Transferência de competências divide região
TEXTO: ANA SOFIA VARELA
A transferência de competências para a alçada das Câmaras Municipais tem levado a diversas divisões. Logo à partida, os primeiros diplomas deram azo a rejeições totais e a aceitações de todas as competências, como foram os casos de Portimão e Olhão. Na segunda ronda ficaram pelo caminho da aceitação total e decidiram rejeitar algumas pastas. Até aqui estavam em causa nove competências publicadas em diploma em novembro de 2018 e duas em janeiro de 2019.
Em junho haverá nova ronda de decisões, e estas serão cruciais, para saber quais os municípios que aceitam as competências no próximo ano, o que permitirá que sejam realizadas as prévias inscrições no Orçamento de Estado 2020.
Para já, estiveram sujeitas a debate por cada autarquia, pastas como as praias, a exploração das modalidades afins de jogos de fortuna ou azar, vias de comunicação, justiça, associação de bombeiros, estruturas de atendimento ao cidadão, habitação, património imobiliário público sem utilização, proteção animal e segurança dos alimentos e, por último, a cultura.
Há depois outras competências como a educação e saúde que serão aprovadas ou não no âmbito também da comunidade intermunicipal.
No panorama nacional, de um universo de 308 municípios pouco mais de 180 autarquias aceitaram competências. Já no Algarve são sete as rejeições contra nove aprovações, ainda que nenhuma destas nove tenha aceite todos os 11 diplomas publicados em Diário da República.
Uma realidade que deverá mudar, pois até 2021 todas as autarquias, quer do Algarve, quer do país, terão mesmo de aceitar as competências. Na região, foram os concelhos nos extremos geográficos, como Vila do Bispo e Aljezur, Alcoutim, Castro Marim e Vila Real de Santo António que deram cartão vermelho à transferência de competências. A barlavento atitude igual tiveram Lagoa e Silves. E até nem se trata de uma questão de cor política, pois há diferentes forças à frente destes concelhos. Silves, a única autarquia comunista no Algarve, rejeitou a delegação, bem como duas social-democratas (Vila Real de Santo António e Castro Marim), e quatro autarquias socialistas (Vila do Bispo, Aljezur, Alcoutim e Lagoa).
A maioria tem como base o envelope financeiro associado que não é suficiente para cobrir as despesas que terão no futuro como base para a rejeição. As pastas que as tutelas, ou seja, o governo, pretendem passar para a gestão destes órgãos autárquicos são, na maioria, pacotes que implicam mais recursos humanos e mais gastos na manutenção. Saúde e educação são, para a maioria dos presidentes de Câmara, as mais pesadas.
Ainda assim, segundo a tutela, o Ministério da Administração Interna, foi criado um grupo de acompanhamento das transferências de competências e, no final do ano, será feita uma análise. Caso seja apontado um défice para a autarquia, em que as verbas não chegam para determinada competência, haverá uma renegociação com o governo, esclareceu ainda.
Certo é que até junho haverá mais decisões, mas por enquanto, os dados revelados pela Direção Geral das Autarquias Locais (DGAL), até 12 de abril de 2019 mostram um Algarve dividido.
LAGOA REJEITA TODAS
“O governo enviou um envelope financeiro na saúde e enviará outro na educação” e, no primeiro caso, são 260 mil euros para gerir seis edifícios e cinco funcionários. Francisco Martins, presidente da Câmara Municipal de Lagoa, garante que o número de funcionários para estes edifícios é já de si insuficiente. “Quem conhece a realidade de Lagoa sabe que tivemos extensões de saúde fechadas, nomeadamente a de Ferragudo por falta de funcionários. A partir do momento em que essa competência vier para a autarquia vou ter de arranjar pelo menos mais cinco funcionários, o que representa mais custos para nós”, reclama.
Na realidade são necessários dez funcionários, havendo, assim, à partida, um défice de cinco. “Depois tenho o absurdo de na freguesia de Ferragudo ter sido gasto pelo Ministério da Saúde 600 euros no ano passado. Estou a falar de contas de água, luz, telefones, limpeza e manutenção. Dá uma média de 50 euros por mês. A Câmara colocou lá um ar condicionado há pouco tempo que custou mil e tal euros. Ou seja, num aparelho gastámos o dobro do que o governo gastou num ano”, compara o autarca. “Se esta competência tem mapa, que me diz isto, imagine aquelas competências em que o Governo não mandou mapa. Não posso passar um cheque em branco”, sem que seja devidamente informado, garante.
ALBUFEIRA ACEITA ALGUMAS
No caso da autarquia de Albufeira, o presidente da Câmara Municipal José Carlos Rolo explica à Algarve Vivo que rejeitou a exploração de jogos, as estruturas de atendimento ao cidadão, a habitação, o património imobiliário público sem utilização, o estacionamento público, a proteção animal e a cultura.
“Aceitámos áreas como as praias, as vias de comunicação ou a justiça, porque já fazemos investimento na maior parte delas”, explica. No caso de justiça e vias de comunicação não há grandes responsabilidades, podendo apenas a pasta das praias ser a mais problemática, porque exige mais trabalho. Também na que diz respeito aos Bombeiros não haverá grandes dificuldades. “Nas restantes, não há condições de receção. Vamos preparar algumas, porque há áreas que carecem de pessoal, como a educação e a saúde. Temos que resolver primeiro os problemas que temos entre mãos, como a necessidade de colocar pessoal suficiente nas escolas, e, depois, para o ano vamos então aceitar essas novas competências”, justifica José Carlos Rolo.
PORTIMÃO SÓ NÃO FICA COM UMA
“Há uma competência que não aceitamos para já, porque não tínhamos condições. Só aceitaremos em 2020, porque temos de redimensionar os recursos humanos, pois temos um grande défice na área da proteção animal e segurança alimentar”, justifica Isilda Gomes, presidente da Câmara Municipal de Portimão.
O canil municipal tem sofrido intervenções, mas ainda necessita de mais investimento. Segundo a presidente da autarquia está prevista a requalificação e ampliação das instalações, numa obra que ascenderá aos 300 mil euros e que está incluída na listagem de empreitadas a fazer entre 2019 e 2021.
Isilda Gomes mostra-se “uma defensora acérrima do processo de descentralização”, apontando-o como “muito benéfico, porque dará mais responsabilidades às autarquias e ajudará a que as situações se resolvam mais depressa”, admite. “Trata-se de rapidez e eficiência”, acrescenta a autarca, que esteve envolvida no processo nas funções que exerce na Associação Nacional de Municípios Portugueses.
No caso das restantes delegações, Isilda Gomes refere que as aceitou pois há procedimentos, como a limpeza das praias, que já são efetuados pela autarquia sem qualquer tipo de contrapartida.
“Ora, a partir de agora, quem vai receber as rendas, taxas e licenças somos nós. Já é muito mais do que recebíamos até agora e vamos continuar a fazer o mesmo trabalho”, refere.
Apesar de na generalidade, a maioria ter rejeitado educação e saúde, Isilda Gomes decidiu aceitá-las, pois constatou, conforme assegura, que o envelope financeiro cobre os gastos. “Os mapas vieram antes para verificarmos se as verbas correspondem ou não. Na área da educação uma das coisas que me preocupava era se a Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes era considerada como prioritária para investimento e candidatura a fundos comunitários e está lá na listagem como prioridade”, afiança.
MAIORIA REJEITA PROTEÇÃO ANIMAL
Há várias rejeições e aceitações no panorama regional. Da lista de municípios conta ainda a aprovação de Monchique no que toca à proteção animal e segurança alimentar, bem como a cultura. Já Lagos aceita apenas o património público imobiliário sem utilização e a cultura. A Sotavento, Loulé rejeita praias, habitação e estacionamento público, enquanto Faro não quer praias, justiça e proteção animal. São Brás de Alportel aceita praias, associação de bombeiros, habitação e património imobiliário público sem utilização. Olhão não quer proteção animal e cultura.
PCP OPÕE-SE A TRANSFERÊNCIA PARA AMAL
As competências que seriam para passar para a alçada da AMAL, em alguns casos partilhadas com as autarquias, como a educação e saúde, foram rejeitadas pelo Partido Comunista Português, segundo avançou Jorge Botelho, presidente daquela comunidade intermunicipal. “Era necessária unanimidade para que fossem aprovadas”, clarifica.
O também presidente da Câmara Municipal de Tavira, autarquia que rejeitou as vias de comunicação, estruturas de atendimento ao cidadão e proteção animal e segurança alimentar, refere que a decisão no órgão autárquico que gere não teve a ver com o envelope financeiro, mas com a falta de informação. “Não aceitei as competências, porque o quadro legislativo não estava estável e não sabíamos nada do assunto. Ainda não há informação. Por exemplo, na proteção animal e segurança alimentar, não há referência sobre isso, e essa delegação requer muita logística. De uma forma geral, as Câmaras aceitaram as competências que já tinham, umas mais ou outras menos. Também não aceitei na área da educação e saúde, pois são pesadas, envolvem muitas pessoas e é preciso saber o que se está a fazer”, diz.