Sociedade Recreativa Figueirense faz da amizade o seu ‘segredo’

Texto: Hélio Nascimento | Fotos: Eduardo Jacinto, in Portimão Jornal nº65


A Sociedade Recreativa Figueirense é um polo aglutinador das gentes da terra, na qual a fé, a esperança e a amizade transmitem uma força de vontade que ajuda a superar todos e quaisquer obstáculos. É assim há mais de seis décadas, desde que entre 1957 e 1958 a população da Figueira passou a dedicar muitas das horas à construção de um clube que fosse, ao mesmo tempo, ponto de reunião e de organizações conjuntas em prol da comunidade.

O Portimão Jornal esteve com elementos da Sociedade, em plena sede, bem junto ao Polidesportivo que recebe todos os anos o ex-libris da localidade: o Festival do Berbigão. A presidente Idalécia Carmo foi a principal anfitriã, acompanhada por Madalena Caçorino, secretária da Direção, e por Adília Lourenço, hoje em dia colaboradora, às quais se juntaram depois António Barata, tesoureiro, e João Glória Duarte, um dos fundadores. 

“Estou na presidência desde 2008, mas em pequena já frequentava a Sociedade. Tinha quatro anos quando vim para cá morar e o meu pai começou a levar-me aos bailes”, conta Idalécia Carmo, que já tinha estado ligada a Direções anteriores como secretária e vice-presidente. “Alguns colegas foram abandonando e cá estou”, prossegue, destacando desde logo o papel de António Freitas. “Foi ele que começou a construção deste edifício. Tínhamos uma sede alugada na Rua 5 de Outubro, mas queríamos um espaço maior para albergar mais pessoas”.  

 A tarefa não era fácil, “para um clube sem dinheiro, mas ele lançou-se às feras e agora esta sede é nossa”, diz a presidente. “O terreno foi cedido, mas nós construímos tudo. A Câmara ofereceu o projeto e depois, pedra após pedra, a obra avançou. Houve muitas ajudas, inclusive de uma firma que nos cedeu os materiais de construção, mas gastámos alguns milhares de euros”.

Convívio de pesca termina com uma caldeirada 
A par destes milhares de euros foram também consumidas centenas e centenas de horas, “sem remuneração e por pura carolice nossa e dos amigos”, acrescenta Adília Lourenço, irmã da presidente, que é das mais antigas e integrou várias Direções, uma vez que vive na Figueira há 52 anos e continua a colaborar em todas as iniciativas.

Já Madalena Caçorino tem uma história bem mais recente. “Sou de Portimão e o meu namorado é que me trouxe para cá. Faço o que for preciso e desempenho qualquer função”, sublinha, rendida ao prazer do trabalho que é desenvolvido.

“Temos protolocos com a Câmara, através do contrato-programa, e todo o dinheiro angariado é para a Sociedade. Temos uma sede funcional e investimos no bem comum”, insiste Idalécia. A sede, de facto, é espaçosa, com um bar, uma ampla sala de convívio, a arrecadação, a sala da Direção e uma outra para eventos, nomeadamente teatro e espetáculos diversos, que alberga 150 pessoas. “O Polidesportivo já existia quando fizemos aqui a sede. É da Câmara, mas o protocolo dá-nos a posse para gerir e manter o espaço em condições”.

A Sociedade Recreativa Figueirense tem cerca de 800 sócios inscritos, 300 dos quais pagam as quotas, num valor simbólico de 12 euros por ano. Em termos de modalidades, há uma equipa de futebol de veteranos, que representa a freguesia e “utiliza a nossa casa”, mais cicloturismo, bowling, snooker e pesca. “Todas as atividades são mais de recreação, como se vê, até porque ter modalidades desportivas acarreta grandes investimentos e nós, como sociedade sem fins lucrativos, não o podemos fazer. Agora até estamos com um torneio de sueca”, adianta.

O tesoureiro António Barata, que é o responsável pelas instalações à noite e que acompanha a coletividade “desde os tempos da velha sede”, acrescenta que o convívio de pesca “termina sempre com uma enorme caldeirada”, no trilho de que a amizade dita mesmo leis nesta instituição. Depois, sobre o bowling, cita o nome de Jorge Catarino como grande entusiasta.

Berbigão é sinónimo de sucesso 
De tema em tema chegam até ao incontornável Festival do Berbigão, a grande referência da terra, situada na freguesia da Mexilhoeira Grande. O evento realiza-se há 20 anos, mas durante a pandemia, naturalmente, esteve cancelado. “Começou por ser uma festa caseira, mas depois o Jorge Catarino e o Jorge Alexandre tiveram a ideia. Na época, a Câmara promovia bailaricos, com artistas, e eles acharam que seria mais proveitoso para a Sociedade e menos dispendioso para o município organizar uma festa de fim de semana com o aliciante do berbigão”.

Foto: CM Portimão

Idalécia Carmo recorda-se bem dos primeiros passos e garante que nunca duvidou do êxito. “Sempre esperei que tivéssemos sucesso, pois o certame tinha pernas para andar. Com muito trabalho e imensa esperança, o resultado está à vista”, orgulha-se a presidente, que tem 57 anos e é assistente operacional no hospital de Portimão.

“O segredo? É a fé e a amizade. Acreditámos que iria correr sempre bem, com muita harmonia. Aliás, se não houvesse amizade, nada disto seria possível. É a palavra-chave”, confessa, antes de começar a dar conta dos incríveis números do Festival, desde os milhares de pessoas que comparecem até às toneladas de berbigão que são consumidas. E não se pense que é fácil, já que toda a logística obriga a um trabalho aturado, que começa uns dias antes, quando o molusco é lavado, aberto e limpo “até ir para o tacho”, para além de ser retirado o miolo em outra ‘generosa’ quantidade para fazer as famosas papas. “Felizmente, está sempre tudo em condições, nunca houve reclamações”, brincam os anfitriões em declarações ao Portimão Jornal.

Um negócio que sustentou muitas famílias
O Festival realiza-se no segundo fim de semana do mês de setembro e aposta em pratos típicos da culinária algarvia, como massa de berbigão, arroz de berbigão, papas de berbigão, rissóis de berbigão ou berbigão ao natural, todos confecionados no Polidesportivo local, aos quais se juntam doçaria e outras iguarias.

Trata-se de uma forma de “honrar um molusco que tem profundas raízes junto da população local, pois a apanha do berbigão na Ria de Alvor perde-se nas brumas da memória, tendo o negócio da sua venda sustentado muitas famílias”, afirma.

“Tudo está devidamente articulado e em ordem, não é necessário iniciar os preparativos muitos meses antes. Se houvesse mais berbigão, mais se comia! O sucesso, repito, passa muito pelas 80 pessoas que colaboram, a favor da Sociedade e por total carolice”, reforça. As entradas custam 3,50 euros e a organização da Sociedade Recreativa Figueirense tem os apoios da Câmara e da Junta de Freguesia da Mexilhoeira Grande.

Para o tesoureiro António Barata, de resto logo secundado pelas suas colegas, “a receita angariada é boa e mantém a casa viva, até porque aquilo que o bar lucra, no resto do ano, não dava para pagar as despesas do dia a dia”. É ainda necessário proceder ao pagamento às atrações musicais que abrilhantam a festa, enquanto o apoio das entidades oficiais comporta a cedência das mesas, barraquinhas, limpeza do espaço envolvente e despesas de água e luz.

Um grupo de teatro com gente da casa
Além do Festival do Berbigão, a Sociedade tem outros eventos que muito preza e aos quais se dedica de corpo e alma, logo a começar pelo Encontro de Reis. “Visitamos algumas casas, reunimos na Igreja e este convívio junto da população é mesmo para marcar a data e estreitar os nossos laços”. O Carnaval é outro ponto alto, com desfile de carros alegóricos e a presença de coletividades convidadas para o efeito, algo que se repete em tempo de marchas populares.

Apesar de toda esta dinâmica, há mais um dado que é particularmente grato à Direção e demais colaboradores: as atuações do grupo de teatro, que se estendem de março a maio e cativam toda a gente. “Não somos artistas, somos carolas e estamos todos ao mesmo nível. O engraçado é que fazemos as nossas peças, com mais ou menos jeito, seguindo o lema de propiciar aos sócios momentos de brincadeira e de união”, realça a presidente Idalécia, cujo marido, Vítor, integra os órgãos sociais, como vogal, e os filhos Sofia e Tiago ajudam e colaboram em tudo o que é necessário.

A curto prazo, o objetivo consiste em “acabar as obras na sede”, com melhoramentos e alargamento da sala do primeiro andar, bem como aumentar o número de casas de banho. Todos estes benefícios são para “acabar no presente ano”, até porque a pandemia atrapalhou o que então já estava em marcha. De resto, importa chamar mais pessoas da freguesia, até porque a população aumentou nos últimos tempos, com dezenas de famílias a viverem no Bairro Novo e a espalharem-se pela periferia da Figueira.

Cinco tostões para ver televisão

Chama-se João Duarte Glória, tem 90 anos e afirma ser agora o sócio número um. A sua história, de resto, prende-se com a da Sociedade, da qual foi um dos fundadores. “Conheço todas as voltinhas que foram dadas até ao arranque oficial. Ainda antes da formalização como clube, tivemos uma sede, onde nos encontrávamos, que tinha aí uns 30 metros quadrados”, conta o decano, cuja memória é espantosa. “A luz surgiu por essa altura, entre 1947 e 1948. Lembro-me de ouvirmos música e estarmos a conviver. Seríamos aí uns 15, alguns mais velhos do que eu, e sei que pagávamos dez tostões por dia, num total de 30 escudos por mês” para usufruir do espaço.

A base do que viria a ser a Sociedade Recreativa Figueirense estava lançada e todos os amigos contribuíram para consolidar a ideia, mesmo que fosse preciso “ir buscar areia e transportá-la em carrinhos de mão”. Esta carolice, intervém Idalécia Carmo, “foi absorvida por todos nós, gerações mais novas, pelo que acho que fomos bons aprendizes”, salienta, orgulhosa e até comovida com a história de João Glória. “Venho quase todos os dias à sede. À noite é que não saio. Sou nascido e criado na Figueira”, prossegue, para terminar com mais alguns dados de todo relevantes. “A primeira televisão veio para cá em 1958, mas, para se ver os programas, tínhamos de pagar, para custear as despesas. Eu e os meus colegas reunimos e decidimos que cada pessoa que quisesse ver televisão tinha de pagar cinco tostões”. Já mais tarde, confirmam os presentes, João Glória até andou a fazer um peditório para aumentar as receitas da Sociedade.


FESTIVAL DO BERBIGÃO 2022 EM NÚMEROS

⇨ 3000 pessoas estiveram no evento

⇨ 2 toneladas de berbigão consumidas

⇨ 80 pessoas da Sociedade colaboram no festival, desde porteiros a cozinheiras 

⇨ 30 pessoas tratam do berbigão, fazendo a lavagem, limpeza e extração do miolo  

⇨ 9 e 10 de setembro são os dias da edição deste ano no Polidesportivo da Figueira 

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