Um mar cada vez mais vazio
Já imaginou o que será uma ceia de Natal sem bacalhau? O fiel amigo é uma das muitas espécies de peixes que correm risco de extinção. Se nada for feito, as tradicionais zonas de pesca entrarão em colapso no prazo de poucas décadas, alertam os cientistas.
RUI PIRES SANTOS
Habituámo-nos a ver no mar uma fonte inesgotável de riqueza e alimento, mas esse cenário está a mudar drasticamente, sendo cada vez mais frequentes as chamadas ‘zonas mortas’ onde não existe oxigénio nem sinais de vida.
Segundo o maior estudo jamais realizado sobre a utilização dos oceanos, publicado na reputada revista ‘Science’, a este ritmo a totalidade das espécies comerciais de peixes que alimentam hoje mil milhões de pessoas no mundo estarão esgotadas em 2050, vítimas da pesca intensiva ou ilegal, das alterações climáticas, da poluição marinha e da destruição dos ecossistemas. É a própria Comissão Europeia que reconhece que a Europa tem barcos de pesca a mais e que o cenário é de sobre-exploração para 88% dos recursos pesqueiros. No caso do bacalhau do Mar do Norte, por exemplo, é sabido que a maioria dos peixes é pescada antes de se ter reproduzido.
No entanto, o mesmo estudo também refere que “os oceanos não são uma causa perdida” e que já começam a registar-se sinais de recuperação dos ‘stocks’ em zonas onde foram aplicadas medidas de proteção, tais como a fixação de quotas de pesca, o incentivo ao abate de frotas e o apoio às práticas de aquacultura (criação de peixes em viveiro, que já é responsável por mais de 30% de todas as proteínas consumidas no mundo).
As organizações ambientalistas como a Greenpeace e a WWF apelidam estas medidas de insuficientes, pois o estabelecimento de quotas é muito permeável a pressões políticas e a redução do número de barcos é largamente compensada pelos avanços tecnológicos que aumentam a capacidade, o alcance e a potência das novas embarcações. Também a aquacultura industrial é olhada com desconfiança, pela destruição dos ecossistemas que provoca e pela utilização de antibióticos e de alimentação artificial (de acordo com a Greenpeace, é preciso pescar 4 kg de peixe selvagem para produzir 1 kg de salmão em viveiro).
Por outro lado, se as medidas protetoras não forem tomadas a uma escala global, acabam por ter um efeito perverso porque as frotas de pesca se deslocam para países com leis mais permissivas. São inúmeros os exemplos de países africanos que venderam direitos de pesca a países que esgotaram os seus próprios ‘stocks’ domésticos.
A SOLUÇÃO
Para as organizações ambientalistas a solução passa pela adoção de práticas de pesca mais responsáveis e pela criação de uma rede mundial de reservas marinhas, onde não se poderá pescar nem explorar recursos minerais. Estas zonas darão proteção às espécies mais pescadas e servirão de ‘maternidades’ para repovoar outras áreas. Em Portugal já existe uma destas reservas desde 1998, o Parque Marinho professor Luiz Saldanha, que abrange 38 km da costa da Arrábida, mas também aqui tem havido uma forte contestação por parte dos pescadores que viram a sua atividade limitada. Está também em análise a criação de outras zonas semelhantes, nomeadamente ao longo do Parque Natural do Litoral Alentejano e da Costa Vicentina.
Enquanto esta rede de zonas marinhas protegidas não é uma realidade, há pequenos contributos que todos podemos dar para minorar o problema, tais como comprar peixe apenas em locais com políticas de aquisição sustentáveis, não comer espécies em risco de extinção e recusar o peixe miúdo (como os tradicionais joaquinzinhos e petingas).
A Greenpeace Portugal compilou uma lista das espécies de peixes que são vendidas nos supermercados portugueses e que, muito provavelmente, tiveram origem em pescas ou viveiros insustentáveis (ver caixa). Também divulga anualmente um ‘ranking’ de supermercados de acordo com o esforço que fazem para oferecer produtos de peixe sustentável aos consumidores.
TERCEIRO MAIOR CONSUMIDOR
Portugal é o terceiro país do mundo em termos de consumo de peixe per capita (59,3 kg/ ano), só ficando atrás do Japão (67,4 kg/ano) e da Islândia (91 kg/ano). A média mundial de consumo de peixe per capita é de 16 kg/ano.
BACALHAU NA LISTA VERMELHA
Da Lista Vermelha fazem parte espécies que são vendidas nos supermercados portugueses e que, segundo a Greenpeace, correm sérios riscos de serem provenientes de pescas ou de viveiros insustentáveis. Entre elas, estão o bacalhau, o linguado, o salmão ou a pescada, espécies bastante apreciadas e consumidas em Portugal.
ESPÉCIES EM PERIGO
Bacalhau do Atlântico
Atuns
Espadarte
Alabote
Peixe espada branco
Linguado
Camarões
Pescadas
Raias
Salmão
Solha americana
Tamboris
Sardinha