Opinião: Os quatro cavaleiros anunciados

Pedro Manuel Pereira | Historiador, in Portimão Jornal nº44


Já a noite de manso se avizinhava, quando o cavaleiro encetou a jornada há muito programada, sendo o seu objectivo de crucial importância. Tocando a montada – um alazão negro como o carvão – meteu a trote lento por um pedregoso caminho densamente arborizado que o cavalo parecia conhecer.

Súbito, chegaram ao sopé da montanha. A partir daí a viagem tornou-se mais difícil. Um escarpado carreiro serpenteava íngreme serra acima por meio de silvados.

A noite desceu e a lua subiu cheia, prateada, acompanhada pelo piar lúgubre das aves nocturnas. As ferraduras faziam chispar faíscas dos seixos, que na andadura rolavam por baixo dos cascos da alimária, à qual, o cavaleiro dava rédea.

O luar transmitia às árvores, aos arbustos que se prendiam na capa do cavaleiro, a tudo, um ar irreal, fantasmagórico de tal ordem, que até as pedras pareciam animadas por vida própria. Corria uma leve brisa gelada.
Passadas que foram mais de três horas de marcha, cavalo e cavaleiro encontravam-se quase no topo da escalavrada montanha, onde se avistavam as torres pontiagudas de uma fortaleza. O piar grave de um mocho de olhos esbugalhados, empoleirado num galho de uma árvore seca à beira do caminho, fez com que o cavalo se empinasse assustado. O cavaleiro susteve-o pelas rédeas acalmando-o com palavras breves.

Retomaram a marcha e passando a ponte levadiça da fortaleza, que foi baixada lentamente, transpuseram o fosso circundante, passaram um enorme pátio iluminado pelo luar e estancaram frente ao enorme e bruto portão do casarão principal.
Luzes não se avistavam para lá das portadas fechadas nem som havia que supusesse vivalma. O cavaleiro berrou:

– Ó da casa! – Berro que se prolongou num eco pelas ameias da fortaleza.
Respondendo, o portão começou a abrir-se num vagar rangente dos seus gonzos ferrugentos, numa desgraçada chiadeira.

Segurando a candeia de luz tremeluzente por baixo de um narigão vermelhusco e verrugoso, um corcunda de idade avançada assomou pela frincha do portão e continuando a abri-lo disse: – Boa-noite senhor! Esperam-vos.

Avançando, o cavaleiro desmontou passando as rédeas do equídeo ao porteiro e, passando a entrada, encaminhou-se em direcção a uma ténue luz que se coava através de uma porta entreaberta. Empurrou-a e entrou num amplo salão. A um canto, uma enorme lareira queimava grossos troncos de árvores centenárias. Uma única luz pairava criando ambiente. Ao meio, três homens de idade imprecisa, de longas barbas brancas, envergando longas túnicas vermelhas, circundavam, sentados em fortes cadeiras de alto espaldar, uma mesa-redonda, sólida e maciça.

À entrada do cavaleiro, que ostentava longas barbas brancas e envergava uma túnica idêntica aos outros três, os mesmos levantaram-se cumprimentando-o sobriamente, com uma ligeira inclinação de cabeça, voltando em seguida a sentar-se.

Uma cadeira encontrava-se vaga. Estava-lhe reservada. Sentou-se. Após um curto silêncio, o mais velho dos cavaleiros, aquele que ostentava as mais bastas barbas, usou da palavra com voz grave dizendo:

– Há séculos que te esperávamos. Finalmente que nos conseguimos reunir, em círculo dentro de um quadrado perfeito. A partir de agora podemos finalmente tomar decisões que já tardavam para este terceiro milénio.

*Escrito sem a aplicação do novo acordo ortográfico

You may also like...

Deixe um comentário