Portimonense ‘Môce dum Cabréste’ é o humorista que ama a sua terra
Texto e foto: José Garrancho
Dário Guerreiro, como a maioria dos grandes comediantes, é uma pessoa extremamente séria, quando se encontra fora do palco. Deixa passar a sensação de que está sempre atento, à procura de algo novo e interessante ao seu redor. Talvez por isso, também é poeta, com três livros publicados, embora a maioria dos seus fãs desconheça esta faceta.
Em conversa com o Portimão Jornal contou que é alguém que nasceu em Portimão, na classe média-baixa, filho de funcionários públicos. Mas cresceu e fez-se homem no Parchal, no concelho de Lagoa, onde captou e armazenou tudo o que havia ao seu redor para formar a sua personalidade.
“Sou um gajo simples que começou a fazer uns vídeos para a Internet, com uns amigos. A brincadeira foi-se tornando mais séria, à medida que as pessoas os iam vendo e fazendo comentários e acreditavam que aquilo tinha interesse. Hoje, sou comediante de profissão, mas nunca foi nada premeditado, nem uma ambição. Aconteceu”, descreve.
Dário Guerreiro tinha 16 anos, em 2005, quando apareceu o Youtube, um servidor que permitia alojar os vídeos que as pessoas não tinham onde publicar. Juntou-se a três amigos e começaram a fazer vídeos humorísticos para brincar, com uma câmara rudimentar, atividade que durou de 2006 a 2010. Nesse momento, a ida para a universidade, em locais diferentes, tornou as sessões cada vez mais difíceis e deu-se uma mudança.
“Em 2010, decidi criar o meu próprio canal, motivado por muitos jovens que já o faziam, nos Estados Unidos da América, como profissão, ganhando dinheiro com os vídeos. A regularidade e frequência com que o faziam levaram-me a pensar que também seria capaz, uma vez que não tinha de depender da disponibilidade dos meus amigos e porque tinha adquirido know-how ao longo de quatro anos de experiência”, recorda o humorista também conhecido por ‘Môce dum Cabréste’.
Tinha ideias, começou a fazer os vídeos, mas o dinheiro era escasso e teve de ir trabalhar numa loja.
Tornei-me comediante por acaso
Tirou um curso profissional de cozinha, na Escola Hoteleira, e depois, ciências documentais e editoriais, na Universidade do Algarve, mas nunca trabalhou nessas áreas. Ao Portimão Jornal conta como tudo começou.
“Estava a trabalhar numa loja de uma superfície comercial, quando alguém do Teatro Municipal de Portimão me convidou para fazer uma sessão de stand-up. Respondi que não sabia fazer stand-up e essa pessoa disse que me pagava 200 euros. E eu disse: ‘então, vou!’”, revela.
O comediante compilou algumas das suas piadas e atuou no Café-Concerto do Teatro, sem saber bem o que ia fazer, conforme confidencia. “Aquilo não correu mal”, atesta. “Devia ter durado 50 minutos e fiz hora e meia. A malta não se foi embora, bateram palmas no final e eu acreditei que podia ter ali qualquer coisa com interesse. E foi assim que começou”, resume.
Fazer o difícil parecer fácil
Segundo Dário Guerreiro, a arte da comédia e do stand-up é transmitir ao público a sensação de que aquilo que está a fazer é fácil.
“Por cada hora de espetáculo que apresento, deito fora quatro ou cinco de trabalho. Mas dou o paralelismo com os músicos. O músico compõe a canção em casa, ensaia-a sozinho, exaustivamente. A primeira vez que a apresenta ao público, está imaculada. Na comédia, não é assim”, afirma.
“Escrevo as piadas e, na minha cabeça, aquilo é muito engraçado. Mas é necessário que o público, através das gargalhadas, legitime os meus pensamentos e os meus raciocínios. E, muitas vezes, o que idealizei como muito engraçado não se materializa em palco e as pessoas não acham piada. E o oposto também acontece”, justifica.
O ‘Môce dum Cabréste’ encontra-se em digressão nacional com um espetáculo de hora e meia. Confidenciou, porém, ao Portimão Jornal que “para um espetáculo destes”, necessita de ir, “por vezes, a locais mais pequenos, com público reduzido, entre as 50 e as 80 pessoas, para experimentar o texto e tirar ilações, retirando o que não teve impacto no público. E isto é feito 10, 20, 40 vezes, até que esteja convencido” de que tem “hora e meia com qualidade”, assegura. “Então, vou para o palco. E, mesmo assim, chego por vezes à conclusão de que todo o trabalho que tivemos não funcionou como desejado, porque os públicos são diferentes”, acrescenta.
O comediante explica ainda que, num bar, tem de arrancar duas ou três gargalhadas por minuto, algo que não acontece num teatro. “No palco, podemos dar-nos ao luxo de navegar as expetativas das pessoas. Mas é gratificante, quando chegamos ao final e vimos que tudo correu bem”, admite.
O início de um novo guião
Dário Guerreiro revela ainda como decide o começo de um novo guião. Ou seja, se vai basear-se mais na piada brejeira e no português vernáculo, o modo mais fácil de fazer rir as assistências, ou na crítica social mais séria, que também utiliza muito e bem, segundo atesta o público.
“Essas duas coisas são uma coisa só. Quando escrevo, nunca decido que tipo de ‘show’ vou fazer. O raciocínio nunca passa por aí. Nunca é tão consciente. A minha comédia bifurca-se naturalmente de duas formas diferentes, entre coisas mais eruditas e outras mais brejeiras e vernaculares. Ou tenho algo para dizer, ou o objetivo vai ser só divertir, sem pensar muito. Mesmo quando faço crítica social, tenho de fazer rir as pessoas. Tem de haver humor, mas está lá uma mensagem. Por exemplo, os jovens têm dificuldade em arranjar casa. Tenho de tirar esse peso do meu peito, mas dizê-lo às pessoas de forma humorística”, diz.
Para o artista o ideal é que, no final, as pessoas tenham recebido a mensagem, sem se aperceberem desse facto. “E, às vezes, é preciso encher outros dez minutos com um tipo de comédia de que gosto muito e que as pessoas merecem, que é o puro divertimento, sem pensar em questões sociais. É uma espécie de autoclismo mental e considero que esse género também é importante”, argumenta.
Em Portugal, o Youtube só serve para promoção
“Ganha-se algum dinheiro, mas nem vale a pena pensar nisso. Ou conseguimos ter uma audiência de 100 a 150 mil visualizações mensais para ir buscar dinheiro que se veja, ou então… No meu caso, faço apenas um vídeo por mês, em casa, sozinho. Escrevo, gravo, edito, faço tudo. Logo, as audiências são pequenas, entre 30 e 50 mil. Não dá para viver, porque não consigo o número de anúncios e visualizações que compensem, uma vez que é em função destas que o Youtube paga. Mas foi através deles, e da audiência robusta que consegui captar, que me tornei conhecido e comecei a carreira de comediante, razão pela qual não deixo de os fazer e publicar”, esclarece.
Embora levando os seus espetáculos a todo o país, garante que não quer sair de Portimão, porque não quer ser igual aos outros.
“Se for para Lisboa, começo a apanhar os conceitos e as tendências de lá, os problemas que lá se vivem, e isso vai contaminar o meu humor. Logo, quero continuar aqui, para continuar a ter a perspetiva de um algarvio. Enquanto continuar a vender bilhetes, o meu grande suporte financeiro, fico-me por Portimão. E não se vendem bilhetes todos os dias. Agora, estou em digressão pelos palcos e tenho de amealhar, porque depois vou ficar ano e meio parado, a escrever o próximo espetáculo”, conta.
Fazer uma apresentação como esta até parece fácil, mas o humorista afirma que o seu primeiro ‘show’, o ‘Lendário’, com menos de hora e meia de duração, levou cinco anos a fazer.
“Foi o primeiro e, por isso, o mais difícil. O segundo levou dois anos e meio e o atual ‘apenas’ ano e meio. O importante é que a ‘máquina continue oleada’ para levar o mínimo de tempo possível. Quanto mais tempo fico parado, menos ganho”, diz.
Dário Guerreiro vive somente da comédia, mas alerta que o importante “são as expetativas de sucesso que cada um tem e o que considera suficiente. Felizmente, sou uma pessoa que não necessita de muito para viver. Tenho a certeza de que, se tivesse tido uma educação um bocadinho mais rica, se tivesse nascido num ambiente um pouco mais afortunado, diria que só conseguia viver se estivesse em Lisboa. Possivelmente, teria um estilo de vida um bocadinho mais difícil de financiar. Mas, como sou uma pessoa sem grandes luxos, para quem é suficiente ter comida na mesa e um teto em cima, consigo viver com uma boa margem, tanto mais que partilho as despesas com a minha companheira”, refere.
Não tem dúvidas, ainda assim, que se tivesse ido para Lisboa, conseguia dar uma escala diferente à sua carreira. “Abdicava de uma arte mais genuína e sacrificava o meu bem-estar e a minha vida aqui, em prol de uma vida mais folgada. Provavelmente, teria tido a oportunidade de fazer televisões e rádios nacionais, até porque surgiram convites nesse sentido, no início. Fui sempre declinando, por não os achar vantajosos ou interessantes, e a malta de Lisboa já sabe que não vale a pena convidar-me, a não ser que vá ganhar o mesmo que a Cristina Ferreira. E duvido que alguém me faça uma proposta dessas”, brinca.
É por esta razão que assegura que só sai “do Algarve para voltar rico”. “Como ninguém me vai propor isso, não me posso queixar. Consigo fazer rir as pessoas, faço o que gosto, sei que é uma profissão privilegiada. Apesar de dar muito trabalho, sei que há muitas pessoas que se sacrificam e fazem coisas muito mais difíceis e agrestes, para conseguirem levar para casa menos do que eu. A minha profissão dá para viver com dignidade, mas não dá para grandes luxos. O meu carro é exemplo disso, é do século passado, mas só me vou desfazer dele, quando deixar de me levar de um lado para o outro”, afirma.
Continuar a evoluir e a fazer rir
Sobre o futuro, Dário é pragmático. “Sei que, de hoje para amanhã, me podem tirar tudo o que tenho. Por isso, sou muito calculista a abordar o futuro. A minha estratégia consiste em tentar seguir a título individual, continuar a fazer rir as pessoas, evoluir. O resto há de vir. Tenho de me ir atualizando, não posso parar, mas não faço previsões”, justifica. O humorista tem consciência de que é mais fácil deixar de ter pessoas que gostem de o ver, do que se tornar, “de repente, um novo Herman José”, argumenta. Dário Guerreiro sabe que a probabilidade de voltar à estaca zero é grande, por isso assenta bem os pés no chão, sem fazer uma vida que não sabe se pode continuar a ter no futuro. “Estou sempre disponível para, se amanhã perder a minha casa, voltar para a casa da minha mãe. No entanto o meu objetivo é continuar a escrever novos espetáculos, a fazer vídeos para a malta curtir, continuar no Algarve a fazer uma vida tranquila. Já aconteceu fazer planos para o futuro e as expetativas saírem goradas. E essa é a causa das maiores amarguras que as pessoas sofrem. Às vezes, a vida nem correu mal, mas as expetativas eram muito ambiciosas e não conseguimos lá chegar. E eu não caio nessa, para não ter grandes desilusões. Enquanto for vivo, trabalho para fazer rir as pessoas. Quando morrer, alguém dirá o que fui”, conclui.