Os outros ‘heróis’ das corridas que também brilham no Autódromo
Texto: Hélio Nascimento | Foto: Portimão Jornal
Uma viagem aos bastidores do Autódromo Internacional do Algarve. Foi isso que o Portimão Jornal levou a cabo, num dia de corridas, medindo o pulso aos ‘heróis’ desconhecidos, ou seja, aos que zelam pelos pilotos, que autenticam os veículos, que controlam a corrida em múltiplos ecrãs, que registam os tempos e a velocidade, que intervêm em caso de acidente e que até transportam companheiros espalhados pelo circuito ao WC se a situação a tal obrigar.
Trata-se, efetivamente, de um mundo à parte, por certo ignorado da maioria do público presente no Autódromo e daquele que, avidamente, consome as horas de transmissão televisiva de um Grande Prémio de Fórmula 1 ou de um MotoGP, para falar apenas das provas mais mediáticas. Mas, sempre que há motores a trabalhar neste palco de excelência do automobilismo e do motociclismo, por mais modesta que seja a corrida, é ponto assente que os comissários de pista e restante equipa do AIA Motor Clube vão estar a mil no que diz respeito a atenção, coordenação e poder de intervenção.
Duarte Justo, chefe de pista, e Paulo Martins, o seu braço direito, conduzem o jornalista neste périplo à volta de um dos locais mais icónicos do desporto português. São membros do AIA Motor Clube, a entidade do Clube de Comissários e organização de Provas de Desporto Motorizado do Autódromo Internacional do Algarve.
Ao todo, abrangendo os diversos postos de trabalho e as funções desempenhadas por cada elemento, o grupo chega às 500 unidades. No entanto, nunca estão presentes todas, dependendo da importância da prova, o que significa que a Fórmula 1, o MotoGP e o Mundial de Superbikes ‘precisam’ de uma envolvência maior e de um acompanhamento que vai ao mais ínfimo dos pormenores.
Torre de Controlo, o coração das corridas
A nossa viagem começa pela Torre de Controlo, o coração do Autódromo no que às corridas diz respeito, onde somos recebidos por Miguel Glória, natural de Lagos e presente no Autódromo desde a primeira hora. O responsável pela sala de cronometragem começa por revelar que as corridas de motos “requerem mais meios humanos do que as dos carros, porque têm menos duas rodas, ou seja, há mais quedas e é preciso reforçar a segurança”.
A equipa de Miguel Glória apura quem ganha a corrida, quem fez mais voltas, quem foi o mais rápido, e, no final, anuncia os resultados. “É tudo cronometrado. Um dispositivo no carro, o ‘transponder’, dá todas as informações ao passar por determinadas linhas ao longo da pista”. O que é recebido é automaticamente associado a um nome, que neste caso, é o veículo.
Miguel Glória gosta muito das provas grandes, por se tratar de “um desafio maior”, caso do MotoGP, Superbikes e Fórmula 1, mas gosta, também, de “provas mais pequenas e amadoras”, elegendo a corrida dos Bentley, as 24 horas, como a preferida. “A marca tem por hábito fazer aqui as comemorações da sua primeira corrida de sempre, recriando o que então se vivia, dos fardos de palha às bancadas de madeira. É muito engraçado e gosto imenso destes clássicos”, confessa.
Numa sala contígua, no Race Control, temos a visão de toda a pista, através das câmaras que gravam digitalmente o que se passa em tempo real. Em caso de alguma dúvida, de um toque ou incidente, revê-se as imagens para atuar em conformidade.
“A comunicação é direta para os comissários e para os meios de resgaste”, prossegue o nosso cicerone. “É daqui que se controla toda a parte desportiva de todas as provas, seja qual for a dimensão. A pista está completamente coberta, as escapatórias também, e vamos buscar essas imagens em caso de necessidade, tendo o controlo total. Os treinos que fazem parte do evento corrida têm o mesmo tratamento”, elucida ainda.
Uma prova menor pode causar maiores problemas
Da Torre de Controlo para a ‘pit lane’ (pista auxiliar e adjacente à pista principal) temos encontro com Conceição Silva, que coordena os comissários através de uma série de procedimentos. É aqui, nesta faixa de circulação separada da pista por um muro, que as equipas e pilotos se preparam e arrumam os veículos durante os dias de competição, e é aqui, também, que temos as boxes, na chamada ‘pit stop’, de onde Conceição dá o ‘ok’ para o regresso à pista.
“Entre motos e carros difere um bocado, mas eu gosto mais de carros, sempre tive esta paixão”, diz a portimonense que tem no Autódromo uma atividade secundária.
A próxima paragem é junto de Luís Águas, responsável pelo ‘rescue’, que faz o salvamento e resgate das pistas quando há acidentes, com uma equipa de 14 pessoas. “Temos uma carrinha com atrelado que retira a moto e a entrega nas boxes. Se for um carro é rebocado por um camião com grua. Cada corrida é uma experiência diferente, com mais ou menos trabalho, mas uma prova menor pode causar maiores problemas”.
Luís pertence aos quadros da Parkalgar e está no Autódromo desde o arranque, o que o leva a deixar uma nota significativa sobre o legado de Paulo Pinheiro. “Foi uma perda grande, a do nosso mentor, mas, em sua homenagem, temos de continuar o que ele deixou para nós”.
O protagonista que se segue é Luís Faxelha, cuja função é transportar pilotos em caso de queda ou avaria, seja de carro ou de moto, naquilo que se apelida de moto táxi permanente. “De vez em quando levo também comissários à casa de banho, os que estão espalhados pelo circuito”, revela, com naturalidade. O trabalho pode ser mais ou menos fácil e já fez para cima de 500 km num fim de semana, numa scooter, numa prova europeia.
“Nas vias de serviço há limite de velocidade e buzino sempre para me identificar. Permanente sou o único neste serviço, mas tenho companhia nas provas maiores”, conta este residente em Lagos, que foi piloto, mecânico e pensava acabar esta ligação “quando vieram construir um circuito no meu quintal”, atira, com humor.
A dureza do aço do alumínio de um parafuso
Bruno Carvalho e José Narciso não têm intervenção direta na pista nas corridas de motos, funcionando na parte exterior, nas chamadas vias de serviço. No seu veículo, transportam a moto para as boxes, o que, “se nas provas é tranquilo, porque os pilotos já não regressam, nos treinos podemos ter de ir buscar outra moto e é preciso ser rápido para o piloto prosseguir na corrida e tentar ainda fazer um bom tempo”. A dupla ajuda também na limpeza, se a pista ficar com óleo, “mais rápido do que os bombeiros numa primeira assistência”.
Na conversa com o Portimão Jornal, com o barulho dos motores sempre presente, Bruno e José Narciso apontam para uma curva próxima e sublinham que já tiveram “17 acidentados consecutivos”, em motos, naquele preciso local, devido a óleo na pista. Com os carros é diferente, visto que são as gruas que os retiram da pista para a gravilha. “Podemos rebocar ou vem uma grua, há sempre escapatórias”.
Mais à frente, neste percurso à volta do traçado do Autódromo que efetuamos à boleia de Duarte Justo e Paulo Martins, é a vez de encontrarmos Dalila Mateus, de 53 anos, um dos elementos que continua fiel desde a primeira hora. É comissária de pista e às vezes chefe de posto, revelando que o principal segredo desta função passa por uma “atenção constante”. Prefere as corridas de motos, que “dão mais trabalho”, confessando a sua enorme paixão pelas duas rodas. Se dúvidas houvesse, tirou a carta de condução aos 40 anos e hoje conduz uma Suzuki.
Com o périplo a chegar ao fim, ouvimos Nelson Palma, coordenador técnico, cujo setor funciona em prol de uma “competição justa”. O trabalho decorre antes e durante as corridas, com uma atenção permanente ao que os regulamentos definem. “Nomeadamente, temos de ver se as caraterísticas de uma moto, por exemplo, correspondem ao modelo de fábrica”, explica. Depois é validar a máquina, que passa ainda por outros controlos.
“Com os carros é a mesma coisa, só que um carro tem mais peças e já tivemos uma odisseia incrível a propósito da dureza do aço do alumínio de um parafuso”, ilustra, com esta particularidade certamente curiosa para quem percebe pouco do assunto. A última palavra deste controlo pertence à sua equipa, mas se for uma prova mundial “passamos a informação”. Nelson Palma, natural de São Bartolomeu de Messines, tem 37 anos, é formado em engenharia automóvel e ficou ‘preso’ desde o início ao projeto de Paulo Pinheiro.
A bandeira manda em tudo
Duarte Justo e Paulo Martins, já deu para perceber, guiaram e orientaram a reportagem do Portimão Jornal nestas aliciantes ‘retas e curvas’ do Autódromo, qual viagem de sonho que qualquer amante do desporto motorizado gostará de fazer. Duarte é o chefe de pista e Paulo o seu auxiliar direto, homens de trato fácil e com plena consciência daquilo que representam para quem anda nas altas velocidades. “A bandeira manda em tudo, completamente”, dizem eles, aludindo à importância dos retângulos de várias cores que são mostrados em múltiplas zonas do circuito. “O que os pilotos veem é pela orientação das bandeiras, da azul à amarela, se há chuva, acidentes e piso com condições de aderência ou não, se há obstáculos ou perigo total. Somos a proteção deles e falamos com eles por bandeiras, dizendo-lhes se podem passar ou não, em que a verde é para abrir e a vermelha indica que acabou a corrida e é sinal exclusivo de ordens da torre e do diretor de corrida”. Entre as mil peripécias e curiosidades de tantos e tantos dias de treinos e corridas, Duarte Justo revela que num só dia chegou a receber 400 chamadas de telemóvel. Nas corridas de MotoGP, por exemplo, às 5h30 da manhã já está no Autódromo. Depois, na homenagem devida, garante que “o Paulo Pinheiro é como se estivesse cá todos os dias”, frase corroborada por Paulo Martins, que chegou a participar em corridas. No mundo desta dupla repetem-se os termos comissários de pista, ‘rescue’, técnicos especializados, ‘pit lane’, cronometragem, moto-táxi, race control, secretariado e karting. Sim, porque ainda há o karting. Um imenso mundo que está por detrás do espetáculo único das corridas de velocidade.