O regresso do grande dérbi de Albufeira
Texto: Rafael Duarte, Foto: D.R
A definição de dérbi é fácil. Um jogo entre duas equipas da mesma área geográfica. Mas os amantes do futebol sabem que é muito mais do que isso. Durante 90 minutos, os jogadores, treinadores e adeptos tentam mostrar qual é o melhor clube da zona. Essa emoção vai invadir o Estádio da Nora no dia 9 de outubro com o encontro entre FC Ferreiras e Imortal DC. Mas este é um dérbi especial.
Os dois clubes somam anos de história. O Ferreiras foi fundado em 1983 e o Imortal em 1920, mas só se enfrentaram 21 vezes. A razão é simples: andaram frequentemente desencontrados nos escalões distritais e nacionais. Desta vez, o reencontro dá-se num campeonato nacional e esta é uma verdadeira raridade, porque será apenas o terceiro jogo entre ambos nesta divisão.
E porque o futebol também vive muito da história a Algarve Vivo falou com o presidente do FC Ferreiras, António Colaço, e o vice-presidente do Imortal DC, Bruno Xavier, que têm anos de ligação aos seus clubes do coração. O primeiro até vestiu as duas camisolas, tendo sido jogador do Imortal entre 1980 e 1984, ano em que saiu precisamente para jogar no recém-criado FC Ferreiras. Aí jogou e é presidente desde 2002. O segundo é um verdadeiro filho do Imortal, tendo feito a formação no clube de Albufeira e representado a equipa principal, entre 1987 e 1991, numa primeira passagem e, entre 2003 e 2006, num segundo momento. O curioso é que nunca tiveram a possibilidade de jogar num dérbi de Albufeira.
“É de saudar o regresso de um dérbi a um nível mais elevado, porque os últimos anos tem sido a nível distrital. É bom para os clubes e para Albufeira”, diz António Colaço satisfeito também por ver o FC Ferreiras de volta ao Campeonato de Portugal. Uma rivalidade natural, mas com muito ‘fair play’. “É um jogo onde queremos que haja bom futebol, amizade e felicidade. Que a melhor equipa ganhe e não haja problemas”, afirma Bruno Xavier.
O Imortal já tem o andamento de ter estado no Campeonato de Portugal na última época e ambos concordam que isso faz a diferença. “Ainda estamos à procura do nosso ritmo nesta competição. Temos que crescer e melhorar. Quando se vem com um ano de bagagem do Nacional, como é o caso do Imortal, há outra perceção do ritmo e de como se joga nesta competição. Já andámos nestes patamares e sabemos que é diferente. Os jogadores têm que assimilar isso e perceber que este campeonato é muito mais competitivo, veloz e durinho”, avisa António Colaço. Por sua vez, Bruno Xavier reforça que “ter o andamento de uma época neste campeonato torna isto um bocadinho diferente, embora estes jogos tenham sempre uma característica especial. É um dérbi a nível local onde não é preciso incentivar o jogador para que esteja no máximo da concentração”.
Um dérbi que ambos não tiveram a oportunidade de vivenciar, mas acreditam que os jogadores têm noção dessa sorte. “Todos os jogadores se conhecem e alguns até são bastante amigos. Dentro de campo isso fica à margem e o que importa é que cada um defenda da melhor maneira possível a sua camisola. Há que dignificar os clubes e fazer com que seja um jogo positivo e emotivo”, refere o dirigente do Ferreiras, que, por ter representado os dois clubes, tem um sentimento ainda mais especial por este encontro, embora não tenha dúvidas quanto à equipa que quer que ganhe.
“Neste momento e atendendo ao meu percurso como dirigente não tenho dúvidas que quero que o FC Ferreiras ganhe”. Se o clube da Nora tem um presidente que já vestiu as duas camisolas, o mesmo se aplica ao treinador do Imortal, Ricardo Moreira. “Sei que é um homem motivador que gosta de ganhar e vai incentivar a equipa para entrar em campo nesse sentido”, diz Bruno Xavier. “Também será especial para ele, sei que mantêm um relacionamento excelente comigo e com o António Colaço” e o dirigente confirma.
“O Ricardo jogou e treinou todos os escalões do FC Ferreiras até chegar aos seniores, tal como o nosso atual treinador. Aliás, David Antão foi jogador do Ricardo”.
Os rivais estão avisados sobre aquilo que os espera e os dois dirigentes aproveitaram ainda esta entrevista para fazer um apelo aos adeptos. O Imortal é certo que joga como visitado, mas a viagem curta convida a um apoio massivo.
“Quase que podíamos ir do nosso estádio a aquecer até lá. Íamos a correr e chegávamos quentes (risos). Conseguir trazer os adeptos ao estádio é uma vitória para Albufeira. É uma cidade virada para o turismo onde boa parte das pessoas que cá residem não tem raízes daqui. Ao contrário das Ferreiras onde há mais bairrismo do que há em Albufeira e que tem vindo a ajudar o crescimento do clube, porque as pessoas sentem mais o clube”, refere Bruno Xavier.
Ora posto um elogio destes cabe aos adeptos do FC Ferreiras confirmar essa ligação: “Sentimos que há um retomar dos espetadores ao futebol. Vamos contar com apoio. Albufeira não é longe de Ferreiras são cinco minutos. Vamos ter uma casa composta, com muita animação e ‘fair play’”, garante António Colaço. Posto isto, estão mais do que reunidas as condições para um jogo histórico com um grande ambiente nas bancadas.
CURIOSIDADE
- O Ferreiras a jogar em casa soma 8 vitórias, 3 empates e nunca perdeu contra o Imortal
- O Ferreiras não ganha ao Imortal há quatro jogos consecutivos
- A última vez que se enfrentaram foi na época 2019/20 na 1ª Divisão da Associação de Futebol do Algarve e empataram 0-0 os dois jogos.
- As duas equipas só se encontraram uma vez num campeonato nacional. Foi na época 2007/08 na III Divisão Série F.
ENTREVISTA: António Colaço, presidente do Ferreiras
“Objetivo principal é a manutenção”
Que FC Ferreiras podemos esperar no Campeonato de Portugal?
Queremos uma equipa renovada neste regresso, com alguma juventude, mas acima de tudo com muita ambição. O objetivo principal é conseguirmos a manutenção. Sabemos que com este novo modelo não vai ser fácil, mas vamos lutar para continuar neste campeonato, porque é uma competição que acreditamos que podemos marcar presença com mais regularidade. Sabemos que não é fácil, porque, com este novo modelo, excluídas as equipas mais competitivas, que foram agrupadas na Liga 3, penso que dá um equilíbrio maior. Tínhamos equipas praticamente profissionais, que não é o nosso caso, e isso criava grandes discrepâncias. Agora haverá mais equilíbrio ainda que tenhamos equipas bem apetrechadas no nosso campeonato e na nossa série. Vamos fazer pela vida e tentar o nosso objetivo.
O clube já começou o ano a festejar a conquista do título, neste caso a Supertaça do Algarve. É um bom presságio?
Ganhar é sempre bom e nós temos este ano a possibilidade de ter três a quatro objetivos definidos. Um deles era esta Supertaça do Algarve que vencemos, teremos mais uma Supertaça no dia 5 de outubro com o Moncarapachense, a Taça do Algarve em seniores e este campeonato. Queremos ganhar estes três troféus e garantir a permanência. O primeiro está conseguido, pode ser um bom prenúncio, vamos ver se isso vai ser uma rampa de lançamento para uma época bastante interessante.
Desde 2019 que o clube tentava regressar ao Campeonato de Portugal. Este é por isso um ano especial?
Sim, é verdade. Tentávamos, mas a covid-19 não nos deixou. No primeiro ano da pandemia parámos o Campeonato Distrital na primeira fase e o Moncarapachense, que estava em primeiro lugar, foi convidado para subir. No ano seguinte, as coisas foram mais curtas, mas também foi convidada a equipa que no momento estava em primeiro lugar que foi o Imortal. Ficámos mais uma vez frustrados e, na época passada, fizemos um campeonato positivo com bastante regularidade. Marcámos desde cedo a nossa posição e o nosso interesse de subir novamente ao Campeonato de Portugal. Éramos a melhor equipa e mais equilibrada. Costuma-se dizer que o campeão é a equipa mais regular e foi isso que nós fizemos acabando com sete pontos de vantagem, algo esclarecedor daquilo que foi a nossa participação na época passada.
Com uma subida de divisão há naturalmente muitas alterações na equipa. Que balanço é que faz do mercado de transferências?
Atualmente as coisas aqui já não são o que eram. Penso que os meus colegas dirigentes concordam comigo. Hoje em dia é muito difícil conseguir gente comprometida e com alguma facilidade deixam-se influenciar por propostas que nem sempre são as melhores ou as mais corretas no momento em questão. Os jogadores mudam muito rapidamente. Nós durante anos tivemos um núcleo duro de 13 jogadores que continuavam sempre agora isso não é fácil. Tivemos algumas saídas e entradas, mas penso que os jovens que conseguimos contratar têm ambição que querem ainda mostrar que podem chegar mais além. É isso que queremos: gente com vontade, ambição e o máximo de compromisso possível. Isso nem sempre é fácil, mas o nosso perfil de jogador é mesmo esse, com alguma juventude, mas também não muita inexperiência. Temos isso mais ou menos conseguido, mas agora é adaptar à competição porque os ritmos são diferentes e há jogadores que ainda não competiram a nível nacional.
David Antão vai continuar no comando técnico do FC Ferreiras. Porque é que decidiram manter o treinador?
O David é um elemento praticamente ‘made in’ FC Ferreiras. Começou aqui como jogador nos benjamins ou infantis e nunca mais saiu do Ferreiras. Sendo uma aposta nem sequer é uma aposta. É uma opção de lógica e continuidade. Algo que temos tido neste clube, tirando uma ou outra exceção, mas é raro um treinador não terminar uma época aqui. Definimos orientações no sentido de dar preferência aos atletas da região, porque não há grandes condições para termos jogadores fora da região. Queremos privilegiar os da nossa região e com esses jovens formar uma equipa competitiva. Como vemos, no Algarve há bons jogadores e por isso é que estão espalhados em equipas de Primeira e Segunda Ligas. Nós temos é que procurar dentro da nossa possibilidade dar ao treinador uma equipa competitiva.
Estando o clube de regresso aos campeonatos nacionais esperam ter uma resposta massiva dos adeptos?
Esperamos naturalmente mais interesse e um maior acompanhamento dos adeptos principalmente nos jogos em casa porque muitos vão ser fora do Algarve. Somos só quatro equipas algarvias nesta competição. Hoje em dia com o preço dos combustíveis não é fácil para as pessoas fazer essas viagens e as coisas estão a ficar demasiado caras para que acompanhem o futebol. Mas nos jogos em casa esperamos com esta nova competição despertar um interesse maior e que as pessoas se interessem mais. No entanto, estamos próximos do mar, de Albufeira, de muitos centros comerciais, de muitas praias, enfim sítios onde as pessoas podem optar por ir ao fim de semana. Ou seja, vai ao futebol quem gosta de futebol e tem alguma afinidade com os jogadores ou com o clube.
Ver o Ferreiras na Liga 3 é um sonho ou pode ser um objetivo?
Não é um sonho nem é um objetivo, mas não pode deixar de o ser. No primeiro ano em que o Campeonato de Portugal foi jogado e se extinguiram os anteriores formatos de competição nós participámos e ficámos a um jogo de subir à Segunda Liga. Não era o nosso objetivo porque só queríamos a permanência, mas chegámos à fase de subida e ficámos praticamente a um jogo da Segunda Liga. No futebol tudo pode acontecer. Nós temos uma ideia e às vezes consegue-se concretizar ou não. Estamos cá para o que der e vier e tentar sempre fazer o melhor.
ENTREVISTA: Bruno Xavier, vice-presidente Imortal, mostra ambição
“Queremos ficar entre os oito primeiros”
Que Imortal DC podemos esperar no Campeonato de Portugal?
Espero que seja um Imortal um pouco mais forte do que o do ano passado, embora tenhamos atingido os nossos objetivos. Este ano queremos ficar entre os oito primeiros. Temos um grupo estável e ligeiramente mais forte do que na época anterior. Se calhar estávamos mais fortes num setor e menos fortes noutro, mas este ano é o contrário, contamos com uma equipa equilibrada e à base de jogadores do Algarve. Temos sempre dificuldade e este ano não vamos conseguir oferecer residência e alimentação aos jogadores, mas assim damos oportunidade aos jogadores da zona de aparecerem no Campeonato Nacional.
Num futuro a médio-longo prazo o Imortal gostaria de cimentar a sua posição no Campeonato de Portugal ou têm planos para mais do que isso?
É lógico que o clube poderá pensar numa estrutura mais profissionalizada e altos voos, mas para isso será preciso um investidor ou uma marca que conseguisse incrementar um valor na própria equipa. Para se poder fazer face a todas as despesas que temos e para haver esse orçamento que seria duplicado terá sempre que haver um investidor. Sei que podemos perder um bocado aquela amizade pelo clube, porque chegam jogadores de fora onde é oferecido outro tipo de condições e deixamos um pouco de dar oportunidade a jogadores locais. Mas o clube terá que passar por isso se quer voos maiores. As bases estão criadas. Tem estrutura e no que toca a criar condições para os jogadores é dos melhores do Algarve. Temos a ajuda da Câmara, mas muito trabalho do clube. Passo a passo porque queremos dar passos pequenos e quando chegar a essa altura diremos que vamos atacar outros objetivos como uma subida de divisão.
Ou seja, o Imortal está disponível para receber um investidor?
Já houve convites, muitos, e eu tenho algum receio porque todos nós sabemos de várias situações que correram mal a nível de investidores que entraram nos clubes. Ainda não chegou a pessoa certa, mas quando sentirmos em termos de direção que é a altura certa e é aquilo que queremos, se calhar vamos dar esse passo. Até poderá ser numa direção futura em que eu já cá não esteja, não sei. Sei é que os clubes têm que viver à custa disso, porque a gestão de um clube destes não é fácil e para pensarmos numa subida será sempre por aí.
Este ano há novidades no formato Campeonato de Portugal. O que é que isso pode implicar para o Imortal?
Acho que em termos de vantagens ou desvantagens só vamos ver no fim, em termos de futebol não tem nada a ver com o do ano passado. Esta é a realidade do que tem que ser um campeonato. O ano passado começámos bem e tivemos um período menos bom. Tentámos manter a estabilidade do grupo que não é fácil com derrotas. Este ano sabemos que vai ser mais difícil, mas acho que assim é que tem que ser. O ano passado foi muito irrisório. O Louletano acabou por descer quando acabou a 1ª fase com os mesmos pontos que o Moncarapachense, que acaba por subir de divisão. Não foi nada realista, tocou ao Louletano e ainda bem (risos) porque fomos nós e o Esperança Lagos que nos mantivemos.
No ano passado o Imortal surpreendeu na fase de manutenção do Campeonato de Portugal. Qual foi a chave do sucesso para a equipa ter superado o Esperança de Lagos e o Louletano?
Penso que a chave foi a estabilidade do grupo. Sei que não é fácil com derrotas dar a volta porque desconfiamos do nosso trabalho quando perdemos, mas acreditei sempre no treinador, na equipa técnica e nos jogadores. Eu e o treinador transmitimos sempre confiança porque os resultados não estavam a aparecer, mas iam aparecer. Com um grupo unido é sempre mais fácil os resultados aparecerem, em vez de ir buscar jogadores que até podem fazer a diferença, mas num grupo desunido torna-se mais difícil. Acreditaram, tivemos alguma sorte que faz parte do jogo, mas a confiança foi aumentando e fizemos uma 2ª fase onde só perdemos em Lagos num jogo que acabámos com nove jogadores.
Essa boa relação que tem com Ricardo Moreira e o facto de o técnico ter garantido o objetivo do clube que era a manutenção explicam a continuidade?
Quando se perde até o treinador desconfia dele e eu mantive sempre a confiança e garanti que ele era o treinador do meu projeto. Fiz isso por mais do que uma vez e se calhar tive sorte ou sabedoria, porque atingimos o objetivo. Acredito nele e que ele nesta divisão traz coisas muito boas ao Imortal. Traz o que quero em termos de projeto para o clube. Um grupo motivado e sempre estável e unido.
Ver o Imortal DC na Liga 3 é um sonho?
Não digo que seja um sonho. O Imortal tem condições para disputar uma Liga 3 ou até qualquer coisa mais que isso. O clube passou por momentos difíceis e atualmente estamos muito estáveis. Não queremos dar passos em falso e queremos crescer devagarinho. Quando acharmos que estamos no momento de subir, então atacamos. Temos trabalho no clube para criar bases e depois atacar esses objetivos. Queremos que essas fontes de rendimento que temos estejam bem estruturadas para pensarmos nesses objetivos.