Salicórnia fresca e sal verde com o carimbo de Portimão
Hélio Nascimento
Sabe o que é a salicórnia? O nome ainda é, certamente, desconhecido de muito boa gente, mas ganha cada vez mais terreno e começa já a ser encarada como uma fonte de riqueza no plano da alimentação.
Trata-se de uma planta halófita, assim chamada porque consegue crescer com água salgada e que, normalmente, absorve os sais minerais que estão na terra onde cresce. A salicórnia tem folhas verdes, em forma de escama e é ligeiramente parecida com o espargo, podendo ser consumida em fresco ou cozinhada – em saladas ou outros pratos – e ainda desidratada ou triturada para temperar alimentos.
“Há muitas plantas halófitas, mas esta é das mais interessantes, do ponto de vista agroalimentar, também do ponto de vista gourmet, dos nutrientes e minerais, da proteína e até da vitamina C. É quase um superalimento”, conta Hugo Mariano, o entusiasta produtor que há cerca de seis anos meteu mãos à obra, com o amigo e sócio Ricardo Coelho.
O Portimão Jornal foi recebido na Figueira, na freguesia da Mexilhoeira Grande, no terreno onde a salicórnia cresce. “Não é um fenómeno recente, mas agora fala-se muito mais. É dirigida, sobretudo, ao mercado gourmet, aqui e em quase toda a Europa, mas em França existe há muito tempo e, na zona da Bretanha, nos mercados, é comum ver bancadas de peixe e salicórnia fresca ao lado”, prossegue Hugo Mariano, acrescentando um dado histórico de todo singular – a planta, seca, fazia parte da bagagem dos nossos marinheiros em plena época dos Descobrimentos, porque tem vitamina C e o seu consumo evitava o escorbuto.
O sal da vida
“Tudo começou com uma conversa que tivemos no café, por sinal no da ‘Casa Inglesa’. Andava à procurava de alimentos ricos e diferentes, porque a minha mulher teve cancro e queria alterar a dieta. O Ricardo é biólogo na área da gestão costeira e ambos conhecíamos a salicórnia, mas não sabíamos muito sobre o assunto. Estudámos o tema e vimos os mercados, que é das primeiras coisas que se deve fazer quando se abre um negócio”, sublinha. O passo seguinte? “Fomos ver quem consome isto”.
Hugo Mariano e Ricardo Coelho criaram então a ‘Salivitae’, que quer dizer sal da vida, em latim. O objetivo passava pela exportação, pelo que foram a França e à Holanda, hoje Países Baixos, falar com potenciais clientes, que depois vieram a sê-lo, e viram que a ideia tinha pernas para andar. Na circunstância, “concorremos ao fundo da União Europeia, quando abriu o Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2020”, ainda no ano de 2016.
Hugo é natural de Faro e Ricardo de Setúbal, mas foi em Portimão, há longos anos, que assentaram as suas vidas. Mas não vivem só da salicórnia. “Ou se tem uma dimensão já grande, ou, então, é difícil ter apenas este trabalho e este rendimento. Dou aulas na Escola Secundária Poeta António Aleixo, de português, ao 10º, 11º e 12º anos. Para além da área da comunicação, fiz pós-graduação em gestão sustentável de espaços rurais. O Ricardo continua a trabalhar como consultor e temos esta ambivalência. A médio prazo acreditamos que possamos viver só disto”.
Uma estufa de 4 500 m2
A exploração está a desenvolver-se, se bem que a pandemia, naturalmente, foi complicada para todos. “Alguns setores da agricultura até cresceram, mas o nosso não, porque é mais virado para o gourmet e muitos restaurantes estiveram fechados”. Agora, as previsões apontam para que “este ano seja bem melhor”.
A ‘Salivitae” tem escritório em Portimão e a exploração na Figueira, incluindo um armazém com máquinas de rega, onde decorre todo o processo de embalamento da salicórnia, vinda da estufa, que é contígua a este espaço e tem uma área de 4 500 metros quadrados.
“Porquê a estufa? A salicórnia também se dá ao ar livre, mas só durante três meses e o mercado lá fora quer para todo o ano. Durante apenas três meses é mais fácil e há vários fornecedores. O principal exportador é Israel, nós temos três explorações em Portugal, e aqui ao lado, em Espanha, nenhuma de dimensão que se note. Em França há um grande produtor”, enumera Hugo Mariano, explícito nos comentários e observações.
“O nosso clima é o ideal, e, também por isso, achamos que esta aposta faz todo o sentido. A estufa, note-se, não é pelo calor, embora a planta goste de temperaturas a rondar os 24, 25 graus, mas é importante porque mantém o ambiente e temos iluminação. A salicórnia responde muito à iluminação, caso contrário começa a florir e depois seca”, explica o também professor, acrescentando que a atividade decorre na Figueira “porque aqui conhecíamos as pessoas que nos arrendaram o terreno”.
Primeiro estranha-se e depois entranha-se
Os produtores portimonenses têm agora semeada toda a área da estufa. “A salicórnia, lá para abril, está no seu expoente máximo e pronta para cortar. Fazemos dois ciclos por ano e cada planta leva três a quatro cortes. Aqui, como pode ver, estão algumas já cortadas. A planta é assim, parece um espargo e pode ser comida diretamente”, diz Hugo Mariano.
“Temos produção certificada biológica”, adianta, como que a tranquilizar. Já na boca, denota-se de imediato o sabor a sal, que, no entanto, desaparece gradualmente à medida que prosseguimos a ‘degustação’. Ou seja, primeiro estranha-se e depois entranha-se…
Por enquanto, a salicórnia é mais utilizada em comida gourmet e em especial nas saladas.
“Por cá somos um bocado conservadores, do tipo ‘é tão estranho’, e, por isso, é o mercado gourmet que aproveita. Quando uma marca grande apostar a sério, comercializando numa grande superfície, a salicórnia vai disparar”, assegura o nosso anfitrião, apontando então para as lâmpadas de infravermelhos, que ajudam o crescimento da planta, compensando a falta de luz nos meses em que há menos sol. “Estão ligadas duas horas, logo de manhã, e outras duas horas ao fim da tarde”.
O investimento feito no projeto, incluindo os painéis solares colocados nas proximidades, orçou os 250 mil euros. “Tivemos o apoio do PDR em quase 50 por cento, uma verba à volta de 110 mil euros, o resto foram capitais próprios. Não é a galinha dos ovos de ouro, até porque há mais halófitas e pessoas que também trabalham nisso, quiçá para colmatar os reflexos das alterações climáticas, pelo que, na nossa visão, é uma solução de futuro”.
Sal verde já ganha prémios
A ‘Salivitae’ vai, pois, dando passos em frente, com natural destaque para um produto que tem agora cerca de um ano e já ganhou dois prémios: o sal verde.
Em traços largos, a salicórnia é desidratada, moída “e fazemos algo brutal, que pode ser utilizado como sal normal e tem muito menos sódio, corta cerca de 80 por cento do sódio, ou seja, nada de problemas cardiovasculares, que é o grande problema do excesso do sal”, elucida Hugo Mariano, mostrando o produto final, em carteirinhas metidas num pequeno frasco.
A exportação é o grosso do negócio dos empreendedores de Portimão, representando já 90 por cento do volume de vendas. “A salicórnia tem em média 20% do sódio e este sal verde comporta manganésio, magnésio, fósforo, ferro, cálcio, fibra alimentar, vitamina C, enfim, é uma espécie de super sal. Na Europa, só nós o fazemos, e depois, creio, também há no México ou Estados Unidos”.
A descoberta deste produto inovador resultou de uma experiência, no Verão, quando Hugo e Ricardo, ao secarem a salicórnia, notaram que, quando moída, tinha todas as propriedades para substituir o sal.
“A aceitação é grande e o nome é nosso. Veja como é interessante, a dieta vegana tem um défice grande de cálcio, vitaminas e outros minerais, e este sal tem isso tudo, é uma espécie de suplemento em sal”.
A exportação contempla em especial França, Países Baixos e Dinamarca, países que receberam, no ano passado, 20 toneladas de produto com o carimbo de Portimão. De abril a outubro, o período forte da salicórnia, são vendidos cerca de 300 quilos por semana.
“Cada corte produz cento e tal quilos e, em abril, temos o primeiro escoamento grande. É quando a procura é maior, porque as pessoas consomem mais saladas à medida que o Verão se aproxima”.
A nível interno, considera Hugo Mariano, “ainda mexe pouco”. Há mais dois produtores no nosso país, um na zona de Faro e outro na de Alcochete, o que revela mais um dado curioso: há aí uns cinco produtores (certificados) na Europa e três são portugueses.
Mitigar as alterações climáticas
“Terrenos com água salobra? Venham eles”, diz Hugo Mariano, justificando o ‘pedido’ como forma de mitigar as alterações climáticas. “Esta planta até subtrai metais pesados”, adianta, explicando que a água salgada utilizada na rega do terreno é depois reutilizada.
“Cada vez há menos água doce disponível, pelo que plantações deste tipo, creio, são vantajosas, até no aproveitamento de terrenos incultos”. O professor salienta que uma exploração deste tipo não pode ser feita junto ao mar, porque “aí não há certificação, uma vez que tenho de controlar a fonte de água”. Na circunstância, os sócios têm “água de um furo e adicionamos sal marinho de Castro Marim”, preparando a rega na estufa “com nutrientes”.
Todo este trabalho é feito, em exclusivo, por Hugo e Ricardo, incluindo os cortes, não obstante uma “ajuda esporádica” quando os ditos cortes são grandes. A salicórnia cresce muito e pode ficar lenhificada, pelo que o tamanho ideal para ser apanhada oscila entre os 15 e os 20 centímetros.
“Não nos vemos a fazer outra coisa”
A produção da ‘Salivitae’ é certificada a vários níveis, na linha do que os mercados exigem, para comprovar a autenticidade das matérias. Hugo Mariano enumera a lista, que comporta a “certificação da água, dos filtros, da terra biológica e também, por exemplo, do estrume, porque lá fora pedem tudo isto”.
A empresa tem os certificados Global GAP (sistema usado entre os proprietários de marcas na produção e comercialização de alimentos) e Bio e os sócios estão determinados a continuar a crescer. “No futuro, não nos vemos a fazer outra coisa. Não somos agricultores e tivemos de aprender, com alguns erros à mistura, mas, agora, sabemos praticamente tudo sobre a salicórnia”, garante Hugo, de 46 anos (Ricardo tem 34).
“Para já, a aposta é no sal verde e temos em vista uma parceria com uma superfície. Mais tarde, até pode ser que façamos produção ao ar livre”. Uma última nota: para o consumidor final, um quilo de salicórnia custa à volta de 15 euros e, em Portimão, é vendida na Mercearia Bio, na Horta da Granja, no Mercado, e na Mercearia do Algarve.