Opinião OSAE: A Transmissibilidade das dívidas de condomínio
Karlla Quintanilha | Solicitadora, in Portimão Jornal nº47
A compra e venda de imóveis, mormente de fracções autónomas em prédios submetidos ao regime de propriedade horizontal, continua a ser um dos negócios jurídicos mais frequentes. Os efeitos da compra e venda estão regulados nos artigos 874.º e seguintes do Código Civil, doravante ‘CC’.
Assim, e segundo as palavras do legislador: “Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço”. (artigo 874.º do CC).
Nos termos do artigo 879.º do CC: “A compra e venda tem como efeitos essenciais: a) A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; b) A obrigação de entregar a coisa; c) A obrigação de pagar o preço”.
Trata-se de um negócio sinalagmático, uma vez que pressupõe um feixe de direitos e obrigações para ambas as partes e só se aperfeiçoa com a contraprestação de cada um dos intervenientes: comprador e vendedor.
Coloca-se no nosso dia-a-dia a questão de saber se uma vez transmitida uma fracção autónoma (habitacional ou não) através de compra e venda, e se essa fracção tiver dívidas de condomínio em virtude de o vendedor estar em atraso, se as mesmas se transmitem ao comprador adquirente. A questão, podendo parecer simples, assume alguma complexidade e vem sendo dirimida pela Jurisprudência.
Com o fito de clarificar essa questão foi publicada a Lei 8/2022, que procede a alterações no Regime da Propriedade Horizontal e no próprio Código do Notariado, passando a impor uma série de obrigações declarativas em sede de instrução de negócios jurídicos sobre imóveis afectos ao Regime da Propriedade Horizontal.
Até aqui a Jurisprudência vinha discernindo entre o tipo de dívida para clarificar se a mesma se transmitia, ou não, com a venda da fracção, ‘onerando’ o novo ou o antigo proprietário conforme o caso.
Assim, se estivermos em presença de encargos de fruição, as chamadas obrigações de ‘propter rem’, ou seja, as chamadas ‘quotas’ de condomínio, ou encargos correntes, diremos que o pagamento das mesmas compete ao proprietário enquanto o for. Falamos em obrigações de ‘propter rem’ por serem consideradas ‘ambulatórias’ ou seja, por poderem ou não ‘acompanhar’ a fracção independentemente do seu proprietário. Caso não se tratasse de ‘encargos’ ou quotas, a questão já era discutível.
Estamos em crer que o regime aprovado é mais equilibrado, pois doravante passa a ser obrigatório (a partir de meados do mês de Abril do corrente ano) para o proprietário que queira alienar a sua fracção, solicitar a emissão de declaração ao administrador do condomínio, segundo a qual seja atestado se existem, ou não, dívidas, montantes e natureza das mesmas (encargos, quotas ou reparações, por exemplo).
Muito mais poderíamos acrescentar. Salientamos que o artigo é meramente informativo e que as normas que entrarão em vigor visam essencialmente obstar a que sejam transmitidas dívidas que, na realidade, serão da responsabilidade do proprietário-transmitente, reforçando assim a segurança do comércio jurídico. As regras em causa aplicam-se a todos os negócios jurídicos que tenham em vista a alienação de imóveis em propriedade horizontal.
Da nossa parte diremos tão somente ao leitor que há muito vínhamos pugnando por esta solução, pelo que a recomendação é a mesma do costume. Faça-se representar por Solicitador que assegure um negócio isento de problemas e dívidas de terceiro.
- Escrito sem a aplicação do Novo Acordo Ortográfico
- Artigo publicado ao abrigo da parceria entre o Portimão Jornal e a Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução