Professor Carlos Café: “Juventude atual não é geração perdida”
Texto e foto: Jorge Eusébio, in Portimão Jornal nº45
Ao fim de cerca de três décadas como professor, Carlos Café ainda mantém viva a paixão pelo ensino e continua a procurar novas formas de incentivar os seus alunos a aprender, a interrogar-se, a expressar-se e até a colocar em causa aquilo que lhes é ensinado.
Algumas das mais recentes iniciativas levadas a cabo nas suas turmas foram a elaboração de uma petição de homenagem à figura e à obra do arquiteto paisagista Gonçalo Ribeiro Telles e a construção, na Escola Manuel Teixeira Gomes, de um espaço (‘Our Speakers Corner’) que simboliza o livre pensamento e estimula a liberdade de expressão.
No primeiro caso, há muito que o documento ultrapassou as assinaturas necessárias para ser obrigatoriamente discutido no Parlamento, e “só estamos à espera que os novos deputados tomem posse para lhes entregar a petição, para que seja discutida e votada”, diz Carlos Café.
Quanto ao ‘Our Speakers Corner’, na sua curta existência tem vindo a cumprir a função para a qual foi criada, ”tendo, por exemplo, sido o espaço escolhido pelos candidatos à associação de estudantes para fazerem os seus comícios e onde alguns alunos vão fazer pequenas atuações musicais”.
Mas, há mais projetos na manga. Por exemplo, alguns alunos apresentaram uma proposta que, na opinião do professor, deve ser tida em conta aquando da realização de “uma profunda intervenção de requalificação de que há muito a Escola Manuel Teixeira Gomes necessita”.
Trata-se da “construção, aproveitando os declives existentes nos espaços exteriores, de um pequeno anfiteatro ao ar livre, como os gregos faziam, onde poderão realizar-se as mais diversas iniciativas de cariz cultural e artístico”. Há, ainda, a ideia de que seja ladeado por esculturas que serão também criadas por alunos.
Juventude ativa
Carlos Café contesta a ideia, por vezes muito divulgada por adultos, de que os jovens de hoje não têm grande interesse ou disponibilidade para temas realmente importantes para a sociedade, que são, no fundo, uma geração ‘perdida’.
A já longa experiência que leva como professor diz-lhe que isso não corresponde à realidade. De uma forma geral, os alunos “interessam-se por causas relevantes, pela intervenção cívica e até política e são muito ativos”.
É claro que, tal como acontece em todas as gerações, “há jovens mais empenhados do que outros”, mas mostra-se muito agradado pela forma como os seus alunos encaram a vida e o futuro.
O docente tem verificado que, desde que lhes sejam dadas voz e motivação, acabam por mostrar o seu valor e por responder positivamente aos desafios.
E é isso que procura que aconteça nas suas aulas. Uma das ‘técnicas’ que usa é oferecer aos estudantes a possibilidade de “escolherem um tema qualquer, desde que tenha minimamente a ver com a filosofia, e elaborarem um projeto pessoal, usando o formato que muito bem entenderem, seja através da escrita, do vídeo, do som, da banda desenhada, da performance ou da curta-metragem”.
E o melhor de tudo é que as atuais regras de ensino permitem que estes trabalhos, que antigamente apenas eram feitos como atividades extra-curriculares, contem para a nota final, valendo o máximo de dois pontos, na escala de zero a 20.
Por vezes, há até a possibilidade de abarcarem temáticas que envolvem duas ou mais disciplinas, permitindo, assim, abordagens multidisciplinares.
Exames nacionais causam grande pressão
Carlos Café considera que o ensino secundário “é extremamente marcado pelos exames nacionais, em muitos casos, a preparação começa logo no 10º ano”. Isso coloca uma “grande pressão” desde logo sobre os alunos, mas também nos professores e pais, o que tem alguns aspetos positivos mas também negativos.
O peso que têm as notas que resultam de exames escritos leva a que, para conseguirem boa média final, ”os alunos quase tenham de ser especialistas em resolver testes”. Este é um modelo que acaba por deixar para segundo plano a avaliação do restante trabalho desenvolvido ao longo do ano, que pode até ser bem mais relevante do que as respostas dadas, por escrito, ao longo de uma hora ou duas.
“Os programas curriculares demasiado extensos” são outro aspeto que contribui para uma grande pressão, o que leva a que os alunos tenham que utilizar a maior parte do seu tempo a memorizar matéria, em detrimento da tarefa de procurar compreendê-la e analisá-la com alguma profundidade.
A escolha de Portimão
Embora tenha nascido em Évora, há 60 anos, Carlos Café nunca viveu nessa cidade alentejana, tendo passado a sua infância e juventude em Tondela, onde fez os estudos básicos e secundários.
Formou-se no Porto e, na hora de escolher uma profissão, optou pela docência. Desde logo, por uma questão de vocação, mas também “porque não havia assim tantas saídas profissionais para alguém formado em Filosofia”.
Nos primeiros três anos passou por escolas da Guarda e Pinhel, mas como havia mais vagas no sul do país do que nessa zona, acabou por vir parar ao Algarve. Curiosamente, nesta região, “a primeira escola em que dei aulas foi a Teixeira Gomes, em Portimão”, onde acabou por se fixar, ao tornar-se efetivo.
Pelo meio, ainda passou por Vila Real de Santo António e Faro, mas “a cidade de que mais gostei foi Portimão”, o que o levou a, na hora da escolha, não ter dúvidas em aí se instalar.
Por si passaram várias gerações de alunos e, no essencial, não considera que haja grandes diferenças entre elas.
Mas, com a evolução da tecnologia, também os gostos da sociedade foram mudando e, hoje em dia, nota que os jovens “têm um conjunto de capacidades e de perícias diferentes das que eu tinha quando era aluno, sobretudo nas novas tecnologias, em que são especialistas”.
São, também, mais conscientes em relação a temáticas como o ambiente e as causas sociais e solidários. Por exemplo, um dos projetos pessoais que alunas suas estão a fazer é a tradução de uma série de textos que o professor lhes faculta para outras línguas, nomeadamente ucraniano e inglês.
O objetivo é que esse pequeno ‘livro’ funcione como uma espécie de introdução a novos alunos que falem essas línguas à matéria que está a ser dada, de forma a sentirem-se menos ‘perdidos’ no novo ambiente que passam a frequentar.
Outra das diferenças que nota nesta nova geração é exatamente a grande capacidade de adaptação que mostram relativamente a outras línguas e culturas. Inclusivamente, muitos jovens “colocam a possibilidade de, durante um período, trabalharem e viverem noutros países, o que não era tão comum há alguns anos”.
Desvalorização dos professores
Carlos Café considera que a classe dos professores tem vindo a ser muito desvalorizada, o que tem como consequência que “esteja envelhecida, pois, atualmente, são poucos os jovens que, uma vez formados, querem vir para esta profissão”.
Na base desta decisão estão questões financeiras e de carreira, mas para ela, provavelmente, também deve pesar o facto de se tratar de “uma profissão muito desgastante”.
No seu caso, não se queixa particularmente, considera que os seus colegas do ensino básico têm mais problemas a ultrapassar, por ‘apanharem’ alunos de faixas etárias que precisam de um maior apoio e encaminhamento.
E, como se os problemas habituais não fossem ‘suficientes’, ao longo dos últimos dois anos, a pandemia trouxe desafios inéditos ao universo escolar.
O sistema teve de encontrar novas formas de ensinar e professores, alunos e pais precisaram de, muito rapidamente, se adaptarem à nova realidade, que “criou muitas situações de ansiedade e pânico entre as crianças e jovens, tendo, ao que sei, aumentado bastante, as consultas de psicologia”.
Ainda assim, contra ventos e marés, Carlos Café continua a adorar a profissão e a procurar, todos os dias, formas de ultrapassar problemas e de fazer chegar a sua mensagem a alunos que são todos diferentes uns dos outros, o que o obriga a utilizar abordagens diferenciadas.
Contudo, não entraria em depressão se tivesse de deixar de ser professor, pois apesar de sentir-se bem nessa ‘pele’, “não tenho dificuldade em ver-me a fazer outras coisas ligadas à criatividade, às artes e ao conhecimento”.
Com um pé na política
Para além do ensino, Carlos Café também está ligado à política, enquanto elemento da bancada socialista na Assembleia Municipal, na qual, há vários anos, ocupa o lugar de 1º secretário da Mesa. Trata-se de uma atividade de que “gosto muito, tem a ver com as minhas caraterísticas, com a minha apetência pelo debate de ideias e pela discussão, é uma função na qual sinto ter alguma utilidade”. Está, pois, a este nível, no sítio certo, não sendo sua ambição um dia ‘saltar’ para um cargo executivo na Câmara, pois não lhe parece que aí pudesse ser mais feliz e dar um melhor contributo do que aquele que dá na Assembleia. Há mais de década e meia que está com um pé na política, mas mantendo low-profile, sendo rara a sessão da assembleia em que se envolve nas discussões, por vezes, muito acaloradas que aí acontecem. A única altura em que teve uma posição mais interveniente foi nos bastidores do PS, fazendo parte de um grupo de elementos que entenderam “ser importante encontrar uma alternativa a Luís Carito, como presidente da concelhia”. Esse movimento teve sucesso, tendo contribuído para colocar Castelão Rodrigues no lugar de topo dessa estrutura e, posteriormente, para a escolha de Isilda Gomes como candidata à presidência da Câmara de Portimão.