Só mesmo um clube tão especial consegue ‘recrutar’ na Eslovénia

Texto: Hélio Nascimento | Fotos: Eduardo Jacinto


O Judo Clube de Portimão é um modelo de organização, gestão e boas práticas sociais e desportivas. Não admira que a reportagem do Portimão Jornal tivesse sido recebida com imensa cordialidade e simpatia, quer pelos responsáveis, quer, também, pelos atletas.

“Temos um ambiente muito saudável e uma dinâmica própria, de que nos orgulhamos. Creio que todos se sentem bem e gostam de estar aqui. É a nossa forma de estar, extensiva, igualmente, aos pais dos miúdos. Aliás, se alguém traz um amigo para treinar, é claro que vai ficar connosco”, explica Joaquim Batista, o presidente e anfitrião, que, a par de Delfim Martins, o coordenador técnico, nos deram conta de uma história de sucesso.

“O espírito de equipa é único e tem sido reconhecido pelos adversários. Trata-se de uma onda sempre positiva, que leva os outros clubes a quererem interagir com os nossos judocas”.

Só mesmo um clube tão especial, note-se, consegue ir buscar um jovem à Eslovénia para participar no Nacional de Equipas de juvenis. Aconteceu há cerca de um ano e é um registo de todo singular, em primeiro lugar, porque o Judo Clube de Portimão (JCP) nunca tinha participado em nenhuma prova nacional por equipas.

“Era um desejo grande”, recorda Delfim Martins, destacando então as dificuldades que se depararam aos algarvios para formar uma equipa, já que, no caso do judo, a participação obriga a categorias de peso e, claro, alguma competitividade. “É fácil para os clubes de Lisboa, por exemplo, mas, para nós, foi complicado, porque nos faltavam dois atletas para fechar o conjunto”.

A Federação, há uns anos, abriu o leque de participação, para facilitar este processo, permitindo que os presentes na prova possam inscrever um atleta de outro clube – desde que este não entre na competição – e um máximo de dois estrangeiros. 

É aqui que surge o esloveno, Bor Zupan de seu nome, que, numas férias anteriores, ficara apaixonado pelo JCP. “Veio cá treinar, um bocado na brincadeira, e gostou tanto que não faltou a um treino durante 15 dias, obrigando os pais a viajarem de Vila do Bispo – onde tinham instalado a caravana – a Portimão. Fez amizades e manteve a chama acesa com os nossos judocas, via redes sociais”, conta Delfim, ainda hoje maravilhado com a história, tal como Joaquim Batista, que prossegue a narrativa. “Entrámos em contacto e os pais do Bor concordaram. O Delfim foi buscá-lo ao aeroporto e depois dormiu em minha casa”. 
 
Plantar a semente  
O reforço que faltava foi recrutado ao Sintrense e o resto é uma aventura das que nunca se esquece. “O ambiente era intenso, ao qual não estávamos habituados, e calhou-nos o Sporting logo na primeira eliminatória. Ganhámos e os miúdos galvanizaram-se. Só parámos nas meias-finais, perdendo com o Benfica, e conquistando, depois, a medalha de bronze. Ninguém nos conhecia e todo o mundo ficou espantado. Veja que entre as seis equipas que disputaram as medalhas, cinco eram da zona de Lisboa e nós os únicos intrusos”. 

Curiosamente, a obtenção de resultados não é o objetivo primeiro do JCP, que foi fundado em 1988, embora, na altura, já houvesse judo na cidade, ainda que de forma algo ‘dispersa’. O grande crescimento surgiu nos últimos anos, com o cunho de dirigentes e técnicos entusiastas, que se esmeraram em melhorar as condições da sala, em organizar a coletividade e em atrair e captar cada vez mais jovens. Joaquim Batista, 2º dan e empresário no ramo dos seguros, e Delfim Martins, 2º dan (quase 3º) e arquiteto de profissão, são os principais rostos desta transformação. 

O crescimento tem sido sustentado, sob o lema de ‘plantar a semente’, uma expressão engraçada que os responsáveis utilizam para ilustrar o trabalho de base e os frutos que, depois, vão conseguindo colher. Frutos esses que não passam, em primeiro lugar, pela obtenção de resultados e títulos. “A nossa cultura é a de fugir à medalhite”, garantem, um princípio assente na ideia de que o mais importante é ver muitos judocas em ação e, de preferência, num ambiente agradável e familiar. 

O espaço – uma cave bem perto da Piscina Municipal de Portimão – é acolhedor e funcional e está sempre muito bem cuidado, o que desde logo transmite a maior das seguranças aos encarregados de educação. Depois, em termos de organização, o clube é um modelo a seguir. “A nossa gestão é rigorosa e acho que temos uma atitude profissional, mesmo sendo completamente amadores. Entregamos um orçamento detalhado aos pais, para ficarem a par de tudo o que se passa”, explica o presidente. O JCP, aliás, reconhece que tem uma influência enorme na educação dos jovens atletas, mas, ao mesmo tempo, ‘exige’ que as famílias cooperem e sejam igualmente responsáveis.  
 
Número de atletas subiu 
Em cada final de época, o Judo Clube de Portimão promove uma festa intitulada ‘Cintos de ouro’, através da qual distingue os atletas “com mais vontade, aplicação nos treinos, cooperação e companheirismo”. Uma ação pedagógica de largo alcance, pela qual, curiosamente, os judocas ‘combatem’ com um entusiasmo idêntico, ou até talvez superior, ao que levam para o tapete em dias de competição. Desta feita, face à pandemia, a cerimónia foi adiada para data oportuna. Registe-se, contudo, que o fecho das instalações, devido à covid-19, não significou uma paragem total. 

“Durante o confinamento, para manter o espírito de união, fizemos comunicações diárias com os judocas. Foram mais de 70, com desafios físicos, pequenos filmes e até a confeção de bolos. Depois, começámos a sair para a rua, para correr e conviver. A cola não se pode perder”, diz Delfim, aludindo ao espírito ‘sui generis’ da coletividade. A verdade é que o número de atletas subiu – são agora 130 – graças, possivelmente, a esses treinos ao ar livre, já que vários praticantes convidaram amigos que, depois, se renderam ao encanto do judo.

Hoje, todas as áreas das instalações estão devidamente marcadas, sobretudo na zona dos tapetes, com o cumprimento escrupuloso das regras sanitárias, e, como nada é deixado ao acaso, os atletas dispõem agora de duas preciosas ferramentas para ajudar na sua evolução. “Temos uma nutricionista, que cuida de uma boa performance física e otimiza a força, sendo que o peso, no judo, tem de ser bastante vigiado, e apostámos também numa preparadora física, que dá um treino-extra, aos sábados de manhã, para os atletas de alta competição”. 
 
Formar treinadores 
Joaquim Batista e Delfim Martins são, também, os treinadores de serviço, embora cada classe tenha o seu monitor, que é, na circunstância, um atleta mais qualificado. “Vai ganhando experiência e se quiser seguir a carreira tem de tirar o curso. O nosso papel passa por formar novos treinadores”, argumentam, em uníssono.  

“E agora? Isso é futurologia. Vamos seguir a nossa linha com uma equipa fora de série, todos juntos”, incluindo Maria, a esposa de Joaquim que marca presença diária para ajudar em tudo o que é preciso, e os pais dos judocas. Em suma, um combate a estes dias incertos com “enorme positividade e espírito construtivo”. Mesmo sem um calendário de provas para os seus escalões (de formação), a verdade é que Delfim continua a planear as provas, “incutindo os valores do judo, trabalhando a resiliência e treinando para os campeonatos”. 

O Judo Clube de Portimão tem o apoio do Município, beneficiando dos contratos-programa em vigor, mas, de resto, prefere seguir um caminho independente, caso da logística dos transportes para as deslocações, que são “suportadas por nós e pelos encarregados de educação”. 

Manuel Batista | “O judo vai ser sempre a minha vida” 

Manuel Batista tem 15 anos, é cinturão negro (1º dan) e faz judo há 11 anos. É filho do presidente do JCP e a ‘culpa’ de gostar tanto da modalidade vem dos tempos de criança e das traquinices de então, sobretudo pelas ‘lutas’ em que se envolvia amiúde. “Quando assisti à primeira aula, ficou logo uma imensa paixão. Até hoje. Não há um dia que não queira vir treinar”, confidencia o jovem, que também é bom aluno, com um sorriso de orelha a orelha. 

O ano passado sagrou-se campeão nacional de juvenis e depois conquistou o bronze no Nacional de equipas da categoria. “Foi a primeira vez que o clube participou num campeonato destes. Era o meu último ano de juvenis e a última prova que disputava na categoria.

Deparámos com um ambiente competitivo nunca visto, que, todavia, nos deu força e empolgou, tanto a mim como aos meus colegas. Aliás, ficámos espantados! O certo é que todos os combates nos correram bem, apesar de muito difíceis”, recorda o judoca. “Superámo-nos como ninguém esperava, quer os outros clubes, quer nós próprios” salienta, na linha da história contada por Delfim Martins e Joaquim Batista na peça principal desta reportagem do Portimão Jornal. Manuel Batista é agora cadete e dá aulas aos mais petizes, na linha do que sucede com os atletas mais velhos e mais qualificados. “O clube sempre incentivou a ajudarmo-nos uns aos outros. Esta é a minha segunda família e não podia deixar de o fazer. É quase pagar uma dívida, no sentido de contribuir para que o Judo Clube de Portimão seja cada vez mais uma melhor instituição. Um sonho? O principal é sempre o de ir aos Jogos Olímpicos. Quero competir, ganhar e marcar presença nas grandes provas, para, depois, quando deixar de combater, continuar ligado ao judo. Está no sangue e vai ser sempre a minha vida”. 

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