Passeios fantásticos e de sonho na mais singular das caravelas
Texto: Hélio Nascimento | Fotos: Eduardo Jacinto, in Portimão Jornal nº53
Foi construída em França, andou na pesca mais de duas décadas, depois deu entrada no Porto de Portimão, e, aparentemente abandonada, acabou por ser comprada e restaurada por Hermann Bernhard, um cidadão alemão já na altura rendido aos encantos do Algarve e amante de barcos, mar e carpintaria.
É este Bernhard que temos ao leme da agora denominada Santa Bernarda, porventura a mais singular das caravelas que faz passeios pela costa, desvendando os mil e um mistérios que dão fama às grutas, às rochas e até à história que nos rodeia.
Mestre Bernhard nasceu junto às margens do Rio Reno, tem 59 anos e chegou a Portugal em 1986, à procura “de aventuras e do bom clima”, não tardando a confirmar que nisto de bem receber não há ninguém como as gentes lusitanas. Em 1990, comprou o seu primeiro barco, o ‘Leãozinho’, nome ainda na memória de muitos portimonenses e turistas. “Era uma traineira que estava devoluta, mas, passados dois anos, já inscrita como embarcação marítimo-turística, ficou pronta a navegar”.
Dado o mote, não tardou muito a surgir a ‘Santa Bernarda’. “Foi em 1995 e também era um barco velho e abandonado, de origem francesa. Gostei muito do seu casco, interessei-me e acabei por comprá-lo. Elaborei então um plano de modificação, que viria a ser aprovado”, conta Bernhard, recordando os passos iniciais e as primeiras viagens, por volta de 2001.
Ingleses diziam que parece um ‘Navio Pirata’
“Já são mais de vinte anos a navegar”, enfatiza o germânico, entretanto radicado no concelho. As primeiras viagens realizaram-se de Portimão para Sagres e para Albufeira, “e também fomos a Lisboa, fazendo filmagens para o ramo publicitário”. Agora, o passeio está bem definido, iniciando-se no cais antigo, na Zona Ribeirinha, seguindo pelo Rio Arade, passando pela vila de pescadores de Ferragudo e pelas fortalezas medievais. Depois da barra, chegando ao oceano e içadas as velas, a ‘Santa Bernarda’ toma a direção sueste e passa pela costa de Carvoeiro e pelas formações rochosas de Algar Seco, no concelho de Lagoa.
Sensivelmente junto ao farol de Alfanzina, os turistas passam para um barco pequeno e próprio para explorar as melhores grutas, nomeadamente a de Benagil, que continua a ser a mais ‘requisitada’, e, entre ‘bruaás’ de espanto, tanto miúdos como graúdos tomam contacto com uma das maravilhas da costa algarvia.
A reportagem do Portimão Jornal testemunhou mais um inesquecível passeio na caravela, igualmente conhecida por ‘Navio Pirata’, porque, explica Bernhard, “os visitantes ingleses diziam que parecia um barco de piratas, e, assim, ficou também com este nome”.
O proprietário da embarcação, de resto, não tem mãos a medir: faz de mestre, de guia – explicando em várias línguas o trajeto e os pontos mais relevantes – e vai conversando connosco, durante as quase três horas de viagem.
A tripulação é composta por seis elementos, Sebastião, Marco, Nuno, Lena, Samson e Nordin, para além do capitão Paulo e do guia turístico Nuno Palma, que desta feita ficou em terra. Bernhard toma o leme nas folgas e elogia “a equipa muito boa e impecável, com muitos jovens”, que dão vida aos passeios da caravela, agora três por dia, “para aproveitar o bom tempo e compensar o impacto da covid”.
Barcos pequenos para entrar nas grutas
A embarcação transporta 65 pessoas e não faltam clientes. “Depende da altura do ano, mas agora está bom”, com saídas de manhã, à tarde e depois ao entardecer, para apanhar o pôr do sol. Houve alturas em que o passeio incluía uma sardinhada, numa praia, variante que, entretanto, foi afastada, porque “dá muito trabalho e deixa o pessoal cansado”. No Inverno, a ‘Santa Bernarda’ efetua três viagens por semana, desde que o tempo o permita, e, em dezembro, entra no estaleiro para obras de manutenção.
Todos os anos, Bernhard desloca-se a Düsseldorf, na Alemanha, para a tradicional feira dos barcos, sendo, na circunstância, um ‘emissário’ do município, fruto de um bom relacionamento, o que permite levar assim o nome de Portimão a outros cantos do mundo. Casado e com três filhos, o mestre tem formação em carpintaria naval e assegura que aos 65 anos vai reformar-se e apostar na agricultura biológica.
Para além da tripulação, há mais quatro membros em atividade, dois no escritório e outros dois em terra. “O negócio é sustentável, mas tem sempre riscos, tipo avarias, para já não falar do período da pandemia, que quase deu cabo de mim. Foi complicado, mas acho que já passou”, sustenta, na altura em que os turistas saltam para os barcos pequenos, devidamente equipados com coletes de segurança, para dar então início à visita às grutas.
O ‘Santa Bernarda’ fica a aguardar, nas proximidades, já que a sua dimensão, naturalmente, não permite o acesso às inúmeras cavidades existentes nas rochas, que fazem as delícias de todos. “Em agosto, são mais os portugueses que nos procuram, mas temos sempre muitos espanhóis, franceses e alemães”.
Proprietário desenhou a reconstrução
“É uma vida de sonho, não o nego”, considera Bernhard, confirmando, mais uma vez, ser um apaixonado por estas andanças. É com imenso orgulho, aliás, que nos diz que a reconstrução do barco foi desenhada por si – ou não fosse um ‘expert’ em carpintaria naval –, em especial os ‘acabamentos’ que, segundo ele, fazem a diferença, tais como os lugares sentados e almofadados, ao ar livre, a maioria deles à sombra.
Duas casas de banho, um bar para bebidas, merendas e venda de lembranças, bem como condições para pessoas com mobilidade reduzida, estão disponíveis a bordo, valências que se completam com o mais moderno equipamento de segurança e salvamento no mar, além do seguro, de acordo com os regulamentos da União Europeia. Antes da partida, recorde-se, a tripulação informa os passageiros acerca dos meios de salvação disponíveis.
“Nos últimos anos registou-se um grande aumento desta atividade, com bastante concorrência, mas ninguém consegue fazer mais um ‘Santa Bernarda’”, atira o mestre, aludindo à construção de madeira.
“As pessoas gostam muito do barco e dos passeios. Toda a gente quer ver Benagil”, exclama, precisamente na altura em que os visitantes, depois de terem entrado nas grutas e captado imagens para mais tarde recordar, voltam à base, para se iniciar, então, a viagem de regresso a Portimão.
Mais projetos em marcha
Sentindo a importância de manter viva a antiga tradição portuguesa dos navios de madeira, Bernhard e alguns sócios adquiriram, em 2015, o ‘Rivolé’, uma embarcação que não realiza excursões desde 2014. Desde então, o trabalho tem sido árduo, para o transformar num navio de passageiros e cruzeiros de madeira tradicional, seguro e confortável, com uma cozinha de restaurante profissional perfeitamente equipada a bordo.
Este é mais um projeto do empresário, que, porém, é prudente nos comentários. “Estamos a modernizar o ‘Rivolé’, para levá-lo para o mar e instalar nele um restaurante. Talvez no próximo ano esteja perfeitamente funcional, porque em Portugal, já aprendi, é preciso calma e paciência para levar por diante algumas ideias”.
O ‘Rivolé’ tem capacidade para 220 pessoas e as remodelações têm decorrido nos estaleiros de Portimão. A aparência geral será diferente da anterior, certamente mais atrativa, embelezando uma embarcação que tem 29,75 metros de comprimento, 7,10 de largura e 3,30 de profundidade.
Uma longa viagem desde a costa atlântica francesa
A ‘Santa Bernarda’ começou por se chamar ‘Le Trident’, o nome do barco que foi construído no ano de 1968, na costa atlântica francesa, em Baiona. Sensivelmente até 1992, serviu como pesqueiro no Atlântico Norte e na Biscaia, e, em 1995, já sem atividade industrial, entrou no porto de Portimão. Devido a deficiências técnicas e sem tripulação, foi abandonado e logo adquirido pelo atual proprietário, que, após vários meses de trabalhos de profunda remodelação e restauração – realizados no antigo estaleiro naval junto à ponte velha – lhe deu o atual nome. Os mastros foram concluídos em 2000, tendo sido aprovado pela inspeção dos especialistas da Autoridade Marítima de Lisboa. “O nome? Não podia ser ‘Trident’, porque há um submarino assim chamado. Pensei e escolhi este”, diz o também ‘padrinho’, reconhecendo a ligação com o seu nome. A caravela tem cerca de 23 metros de comprimento, dois mastros e um moderno e funcional equipamento.