Páteo d’Artes é escola de vida que já acolheu cinco mil alunos

Texto: Hélio Nascimento | Fotos: Portimão Jornal


Espaço privilegiado de cultura, o Páteo d’Artes nasceu em 2018 e, desde então, já foi frequentado por mais de cinco mil alunos, jovens na sua esmagadora maioria, que ali dão asas à aprendizagem e, sobretudo, à criatividade em todas as expressões de arte.

Trata-se mesmo de um pátio, com um espaço envolvente, que originariamente estava destinado a ser garagem, mas que agora, ‘engalanado’ com tantos desenhos, ilustrações e pequenas obras artísticas, não engana quem o visita.

Quem quiser tirar dúvidas, basta dar um salto ao nº 17 da Rua Mouzinho de Albuquerque e dizer de sua justiça.

A mentora de tão peculiar iniciativa chama-se Rita Ricardo, uma portimonense de gema que passou alguns anos da juventude em Ferragudo. Amante das artes e da cultura, “desde criança que cultivava este desejo de ter um atelier, de criar e pintar, ou seja, de construir este caminho”. Já instalada no seu Páteo, entregou um projeto ao Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), em 2019, e daí para cá tem sido um contínuo “limar de arestas”. 

“Podemos ter uma ideia geral, mas não sabemos muito bem… vamos definindo o percurso. Tinha tirado recentemente o curso de decoradora de interiores, conciliava com as artes, fiz vários trabalhos, mas depois deixei essa vertente e abracei mais a parte da formação com crianças e os nossos adultos”, conta Rita, que andou vários anos no ramo da hotelaria, mas sempre exercendo a sua profissão artística.

A sua opção de vida, está visto, confunde-se com o mundo das artes. E, como lutadora que é, incentiva os jovens. “Fundamentalmente, pretendo que eles experimentem, que tenham acesso a um bocadinho de tudo, que disponham de uma ferramenta para o futuro, mesmo que não venham a ser artistas. É meter a mão na massa e ter um plano B, usar o raciocínio, até porque aprendi, no meu trajeto, que com poucos recursos é possível fazer muito”.

Costura criativa, bijuteria e grafite 
As atividades no Páteo são diversificadas e múltiplas, da modelagem de argila e barro às técnicas mistas, colagens e pintura, porque, como diz Rita, “a arte é infinita”. “Hoje em dia temos uma sociedade descartável, muito de deitar fora. Veja que aproveitámos uma atividade de pasta de papel e do acaso saiu uma nuvem”, explica, ao mesmo tempo que aponta para o trabalho à vista de todos.

Além das aulas, os workshops são outra realidade presente no plano desta professora, englobando artes decorativas, plásticas, mais ilustração da natureza, bijuteria e grafites. “Já veio um profissional trabalhar com os miúdos sobre grafite, porque o Páteo está sempre aberto e recetivo a coisas diferentes. Se há uma ideia, se estão interessados, venham, falamos e vamos avançar”.

Acompanhar a nova geração, através das iniciativas já citadas e de mais algumas outras, é um dos propósitos. A costura criativa, por exemplo, está no topo, inclusive porque é ensinada a partir do zero. A professora Rita tem a colaboração da formadora Francisca, precisamente de costura, de Suzi, professora de artes, e de Ana Rita, de ilustração.  

“Não há espaço para mais e os horários estão preenchidos”, de segunda a sexta-feira, com workshops ao sábado ou domingo. “São eventos também escolhidos pelas pessoas, que se inscrevem e aparecem. A tecelagem tem igualmente muita procura, enfim, há de tudo um pouco. Tínhamos uma oficina e trabalhávamos com madeira, mas desativamos o espaço, para dispormos de mais uma sala de formação”.

Enriquecedor trabalhar nos ‘intervalos’ da pandemia 
Apesar de uma ‘entrada’ em grande, no que diz respeito ao interesse e adesão de alunos, o Páteo d’Artes sofreu na pele os anos da pandemia, numa altura em que ainda dava os primeiros passos. “Fiquei a trabalhar a solo, mas, sempre que podíamos abrir, nos intervalos dos confinamentos, o Páteo enchia, com vinte e tal crianças. Foi enriquecedor! As pessoas precisavam, a necessidade era tanto das crianças como dos pais, tinha de haver interação, e, por isso, desenvolvíamos sempre qualquer coisa”.

Quando a porta se abria, mesmo com todos de máscara, este verdadeiro ‘ninho’ das artes ficava repleto. Hoje, o número de alunos depende das competências. A costura não comporta mais de seis, no desenho de ilustração chegam a ser vinte e a coordenadora Rita trabalha com 10 a 12 miúdos, entre os cinco e os 15 anos. “Já passaram por aqui mais de cinco mil crianças”, repete, enfatizando um percurso que, naturalmente, é de sucesso. “Aos fins de semana também demos atenção ao sabonete natural, à terapia e às artes decorativas natalícias”, acrescenta, numa altura em que já começa a preparar a agenda para o último mês do ano.

Rita Ricardo tem 48 anos e todo o seu percurso profissional está ligado às artes. “Se estava num hotel ia decorar um restaurante ou um ‘kids club’, se era numa loja dedicava-me às vitrinas. Sempre foi esta a minha vida”, garante, relembrando as “raízes em Ferragudo”, cuja Associação Cultural e Desportiva, mais as ações a nível cultural e desportivo – que eram muito fortes nos anos posteriores à revolução de 1974 – “mexeram imenso comigo”.  

Na circunstância, diz que a sua vocação pelas artes é de sempre, embora ilustre a narrativa com o percurso do pai, mestre de carpintaria que “foi dos primeiros a ter um armazém na zona industrial, ainda sem luz e com lama à volta”. No Páteo desde 2018, projeto que abraça com indiscritível entusiasmo, a anfitriã dá algumas aulas extracurriculares do primeiro ciclo no Centro Escolar do Pontal e na Escola Básica Major David Neto.

Uma atividade que dá frutos e é reconhecida
A juventude procura mais a pintura e o desenho, mas todas as artes têm interessados. “O nosso trabalho dá frutos e é reconhecido. No mês passado tivemos cinco mil visualizações no Google e até pessoas de fora vêm cá deixar os filhos durante as férias”, argumenta Rita, lamentando que a aposta, a este nível, seja tão escassa. “Lá fora existem muitos espaços como este. Se somos uma cidade turística, temos também de investir nisto, até porque somos um local pobre a nível cultural. Vivo cá há 48 anos e acho que o Páteo tem o propósito de ajudar a preencher essa lacuna”. 

Rita e as restantes formadoras trabalham a recibos verdes e cada uma trata da sua carteira de alunos. Quanto a apoios, graceja, só da senhoria, porque a Câmara nunca ajudou. “Fiz uma entrevista com vereadoras, por videoconferência, no período da pandemia, e aquilo que me foi dito é que tinha de abrir uma associação. Não vou abrir só por abrir, tenho de pensar se é viável e se vale a pena”.

Sobre o apoio de dois mil euros do município a quem trabalhava por conta própria, mais um lamento. “Para beneficiar desse apoio, como se sabe, tinha de haver uma quebra de rendimento de 40 por cento. Ora se eu só tinha um ano de Páteo e, obviamente, nenhum de comparação, não tive direito a nada”.

O espaço do Páteo é alugado e o contrato é renovável todos os anos. “A senhoria valoriza muito o meu trabalho e é uma grande amiga”, regozija-se a professora. As salas de aulas de hoje começaram por ser garagens, foram armazéns, houve inundações e uma requalificação que não vingou à primeira. “Mesmo assim, estava tudo em bom estado, com este espaço verde e aquela figueira (aponta para a árvore, frondosa, no exterior, e debaixo da qual também decorrem aulas), fiquei apaixonada e nada me demoveu”.

A criatividade está sempre na frente
Rita Ricardo vinca que “o Páteo funciona há cinco anos e tem muito para desenvolver”. Adepta do que faz e promove, gostava que Portimão “crescesse a nível cultural, com espaços verdes para as crianças, a arte, a cultura, o ter também gosto pela vida, pela natureza, pelo amor ao próximo, nesta infinita quantidade de coisas que se desenvolve com a arte”.

Prosseguindo neste hino às artes, Rita defende que “a criatividade está em todas as áreas de estudo sempre como número um” e que “os portimonenses têm capacidade para sair da caixa”. Depois, numa ‘incursão’ pelo centro da cidade, confessa que lhe “custa passar pela ‘Rua das Lojas’” e fala de um projeto, de sua autoria, que se propõe apresentar, para reestruturar aquele espaço. 

“O ideal seria as crianças poderem ocupar essa rua, tão triste e vazia de alma. Podíamos pintar nas ruas, ouvir e tocar música, e tudo sem gastos. Saímos de Portimão e vemos cultura, como em Lagos, onde se dança tango na rua. Em Lagoa também há iniciativas deste tipo, mas nós, portimonenses, parece que estamos sufocados”. Rita não tem medo das palavras e compreende “a revolta e descontentamento de alguns residentes, o que me deixa triste”. Ainda segundo ela, “aqui quase só temos universidades para turismo e os algarvios não sabem só servir à mesa”.

Porém, não são estes casos que a fazem desanimar. A curto prazo, Rita promete abrir mentalidades. “Sou uma artista plástica, mas sou igualmente uma ativista, uma observadora, que critica, fala e escreve. A caminho dos 50 anos não sou uma ‘yes man’, não quero amarras e quero ser livre”, atira, com o mesmo sorriso aberto com que, minutos antes, se despedira dos seus meninos após mais uma manhã de aulas.

Este espaço na Mouzinho Albuquerque é para continuar e para crescer, tal não é a determinação da sua mentora.

Projeto para bebés é o próximo passo  

“Vamos desenvolver um projeto para bebés, correspondendo até a um pedido frequente feito pelos pais”, sustenta Rita Ricardo, aludindo aos próximos passos. “Tudo o que é sensorial, como caixas de luz, de areia”, vão estar na enorme montra que é o Páteo d’Artes. “A Francisca (uma das formadoras) esteve lá fora e viu coisas incríveis neste campo. Os pais podem reservar à hora, enfim, há muita coisa para explorar, mas este é um passo que seguramente queremos dar”. Rita lembra que a sua equipa já trabalha com algumas crianças de três anos, por exemplo no barro e na argila, e agora é altura de avançar com outras ideias. “Temos também adultos, que não esquecemos, e, entre eles, destaco um grupo de senhoras francesas, residentes na cidade, que vêm às quartas-feiras. Muitas são autodidatas e eu é que tenho aprendido com uma delas, que teve formação com grandes mestres”. Enquanto um adulto desenha por norma aquilo que gosta, “as crianças não estão formatadas e nós aconselhamos”, compara. De resto, o que interessa é fazer arte, tal como os portugueses que abdicam de algumas horas ao fim de semana para dar asas à criatividade.

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