Opinião | Do mau estado da nação portuguesa

Pedro Manuel Pereira | Historiador


“(…) 90% da população portuguesa vive acarneirada pelo Medo. O medo de perder a liberdade ou de perder o pão, o medo de comprometer o futuro dos filhos ou de ser referenciado pela polícia. E com medo não reage, não pensa, não obedece aos ditames da consciência, nem sequer se furta às manifestações que lhe exigem como condição de segurança individual (…) Uma censura montada para decapitar valores, encobrir escândalos e defender a intangibilidade dos governantes (…) um Exército com a sua organização moral desmantelada por perseguições e favores, amputado dos melhores valores e quase reduzido a tropa cinzenta de ocupação; finalmente, o Medo, a grande instituição do sistema, aprisionando todos os espíritos, esmagando as almas, calando os próprios queixumes da fome e da miséria. E sobre este panorama, pairando a grande altura, também como instituição personificada, a figura intangível do Chefe – o nosso salvador, o maior de toda a História, o homem da última palavra, depositário de todas as verdades e de todos os poderes (…)”.

In Crónica de Horas Vazias, Henrique Galvão *, Livraria Popular Francisco Franco, Lisboa, s/d. (escrito em 1952 nas prisões de Caxias e Aljube).

O Capitão Henrique Carlos da Mata Galvão nasceu no Barreiro em 4/2/1895 e faleceu exilado em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil, em 25/6/1970. Participou na instauração da ditadura militar resultante da revolução do 28 de Maio de 1926 onde se destacou e que abriu as portas ao Estado Novo de Salazar. Foi administrador do Concelho de Montemor-o-Novo, Governador de Huíla, Angola, inspector colonial, tendo nessa qualidade percorrido os territórios ultramarinos portugueses, foi também director da Emissora Nacional, foi eleito deputado à Assembleia Nacional, por Moçambique e um brilhante escritor, hoje, injustamente esquecido, tendo deixado uma vasta obra publicada, desde relatos de viagens a romances e outros.

A sua “Exposição do Deputado Henrique Galvão à Comissão de Colónias da Assembleia Nacional”, apresentada em 22 de Janeiro de 1947, foi o principal motivo para o rompimento com o Estado Novo, tendo culminado com a expulsão do Exército por conspirar com outros militares contra o regime. Assim, em 1958 apoiou a candidatura presidencial do General Humberto Delgado.

Insurgente contra o rumo que os acontecimentos políticos haviam tomado após a instalação no poder de Oliveira Salazar, contra a corrupção e a venalidade dos dirigentes do aparelho do Estado, desmandos a que o Chefe (Salazar) fazia «vista grossa» e, sobretudo, depois que Henrique Galvão os denunciou quer aos seus superiores quer em escritos publicados em jornais, muito embora fosse um fervoroso católico e anticomunista, de nada lhe valeu o seu currículo passado, quer como militar quer como político, quando com outras personalidades descontentes com o regime, foi preso, como se de um malfeitor se tratasse, bem assim como os restantes indivíduos que com ele se encontravam na altura, por terem constituído uma organização cívica denominada OCN – Organização Cívica Nacional, nos termos da Lei e da Constituição. Tinha essa embrionária associação as suas instalações num modesto gabinete de um quarto andar da Rua da Assunção, em Lisboa. Mais tarde, tendo fugido sobre prisão, do Hospital de Santa Maria, exilou-se na Venezuela.

Em Janeiro de 1961, juntamente com outros exilados políticos portugueses, organizou e comandou na que designou por “Operação Dulcineia”, o assalto ao paquete Santa Maria, em pleno alto mar, após uma escala na sua viagem para a América Latina, tendo-se tornado mundialmente conhecido.

Este incidente, na época, mobilizou a atenção dos portugueses, bem assim como do resto do Mundo para a ditadura de Salazar, tendo este acontecimento precedido, ou antes, introduzido a prática, que anos mais tarde viria a ser difundida internacionalmente, do sequestro de navios e aviões com fins políticos. Nesse ano, teve início a guerra colonial em Angola, que iria alastrar-se a Moçambique e Guiné e duraria treze anos.

Era o início do fim do império português.

  • Artigo escrito sem a aplicação do Novo Acordo Ortográfico.

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