OPINIÃO: O Retrato de um Traidor(a)
Pedro Pereira | Historiador
Ao longo da sua vida o leitor já foi alvo dos actos de um traidor? Se tão infausto ocorrido ainda não lhe sucedeu, considere-se uma pessoa feliz, porque a traição é um acto associado à falta de ética, de lealdade, de princípios e de valores, entre outros atributos que devem ser apanágio de (e entre) todos os homens e mulheres. Acautele-se, porém, porque o traidor(a) espreita em cada esquina da sua (nossa) vida, é esta sinistra figura que subservientemente gere o mundo que nos rodeia.
O traidor geralmente trabalha num departamento ou serviço do Estado, exerce um ou mais cargos políticos e, ainda, no sector empresarial privado, onde desempenha tarefas rotineiras, cumprindo horários regulares ou escapando deles através de estratagemas, sem que, os superiores hierárquicos do local onde exerce a sua atividade se apercebam. No entanto, aparentemente obedece a regras e agrega um certo nível de propósito e ambição nas tarefas que desenvolve.
Uma das mais sinistras ironias do traidor, é que o seu excelente desempenho no trabalho, invariavelmente, tem por objetivo disfarçar o conturbado lado da sua vida pessoal, além de o ajudar a conseguir promoções que o pode levar a patamares onde tenha acesso a informações altamente confidenciais, sendo que, o dinheiro e o ego são outros factores a ter em conta na natureza deste género de criaturas. Aparenta e proclama ser possuidor de apurado senso de honra e integridade pessoais, aliados a um relativo senso de humor. É esperto e possui a capacidade de trabalhar em harmonia com outras pessoas.
O lamentável é que o mundo sempre foi visto de acordo com as aparências…
Para conseguir algumas vantagens, o traidor apresenta às pessoas uma versão bem editada de si mesmo. Recrutamento é a joia da coroa de qualquer serviço secreto, partido político, e/ou serviço de espionagem dentro do sector empresarial público ou privado.
O cuidado envolvido no recrutamento depende, em larga medida, do tipo de informação secreta à qual o traidor em potência tem acesso. O recrutamento consiste de vários patamares, sendo que o foco deve estar nas fraquezas do alvo que é escrutinado. De todos estes aspetos, a ideologia pode ser, parte integrante. A coerção acaba sendo um factor de importância quando o traidor entrega os seus primeiros documentos roubados, ou coleta informação sensível que entrega ao seu superior.
O que pode levar um homem a baixar o pano sobre suas experiências escolares passadas, as suas atividades e ideologias, os seus amigos íntimos, as suas velhas lealdades e vínculos de um passado longínquo e/ou recente?
- Um dos mitos mais comuns sobre criminosos é que são pessoas como nós, que tiveram o azar de cair uma vez na vida, que foi seguida de outra e outra queda, até que foi tarde demais para voltar atrás e viver como um ser humano que respeita a lei, as regras e os princípios éticos e morais que vigoram nas sociedades. Ora isto é absolutamente incorrecto, pelo menos de acordo com proeminentes e respeitados psicólogos, psicanalistas e psiquiatras especializados em personalidades criminosas.
Assim, de acordo com estes especialistas, os criminosos são pessoas que, de maneira nenhuma, pensam como o resto de nós. Para eles, ser um criminoso não implica em que grau o é, mas em que tipo de comportamento ou pensamento se encontra.
Se olharmos para a vida de um traidor, logo concluímos que, muito antes do final, ocorre a dissidência fatal. O traidor tem atrás de si uma vida inteira de pequenas dissidências e desonestidades, de um sentimento geral de superioridade em relação às regras, de desprezo pela decência comum e pelo que é bom e digno no ser humano, numa exaltação de si mesmo em detrimento das outras pessoas. Características comuns a psicopatas. Assim, que elementos são adicionados ao carácter dos traidores que os distinguem dos outros seres humanos?
Para além de tudo, um traidor é uma pessoa que acredita poder satisfazer os seus caprichos, impulsos e apetites, independente das consequências. O traidor não se preocupa em ponderar da natureza do seu carácter e, tal como outros criminosos, apresenta a tendência para se ver a si mesmo como o centro de todas as situações, nunca apenas como «mais uma roda de uma engrenagem».
Ao entrar numa sala cheia de gente, o traidor olha para os comuns mortais com pena: – «Aqui estão os palermas comuns, que não têm a mínima ideia de como se tornar alguém na vida, como eu» – pensa.
Por causa da exagerada noção de suas capacidades, o traidor vê-se a si mesmo como o mestre de algum grupo invisível. Ele nunca se vê como uma pessoa que deve obrigações, ou que tenha que reportar os seus actos a alguém.
Devido à sua fraqueza interior, à sua falha de carácter, o traidor tem necessidade de sentir-se no quotidiano, no controle das situações, o que não obtém por meio de competição justa, mas por meio de ações furtivas e desonestas. O traidor acumula coisas a seu favor sem que os outros saibam, pois o seu sigilo confere-lhe uma sensação de superioridade e de mestria.
O traidor gosta de enganar pessoas e aprecia o facto de que os outros não estão conscientes das sinistras intenções por trás da fachada benigna que ostenta. O traidor, como muitos criminosos, é um dissimulador tão magnífico que seria capaz de ensinar a mudança de cores a um camaleão. Todo o traidor aparenta ter uma ambição a ser alcançada e destaca-se por defender a sua imagem exaltada. No traidor, a necessidade de obter distinção é distorcida e inescrupulosa. Existe desespero envolvido, como se tivesse que ser tudo, para não ter que acabar em nada.
O objetivo final de conquista, para dar significado à vida, acaba por se perder.
Enquanto o caminho para a realização de uma pessoa comum é bastante simples: – Aplicar esforços e recursos disponíveis para resolver problemas, o traidor, como o criminoso, não possui a firmeza de carácter necessária ao crescimento gradual e, por isto, almeja começar do topo. Quando descobre que isso lhe é negado, cai em fantasias de grandiosidade.
Não importa o crime cometido pelo traidor, ele pode até reconhecer que a sua acção tenha sido criminosa, mas jamais se aceitará como um criminoso.
Um traidor jamais sente remorsos. É sua convicção de que não necessita de defender o seu comportamento perante a sociedade ou o seu círculo familiar.
Conclui-se assim que: – Todo o acto de traição é, sobretudo, individual.