Opinião: A responsabilidade penal dos menores em Portugal
Raquel Torres |Advogada
raqueltorres.adv@algarve-vivo
Em Portugal, é considerada criança todo o ser humano menor de 18 anos. Com a maioridade civil passa-se a ser considerado adulto sem restrições, já nada é vedado. Votar, tirar a carta de condução, viajar sozinho para fora do país sem autorização, comprar álcool e tabaco e ser eleito para deputado são alguns exemplos daquilo que a maioridade traz consigo.
No entanto, logo a partir dos 16 anos, há algumas decisões e escolhas que os jovens passam a poder fazer, tais como celebrar negócios jurídicos que estejam ao alcance da sua capacidade natural e que digam respeito aos rendimentos do seu trabalho e atos típicos da sua vida corrente. Os jovens com 16 anos passam a poder trabalhar, e é também com esta idade que relações sexuais com pessoas maiores de idade passam a ser legais (desde que consensuais e tendo em consideração o artigo 173.º). Os jovens com 16 anos passam também a ter direito de fazer as suas escolhas relativas a liberdade de consciência, de religião e culto, assim como a ter o direito de abortar sem precisar de autorização parental em certos casos previstos na lei, entre outros.
Como é normal, os direitos vêm acompanhados de deveres e, se consideramos estes jovens capazes de conduzirem as suas vidas e fazerem escolhas, muitas delas mais relevantes do que aquelas que só são possíveis com a maioridade, não podemos deixar de os considerar capazes de distinguir o certo do errado e de se comportarem de acordo com aquilo que a sociedade exige. Os 16 anos são, assim, a idade estabelecida para a maioridade penal, ou seja, a partir da qual passam a ser criminalmente responsáveis.
O que quer dizer que, em Portugal, apenas os jovens com idade inferior a 16 anos são penalmente inimputáveis, não podendo ser levados a julgamento e condenados a uma pena pelos crimes praticados.
“Inimputabilidade não equivale a irresponsabilidade”, tal como ensina José Adriano Souto de Moura. E, nesse sentido, o legislador criou regimes legais diferenciados com finalidades distintas para os factos ilícitos qualificados como crime, praticados por menores entre os 12 e os 16 anos. Vejamos:
A inimputabilidade pura só existe abaixo dos 12 anos, havendo nestes casos uma intervenção meramente protetiva, por aplicação da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo. Esta Lei tem objetivos exclusivamente de proteção, presumindo-se que, abaixo daquela idade, não há ainda capacidade de distinguir com clareza os conceitos de certo e errado, assim como também não é possível uma consciência plena do mal praticado.
Nestes casos, a culpa é mais atribuída à família do que ao próprio menor, porque se entende que aquela falhou no seu papel de educar. Estes menores são, por isso, considerados como menores em perigo e a intervenção das autoridades tem como finalidade proteger e não castigar estes jovens.
Entre os 12 e os 16 anos de idade, continuamos a estar perante menores inimputáveis em razão da idade, mas considera-se que estes jovens, para além das necessidades protetivas, têm, sobretudo, necessidades educativas. Mais do que protegidos, precisam ser educados para o direito.
E, por isso, quando os jovens entre os 12 e os 16 anos praticam factos qualificados como crime à luz da lei penal, o Estado tem o direito de intervir corretivamente na sua formação, responsabilizando-os pelo dano social provocado, mostrando-lhes que a sua conduta não é tolerada pela sociedade em que se inserem e educando-os para o respeito pelas normas e valores fundamentais de uma vida em comunidade.
Para o efeito, o legislador criou a Lei Tutelar Educativa que tem uma finalidade eminentemente pedagógica e não punitiva, pretendendo conquistar o jovem para o respeito pelas normas, prevenindo a prática de novas infrações, sem esquecer a proteção e segurança de toda a comunidade.
Por se considerar que estes jovens ainda se encontram em plena formação da sua personalidade, nem sempre conseguem controlar os seus impulsos e avaliar as consequências dos seus atos e carecem de maturidade emocional e de um grau suficiente de entendimento e autonomia da vontade para serem responsabilizados criminalmente, a Lei Tutelar Educativa dispõe de um conjunto de medidas aplicáveis, que vão desde a admoestação, passam pelo acompanhamento educativo e acabam no internamento, como medida mais grave, cabendo ao juiz a escolha da medida mais adequada.
A intervenção tutelar visa, assim, a educação do menor e não o seu sancionamento ou a sua punição pela prática de facto ilícito, e, por isso, recorre a medidas não penais, mas, ainda assim, responsabilizantes.
Já os jovens com idade entre os 16 e inferior a 21 anos, chamados jovens adultos, são considerados imputáveis e estão à mercê da justiça penal dos adultos, porque se assume que já possuem uma liberdade e um conhecimento suficientes para avaliar as consequências das suas decisões.
No entanto, não se diga que o legislador ignorou a juventude destes imputáveis e para evitar uma transição radical, criou o Regime Penal Aplicável a Jovens Delinquentes.
Por se entender que esta faixa etária corresponde a uma fase de latência social que potencia a delinquência, o legislador concedeu-lhes também um certo nível de proteção, uma maior tutela, um tratamento mais brando, com um efeito eminentemente ressocializador.
O que significa que estes jovens, entre os 16 e os 21 anos, apesar de imputáveis para efeitos de responsabilidade penal, julgados e condenados no tribunal penal tal como os adultos, quando condenados em penas de prisão, devem beneficiar de uma atenuação especial da pena, porque, se impõe, nestes casos, o efeito ressocializador aos demais fins das penas.
A juventude, tal como defende o Direito Internacional, caracteriza-se por ser uma etapa inicial do crescimento, necessitando, por isso, de atenção e assistência especial para o desenvolvimento da sua personalidade. A pena de prisão deve ser aplicada a estes jovens adultos como último recurso e sempre pelo mínimo tempo possível, devendo, nestes casos, os jovens ser colocados em prisões separadas dos restantes reclusos.
Esta última regra é frequentemente violada pela maioria dos países, Portugal incluído, apesar das várias recomendações internacionais nesse sentido. O Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes (CPT) já alertou para o facto de que “acomodar juntos um jovem e adultos inevitavelmente traz consigo a possibilidade de dominação e exploração”.Também o Comité dos Direitos da Criança deixou claro que a “colocação de crianças (entre os 16 e os 18 anos) em prisões de adultos compromete a sua segurança, bem-estar e futura capacidade de permanecer livre do crime e reintegrar-se”. O facto de estarmos a lidar com seres ainda em formação não pode nunca ser ignorado.
Atualmente é mais do que ponto assente que a idade está intrinsecamente ligada ao cometimento do crime. É pacificamente aceite que é nos anos da adolescência e nos primeiros anos da vida adulta que se verifica o pico da atividade criminal, tendo esta uma tendência para ir diminuindo à medida que o indivíduo vai envelhecendo.
Com a maturidade vêm também mais responsabilidades que deixam de ser compatíveis com uma ‘carreira’ criminosa, como um emprego ou a constituição de uma família. Passa a haver também mais consciência dos riscos e um maior receio das suas consequências. O crescimento traz maturidade e a rebeldia tende a ficar para trás.
A ausência de laços familiares e de uma vinculação firme à sociedade são igualmente fatores que, a par da idade, podem dotar o indivíduo de uma maior predisposição para a prática criminal.
Uma criança que desenvolva um vínculo dito normal, saudável e forte com os pais, desde o início da sua vida, respeitará as regras por estes impostas e, mais tarde, terá maior facilidade em se conformar e respeitar as normas sociais, quer em ambientes como a escola, quer na sociedade em geral.
Por outro lado, quando estamos perante lares destruturados e disfuncionais, muitas vezes combinados com situações de grande pobreza e desemprego, onde as crianças são negligenciadas, sofrem de carências afetivas graves, de supervisão e comunicação familiar, inevitavelmente, estão mais propensas a delinquir.
Essa probabilidade aumenta quando existem maus tratos e violência familiar, quando as crianças e jovens não podem recorrer aos pais quando precisam, quando não têm na sua casa o seu lar, o seu refúgio.
A família é o primeiro mundo que conhecemos, é o primeiro e principal exemplo que temos e quando esta falha no seu papel educativo, não conseguindo transmitir os valores necessários para se viver em comunidade, os menores terão muitas mais dificuldades em apreender as regras por que se rege a sociedade e viver de acordo com elas. Essa dificuldade agravar-se-á quando os menores já convivem com práticas contrárias ao Direito, crescendo com a ideia de que essas práticas são normais, tendendo a repeti-las.
Também a pobreza é inevitavelmente uma causa da delinquência. Esta condição pode ter efeitos no rendimento escolar, no grau de instrução que as crianças conseguem alcançar e até na sua saúde física e mental.
Quando se nasce e cresce num ambiente de grande pobreza facilmente se cria a ideia de que trabalhar muito e seguir as regras não é suficiente para ter a vida que se deseja. Assim, os jovens, movidos por essa ânsia de riqueza e também por uma certa revolta por sentirem que não têm as mesmas oportunidades que os outros jovens, recorrem a meios ilegítimos para obterem benefícios que, de outra forma, não conseguiriam ou levariam mais tempo para alcançar.
O que não significa que os jovens que cresçam num ambiente familiar saudável e desafogado financeiramente não possam também desviar-se do caminho certo. A adolescência é, por si só, uma fase delicada, de total vulnerabilidade e impulsividade, onde a propensão para assumir riscos e não medir as consequências é maior, podendo originar comportamentos de risco e de infração à Lei.
Por tudo isto, termino citando Oscar Wilde, porque acredito que “A melhor maneira de tornar as crianças boas, é torná-las felizes”.