Universo dos Mistérios: abraços valem mais do que as vitórias
Texto: Hélio Nascimento | Foto: Kátia Viola, in Lagoa Informa Jornal nº 167
O clube tem nove anos, o badminton apenas cinco, mas o treinador leva 50 de carreira! Será este, porventura, um bom pontapé de saída para a reportagem junto da coletividade de Estômbar, e, mais propriamente, para a conversa com Carlos Silva, fundador da secção, precisamente a que mais êxitos regista numa caminhada firme e auspiciosa. “Já passei por muitos clubes, mas este é o mais recente. Havia um outro, também aqui, denominado Badminton Clube de Estômbar, até que surgiu o Universo dos Mistérios, que tem várias modalidades, sendo o badminton a principal”, explica Carlos Silva, treinador e grande impulsionador.
“Começámos do zero e já conseguimos muitos bons resultados. Temos feito coisas fantásticas e somos o emblema que, por várias vezes, mais jogadores e maior contribuição fornece às competições nacionais. Nos escalões jovens, o Universo dos Mistérios é o que soma mais vitórias a nível nacional, o que é muito bom para um clube tão jovem, que foi fundado em 2016”, salienta Carlos Silva, qual embaixador de uma modalidade que é a paixão da sua vida.
Prosseguindo com alguns dados estatísticos, o treinador lembra que até há pouco tempo não havia atletas do clube nas seleções, fossem de sub-17, sub-19 ou seniores. Agora, “pela primeira vez, levámos dois jogadores à equipa nacional de sub-17”. Em relação a uma eventual convocatória nos mais velhos “ainda é muito cedo”, atendendo, precisamente, à jovem idade do Universo dos Mistérios.
“A nível regional temos a Che Lagoense, nossa grande rival, que é dos melhores clubes nacionais e o melhor em seniores, campeão de equipas que já participou na Taça dos Campeões Europeus”. Porém, no último zonal do Algarve e Alentejo, releva Carlos Silva, “vencemos 13 das 20 provas, logo a maioria, ou seja, os resultados a nível regional continuam a mostrar enorme evolução”.
Aos sete anos já ganhava torneios para sub-11
O nome Universo dos Mistérios Associação Cultural é fora do comum, mas já existia quando o badminton arrancou em força.
“Nesta altura temos pouco mais de 40 atletas, porque perdemos alguns devido à pandemia. Chegámos a ter 60, número que iremos certamente recuperar, visto que muitos dos nossos jovens estão a regressar”, garante Carlos Silva, aludindo depois à escassez de técnicos. “Temos o Francisco Inácio, que não é da zona, mas vai colaborando. É professor de Educação Física, agora está colocado em Tavira e apenas consegue dar uma ajuda nos torneios. De resto, sou só eu”.
Os treinos decorrem na escola de Estômbar e, duas vezes por semana, efetuam-se sessões conjuntas com um clube de Portimão. Já os estágios realizam-se no pavilhão do Parchal, um local privilegiado para este tipo de atividade. Por falar em sessões de trabalho onde a competição é uma das prioridades, Carlos Silva exibe um largo sorriso quando lhe falamos em Pedro Catrocho, um miúdo de nove anos que aos sete já ganhava torneios para sub-11. “O Catrocho é bicampeão nacional e é extraordinário. Tem muito para dar”, resume.
“Agora temos averbado resultados nos mais velhos, dos 15 e 16 anos. São resultados fantásticos, porque os nossos atletas defrontam adversários com mais anos de prática, aí uns nove ou dez, contra eles que têm somente quatro ou cinco de treino”, atesta o treinador, pronto a falar de Pedro Godinho e Daniela Alexandra, “que ganharam os pares mistos e são candidatos a todas as provas”.
De facto, a dupla conseguiu inscrever pela primeira vez o nome do Universo dos Mistérios na lista de vencedores de um torneio nacional de sub-17.
“Atualmente, são os que têm obtido resultados mais relevantes na categoria. Têm imenso valor e vão os dois à seleção de sub-17 e também aos internacionais desse escalão”, regozija-se Carlos Silva, que os acompanha desde sempre.
Dois atletas nos Jogos Olímpicos
Uma das curiosidades da carreira de treinador de Carlos Silva prende-se com o facto de ter dirigido, por duas vezes, o badminton da Che Lagoense, onde, atualmente, estão os seus filhos Carlos (o mesmo nome do pai e também técnico) e David, como, aliás, o Lagoa Informa já reportou. “Tanto um como o outro foram em alturas diferentes para a Che Lagoense, por condicionalismos de então. O mais novo, o David, ainda esteve aqui, mas depois deixei de ter condições para isso”, sublinha, entendendo esta ‘separação’ como algo de natural entre atletas e treinadores.
Carlos Silva é madeirense e veio para o Algarve há 23 anos, “convidado pelo Diamantino”, então líder da Che Lagoense. “Estive noutros clubes, voltei e agora surgiu esta hipótese”. A história de vida do professor, todavia, é repleta de locais e aventuras.
“Sou madeirense, mas nasci na Venezuela. Andei pela Suíça e morei em Lisboa”, antes de se fixar, por ora, no Calvário (concelho de Lagoa), narra o homem de 64 anos que lecionou matemática e físico-química e, entretanto, se reformou.
“Levei dois atletas aos Jogos Olímpicos e tenho muitos títulos no palmarés, mas a idade já conta”, reconhecendo não dispor da mesma capacidade de outros tempos “para dar treinos aos melhores”, até porque, adianta, “no badminton, para um treinar, é preciso estar um outro no lado oposto… e eu já não consigo”, confessa, com a maior das naturalidades.
“A verdadeira razão de estar aqui”
Apesar da destreza física não ser a mesma, o técnico salienta que vai “continuar no badminton até morrer”. Antes treinava com os seus pupilos todos os dias, e agora, graceja, “limito-me a gritar”. São treinos diferentes, prossegue Carlos Silva, lembrando que passado um ano de ter começado a jogar já era treinador. “Deve ser recorde!”, atira.
De seguida, confrontado com aquilo que mais o move para permanecer no ativo e com esta vontade indomável de formar campeões, Carlos Silva sorri e não hesita: “É a amizade. É a grande camaradagem, nos torneios, por exemplo, o que mais me move e comove. Até lhe digo que quando o Pedro e a Daniela ganharam os pares mistos e no fim se abraçaram, transbordando muita alegria, até porque era a primeira vez que o clube vencia um torneio nacional em sub-17, eu gostei mais do abraço do que da vitória. Sim, é esta a verdadeira razão de estar aqui”, vinca, com alguma emoção à mistura.
Destacando a excelente relação com o presidente e com a Câmara Municipal de Lagoa, inclusive porque “dependemos do município para ir a torneios e se não fosse o apoio nem existíamos”, Carlos Silva opina que o badminton “fazia falta em Estômbar”, onde ainda são poucas as raparigas a praticar. “De início, a Daniela era a única entre 30… e já ganhava aos rapazes”.
Falar desta modalidade obriga a evocar o nome de Pedro Martins, o lagoense que levou o concelho aos Jogos Olímpicos, mas o professor não tem dúvidas em afirmar que o nível baixou bastante.
“Era preciso muito tempo para abordar a questão, mas sempre lhe posso dizer que passaram pelas minhas mãos seis olímpicos, incluindo o Pedro, numa fase inicial. Levei dois aos Jogos, o Ricardo Fernandes e o Fernando Silva. Havia três treinadores com estes sonhos, eu e mais dois colegas, e era necessário trabalhar muito. Envelhecemos e a capacidade não é a mesma, mas, o pior, é que não apareceram outros treinadores para renovar e manter o nível. Os melhores técnicos atuais têm pouca experiência e assim é difícil obter resultados. O Catrocho, que aos 7 anos já vencia em sub-11, devia ser treinado por um estrangeiro. Deram-me alguma esperança, vamos lá ver”.
Campeões de sub-17 de pares mistos estão na Seleção e vão aos Internacionais de Portugal
Daniela Alexandre e Pedro Godinho querem escrever mais história
Daniela Alexandre, de 16 anos, será, certamente, a atleta mais categorizada do Universo dos Mistérios, clube que representa desde que começou a jogar.
“Fui experimentar uma vez e gostei. Na altura praticava andebol e natação, ainda tentei conciliar as três modalidades, mas não deu e ficou só o badminton”, diz a jovem, que vive em Portimão e frequenta o 11º ano de Ciências Sócio Económicas. Foi uma espécie de amor à primeira vista, mas, também, uma aposta totalmente certa, já que, fazendo dupla com Pedro Godinho, conseguiu o primeiro título nacional de sub-17 para o clube, em pares mistos. E só foi pena que uma arreliadora lesão a tivesse impedido de disputar os recentes Nacionais.
O ‘parceiro’ Pedro Godinho, de 15 anos, natural de Almodôvar, iniciou-se no desporto escolar e foi ‘descoberto’ num torneio por Carlos Silva. Está no 10º ano e hesita entre desporto e turismo para prosseguir os estudos, mas já tem a ideia de que “é muito difícil no nosso país ter um rendimento alto no badminton para fazer vida disto”.
O já citado título nacional de pares mistos foi “uma enorme conquista, fruto de trabalho árduo e de muitos treinos”. E tratou-se do primeiro grande troféu para o Pedro, enquanto a Daniela já tinha ganho em singulares.
“Se quero ser outra Telma (olímpica portuguesa)? É quase impossível, mas ainda é cedo para ver”, exclama Daniela, sublinhando que o foco do momento está nos pares mistos e em novas conquistas, sem esquecer a fantástica presença na Seleção Nacional e nos Internacionais de Portugal, que se aproximam, e nos quais, para além desta dupla, participam cinco outros jogadores do clube: Lucas Delfim, Fábio Vieira, Anastásia Iurkova, Tiago Catrocho e Demétrio Tura.
Anna Tura e Pedro Catrocho em foco nas Caldas da Rainha
Quatro títulos de campeão nacional!
De êxito em êxito: o Universo dos Mistérios duplicou o número de títulos da época passada, ao alcançar quatro títulos de campeão nacional nos Nacionais de não-seniores, realizados no Centro de Treino de Alto Rendimento de Badminton nas Caldas da Rainha. O clube alcançou, ainda, mais quatro títulos de vice-campeão.
Em grande destaque esteve Anna Tura, no escalão de sub-11, ao vencer as três provas possíveis, singulares, pares com Daniela Kostenko e pares mistos com Pedro Catrocho. O outro título foi alcançado por Pedro Catrocho na prova de pares, juntamente com Martim Marques, da Che Lagoense.
Os títulos de vice-campeão foram obtidos por Anastásia Iurkova, nos pares, com Érica Glória de Peniche; por Tiago Catrocho e Demétrio Tura, em pares, ambos no escalão de sub-15; por Artur Fernandes e Doriann Delfim, em pares, nos sub-13; e por Pedro Catrocho em singulares, no escalão sub-11.
A comitiva integrou vinte jogadores, incluindo Daniela Alexandre, que acabou por ficar de fora (ver peça anterior), por não ter recuperado de uma lesão – poderia dar mais um título ao clube, visto que nos pares mistos, onde faz parceria com Pedro Godinho, a final foi disputada por dois pares que já tinham sido derrotados por eles no último torneio nacional.