Polémica com vinhos pode chegar aos tribunais
Câmara de Lagoa entrega assunto ao seu gabinete jurídico, acusando Comissão Vitivinícola de “apropriação” indevida do concurso Vinhos do Algarve. Isto depois de esta entidade ter classificado como “utilização abusiva e unilateral do título Lagoa Capital dos Vinhos do Algarve” e cancelado parcerias com a autarquia.
José Manuel Oliveira
Em comunicado, a Comissão Vitivinícola do Algarve (CVA) repudiou aquilo que considera “utilização abusiva e unilateral do título ‘Lagoa Capital dos Vinhos do Algarve’ pelo Município, anunciando que desde já “cancela todas e quaisquer parcerias estabelecidas” com o executivo autárquico lagoense.
“A Comissão Vitivinícola do Algarve, formalmente constituída em 1991, tem como missão prioritária defender os interesses dos seus associados e produtores de vinho. Com uma estrutura muito pequena e um orçamento muito limitado, gerido com rigor espartano, temos também a responsabilidade de certificar todo o vinho produzido no Algarve (desde o controlo do cadastro vitícola, passando controlo da qualidade dos produtos vínicos – análises físico-químicas e organoléticas, terminando com o processo de rotulagem) e ainda a promoção do vinho algarvio. Nesse sentido, criámos e procedemos ao registo no INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial, a marca Vinhos do Algarve (2010) e estabelecemos parcerias com todas as instituições, empresas e demais parceiros que pelas mais variadíssimas razões têm interesses nesta área”, refere o documento enviado aos órgãos de comunicação social.
E acrescenta: “Mais recentemente, o executivo da Câmara Municipal de Lagoa mostrou interesse em dinamizar a promoção dos vinhos produzidos no seu município. Desde a primeira hora que a CVA se mostrou disponível, colaborante e agradecida pela criação de eventos relacionados com os Vinhos do Algarve em geral, e com os de Lagoa em particular, nunca deixando de dizer sim a tudo o que nos foi proposto. As relações institucionais nem sempre são fáceis e por vezes há necessidade de flexibilizar os interesses de modo a convergir para o interesse comum. É nesse pressuposto que esta direção da CVA tem norteado a sua conduta nas relações institucionais.”
“FALSA IMAGEM DO CONCELHO DE LAGOA”
Por isso, lamenta agora aquele organismo regional, “a CVA manifesta a sua maior discordância pela proclamação unilateral do título ‘Lagoa Capital dos Vinhos do Algarve’, não só por colidir com a marca “Vinhos do Algarve”, que funciona como sinal de comunicação e suporte da promoção e da publicidade da CVA, como ainda transmitir uma falsa imagem de domínio/predominância do concelho de Lagoa, sobre a produção vínica da região do Algarve.
A Comissão Vitivinícola do Algarve não se revê no título ‘Lagoa Capital dos Vinhos do Algarve’, proclamado unilateralmente pelo executivo do Município de Lagoa, sem nos consultar como seria imperativo em bom nome das relações ente instituições.”
Depois de manifestar o “maior respeito por todos os municípios e produtores da região” e dando prosseguimento à deliberação do conselho geral da CVA, o comunicado salienta: “propomos que o título de ‘Capital dos Vinhos do Algarve’ seja atribuído rotativamente a todos os concelhos do Algarve com produção vínica, simultaneamente com a realização nesse concelho do Concurso de Vinhos do Algarve.”
RECLAMAÇÃO AO INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL
“No sentido de ultrapassar a situação criada, o conselho geral propôs que o arranque da iniciativa em 2017 seria com ‘Lagoa Capital dos Vinhos do Algarve’ em parceria com a CVA. Tentámos por via do diálogo institucional demover o executivo da Câmara Municipal de Lagoa do uso abusivo da nossa marca ‘Vinhos do Algarve’, mas a resposta não satisfez as pretensões legítimas da CVA. Não obstando o reconhecimento pelo importante papel que o Município de Lagoa tem vindo a desenvolver nos últimos dois anos em prol da promoção dos ‘Vinhos do Algarve’, vimo-nos obrigados a, e após deliberação do conselho geral da CVA, apresentar uma reclamação junto do INPI, no sentido da reprovação do registo do referido logotipo, assim como também decidido cancelar todas as parcerias e eventos programados com o Município de Lagoa. Pretendemos desta forma assumir as nossas responsabilidades e compromissos em promover a imagem dos ‘Vinhos do Algarve’ de uma forma isenta e imparcial, contribuindo para a divulgação da diferenciação, qualidade e notoriedade dos vinhos produzidos na Região Vitivinícola do Algarve”, conclui o texto do comunicado.
FRANCISCO MARTINS: “HÁ CAPITAIS DE TUDO E MAIS ALGUMA COISA…”
Na sessão da Assembleia Municipal de Lagoa, realizada a 12 de abril, durante o período antes da ordem do dia o deputado do Bloco de Esquerda David Roque perguntou qual é a posição da Câmara, tendo manifestado a sua “perplexidade” pelo “tom do comunicado estranho e abusivo para com o Município de Lagoa” e “até intimidador e ameaçador”. E recordou que, por exemplo, que “Paços de Ferreira é considerada a ‘capital do móvel’ e Monchique ‘a capital do presunto’ sem qualquer problema”. Na resposta, o presidente do executivo, Francisco Martins, após “subscrever as palavras” de David Roque, disse: “Não há problema nenhum. Há capitais de tudo e mais alguma coisa… Tem a ver com o empenho de cada um. Há a capital da batata-doce, que é Aljezur, e Silves é a capital da laranja… e há laranjas por todo o lado.”
Já sobre as acusações da Comissão Vitivinícola do Algarve, Francisco Martins não se mostrou preocupado. “É com eles…”, observou, preferindo destacar a “notoriedade” de Lagoa ao nível dos vinhos.
Por seu turno, o deputado municipal do PSD Cesário Belém, líder da bancada deste partido, referindo-se ao concurso de vinhos do Algarve, em Lagoa, que estava marcado para 9 de abril, questionou se “houve, ou não, cancelamento” do certame e “de quem era” a iniciativa. Ao mesmo tempo, interrogou o que fez a edilidade para “derimir este conflito intelectual”, numa alusão à designação de capital do vinho e o seu registo. Quanto ao líder da bancada socialista, Luís Alberto, presidente da Junta de Freguesia de Ferragudo, lembrou que há capitais por todo o país a vários níveis “e ninguém reclamou.”
CASO EM ANÁLISE
Ao voltar à carga, Francisco Martins apontou o dedo à CVA, acusando-a de se ter “apropriado indevidamente” da edição de 2017 do Concurso de Vinhos do Algarve, que se encontrava prevista para Lagoa. Nesta sessão da Assembleia Municipal, foi ainda frisado pelo deputado Luís Alberto que pertenceu ao Município há anos a autoria desta iniciativa, na Fatacil, tendo contado com a Direção Regional de Agricultura do Algarve como parceira. E só anos depois é que a CVA acabou também por se envolver no certame.
O caso está entregue ao gabinete jurídico da autarquia.