmos com 16”, lamenta João Isidoro.
Quanto ao futuro próximo, não revela grandes expectativas de que o negócio melhore substancialmente, embora esteja convicto que vão aparecer mais clientes em agosto. Ainda assim, supõe que provavelmente conseguirá atingir pouco mais de metade da faturação habitual naquele mês.
Apesar de tudo, admite que o seu restaurante até não é dos mais atingidos pela crise, uma vez que tem uma clientela mista de residentes e visitantes e não depende tanto do turismo como alguns outros estabelecimentos. Por essa razão, tem esperança de que não seja obrigado a fechar portas no Inverno.
Barão Carneiro recorda a crise
de 2008 e avisa: “Não tenham
ilusões, os problemas não vão
desaparecer rapidamente, este
é mais um ciclo negativo que
vai durar dois ou três anos”
No entanto, se a pandemia não evoluir favoravelmente, os próximos meses serão muito complicados, uma vez que, em cumprimento das determinações da Direção-Geral da Saúde, só poderá continuar a disponibilizar aos seus clientes metade dos lugares com que o restaurante conta.
Ou seja, tem a possibilidade de receber no seu interior e esplanada apenas 47 pessoas ao mesmo tempo, em vez das 94 que compõem a sua lotação, o que poderá pôr em causa uma das suas fontes principais de receitas, “os jantares de grupos para empresas ou particulares, em especial, festas de aniversário”.
Covid-19 travou venda de imóveis
De uma forma geral, todas as áreas económicas estão a ser vítimas colaterais da pandemia e o imobiliário não é exceção.
Barão Carneiro, que à frente da empresa Baltamar, se dedica, há cerca de seis dezenas de anos, a construir, vender e arrendar imóveis, diz que, com a chegada do vírus, “as vendas praticamente pararam”.
No seu caso, naquela altura “já tinha vendido cerca de 60%” dos 44 apartamentos e 8 lojas que compõem um prédio que está a construir praticamente em frente ao mercado municipal e, por isso, foi conseguindo ‘aguentar-se’, mas quem precisava mesmo de vender entre março e o início de julho ficou a debater-se com um ‘buraco’ financeiro.
Com alguns problemas de liquidez depara-se, também, quem vive de rendas, uma vez que “com menos dinheiro disponível, os inquilinos passaram a ter grandes dificuldades em fazer os pagamentos a tempo e horas”. Outra das consequências da pandemia, garante, foi o cancelamento ou adiamento de “muitos investimentos externos que estavam para ser feitos na região”.
Esta crise recorda-lhe, de alguma forma, a que se iniciou em 2008, e que deixou grandes mossas no setor e avisa: “Não tenham ilusões, os problemas não vão desaparecer rapidamente, este é mais um ciclo negativo que, na melhor das hipóteses, vai durar dois ou três anos”.
Mas, como ao longo da vida já passou por muitos altos e baixos, não tenciona deixar que sejam um qualquer vírus ou a idade avançada (81 anos) que já leva que o impeçam de continuar a exercer a sua atividade.
Enquanto espera pela conclusão do seu prédio e tenta vender as parcelas que ainda tem disponíveis, começa a pensar na urbanização de um outro terreno que possui ali bem perto, em frente do centro de saúde. E depois desse há mais projetos no horizonte, garante.
Comerciantes fazem contas à vida
Na zona central da cidade, um outro grupo de empresários, o do chamado comércio local, vai tentando acertar as contas que a pandemia lhe trocou.
Um deles é José Elias Pinto, proprietário da loja Alma Lusa e presidente da Associação Portimonense do Comércio e Serviços, que diz que, ao regressar ao trabalho, no início de junho, “havia alguma esperança e, a pouco e pouco, as pessoas foram perdendo o medo e aparecendo nas lojas”.
Só que, entretanto, surgiram os efeitos da malfadada ‘festa de Odiáxere’, que provocou mais de uma centena de casos de covid-19 e levou a que a população voltasse a retrair-se, o que fez com que o movimento diminuísse.
Por esta altura, os comerciantes começam a ver, outra vez, um razoável número de potenciais clientes a passear pelas ruas e a frequentar as esplanadas e agora, “o que é preciso é que haja cuidado para que não surja mais nenhum foco grave que volte a fechar as pessoas em casa”.
Quanto à quebra de faturação com que, nesta altura, estes empresários se debatem, “é muito variado, depende do tipo de produto e de cliente que cada loja tem, sendo que os estão em pior situação são os que se encontram mais virados para o turismo e a restauração”. Em média, admite que se verifique uma diminuição de 50% ou mais em relação ao que era habitual por esta altura.
Em relação aos próximos tempos, não prevê uma evolução muito positiva, até porque, “os apoios que houve consistiram em algumas reduções de pagamento, mas sobretudo em moratórias e na possibilidade de se adiar a liquidação de algumas contas, mas mais cedo ou mais tarde elas vão ter de ser pagas”.
E, tendo em conta que as empresas estiveram paradas durante vários meses e que, agora, lutam para não terem prejuízos no final do mês, este responsável associativo defende que “vai ser necessário que sejam tomadas medidas que as aliviem financeiramente, sobretudo ao nível das rendas e da segurança social, de forma a evitar que muitas tenham de fechar as suas portas”.