Sucesso do Festival ‘Paragem’ é para repetir em Lagoa

in Lagoa Informa nº164


A segunda edição do Festival ‘Paragem: práticas artísticas contemporâneas em época balnear’, que se realizou entre os dias 9 e 11, 16 e 18 de setembro, voltou a ser um sucesso e a surpreender.

Isto porque, a base é levar a arte a locais diferentes, onde ninguém espera encontrá-la. Apesar de ser uma estimativa, este ano, o evento contou com mais de meia centena de pessoas por sessão.

A edição zero já tinha acontecido em 2019 pelas mãos de Filipa Brito e Nelson Guerreiro, responsáveis pela associação cultural ‘Bóia’, sediada na Praia do Carvoeiro. Com animação muito experimental, o que se mantém é o tema: ‘férias no Algarve’.

“Os artistas pensam e abordam essa questão. Os trabalhos são todos inseridos em espaços não convencionais e, também por essa razão, dá-se uma fricção entre o público que sabe o que está a acontecer e aqueles que estão apenas a passar ou a passear”, começa por explicar Filipa Brito, natural de Lagoa. Ou seja, alguém pode estar no passadiço para ver o pôr do sol e tirar uma ‘selfie’ e encontrar uma ação desta programação. Desafiaram 30 artistas a ‘estar de férias no Algarve’ em part-time, para apresentar trabalhos que mostraram a sua experiência, contam.

O resultado traduziu-se em seis concertos, 14 performances, dois espetáculos de teatro íntimo, um workshop para crianças e jovens, um ‘happening’ com mais de 150 participantes nas ruas de Carvoeiro, uma festa, a apresentação de dez obras de artes plásticas e visuais e dois recitais líricos surpresa no barco na visita às grutas e no Largo de Carvoeiro.

São espetáculos “direcionados para a performance, música experimental, projeção de vídeo, teatro íntimo em suite do hotel”, descreve Filipa Brito, acrescentando que esta edição contou também com o artista João Ferro, com peças enquadradas na paisagem, fora do passadiço, em Carvoeiro.

“Estamos a trabalhar num contexto que, à partida, é um pouco resistente a este tipo de propostas, até porque estas não existiam cá de forma tão regular. A ‘Bóia’ está a ocupar um espaço livre e complementa a oferta cultural do município e de outras associações. Nesse sentido, trabalhámos este tema das férias, algo presente no imaginário da maioria das pessoas, e começámos os dois a pensar como poderíamos apresentar esta temática do ponto de vista artístico e estético”, revela Nelson Guerreiro.

Chegaram à conclusão que existiam equipamentos hoteleiros e uma paisagem apreciada que poderiam ser o cenário ideal. Iniciaram a programação e, ao mesmo tempo, reinterpretaram e reinventaram o território. O comboio turístico, os campos de ténis, piscinas, quartos de hotel passaram a ser novas ‘plataformas’ de arte e, coincidindo com o nome do Festival, novas ‘paragens’.

“Há quem venha à procura de reconhecer a imagem no guia turístico, fazer a sua ‘selfie’ no Miradouro da Nossa Senhora da Encarnação e encontra propostas artísticas, experimentais, ousadas. De repente, numa visita ao Algar Seco têm um concerto ou espetáculo de dança contemporânea”, diferencia o responsável.

São sobretudo estrangeiros os que estão mais ávidos de cultura, mas há residentes a aderir, o que ajuda a envolver a população local. Pensam ter tido uma média de 50 a 70 pessoas por sessão, consoante o local, ainda que muitos tenham assistido a mais de um espetáculo, o que no total ronda as 1500 pessoas. “Não nos importamos de trabalhar para as mesmas pessoas, mas temos que ir conquistando novos públicos”, refere.

Alargar festival a outros pontos
É ponto assente que a ‘Paragem’ terá sempre lugar na época balnear, pois o tema central é o ‘estar de férias no Algarve’. “Estamos muito felizes com o reinventar deste conceito e não temos necessidade de o alterar. Será todos os anos, em Carvoeiro, mas queremos alargá-lo a outras freguesias como Estômbar, Parchal, Ferragudo e a locais como o Calvário”, exemplifica Nelson Guerreiro.

“São sítios interessantes, sobre os quais nunca ninguém pensou deste ponto de vista da oferta artístico-cultural”, reforça Filipa Brito. Levar a cultura a zonas um pouco inusitadas pode auxiliar a concretizar o objetivo principal de formação de novos públicos e despertar a população para novas facetas de arte, acreditam.

Formação de públicos e direito à escolha
O projeto ‘la(b)goa’ é outra iniciativa criada de raiz por esta associação local com a intenção de mudar a perceção que as pessoas têm da cultura. Levar quem não tem o hábito de ‘consumir’ artes, a olhar para elas de outra forma é uma das intenções. Esta ação começou, por isso, nas escolas, no Agrupamento ESPAMOL, mas será também aberta à restante comunidade do concelho.

“Temos de chegar aos miúdos nas escolas, para que comecem a ter outra consciência e sensibilidade sobre o mundo e sobre as artes”, sublinha Filipa Brito.

É um ‘laboratório de afinação do gosto de olhar as artes’, um programa de formação de públicos que pretende criar massa crítica. “Estamos num território que não tinha uma oferta regular de práticas artísticas contemporâneas”, justifica Nelson Guerreiro.

Filipa Brito fala na primeira pessoa para exemplificar. “Vivia em Carvoeiro e fiz andebol, porque, naquele tempo, era a única atividade que existia. Se houvesse dança ou artes plásticas seria algo que teria frequentado. Os miúdos têm de ter acesso a diferentes iniciativas para terem hipótese de escolher e isso também é um exercício de cidadania”, diz.

Neste caminho, os responsáveis pela associação afirmam que têm tido o apoio do município e sentem que há uma sensibilidade em relação a estes projetos. Contaram ainda com o apoio da Direção Geral das Artes no ano passado, pela primeira vez.

La(b)goa para escolas e não só
A ‘Bóia’ quer divulgar o la(b)goa a mais pessoas, mas a covid-19 impediu que o processo fosse mais abrangente para já. O primeiro workshop intitulado ‘Fazer e Desfazer’ decorreu entre 27 e 29 de setembro, com apresentação pública no dia 30, para os alunos entre o 10º e 12º ano da ESPAMOL. As questões de género, inclusão, transsexualidade, igualdade de direitos foram os temas para abrir consciências e confrontar os jovens com estas realidades.

Está previsto um workshop por mês em áreas como a iniciação ao teatro, à escrita, à dança. E uma das metas passa por associar atividades iniciadas neste projeto ao Festival ‘Paragem’. Ou seja, que os resultados finais possam ser apresentados ao público ao ser inseridos na programação.

Para envolver a população, a ‘Bóia’ quer também realizar ações em espaços convencionais de cultura, como o Auditório, para várias gerações, para ir tentando mudar mentalidades aos poucos. “É um trabalho árduo”, mas concretizável, acredita Nelson Guerreiro.

Cultura é para todos

“Há algo curioso que é as pessoas acharem que isto não é para aqui. Inconscientemente estão a passar um atestado de incultura a si e às pessoas de cá, ao mesmo tempo que fazem uma declaração de ‘desamor’ à sua terra. E eu pergunto: ‘Não é para aqui porquê? Todas as pessoas têm direito” a tomar contacto com novas realidades, formas de cultura e artes. É também por esta razão que o lema da ‘Bóia’ é ‘a salvar vidas desde 2018’. “Está relacionado com o queremos fazer na vida das pessoas. Este resgate está ligado ao aumento de sensibilidade, de conhecimento, de partilha e a possibilidade de ser mais feliz através das artes e da cultura”, explica Nelson Guerreiro.

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