José Augusto: “O propósito da minha carreira foi sempre servir o Portimonense”

Texto: Hélio Nascimento | Fotos: D.R.


José Augusto jogou à bola no Portimonense, menino e moço, dando assim início a uma ligação duradoura, com mais de vinte anos na área técnica. Agora, aos 51 anos, deixa o cargo de diretor do futebol de formação, determinado a voltar “a construir as minhas ideias”, como conta ao Portimão Jornal.

O que o levou a abandonar o Portimonense, após tantos anos de profunda ligação?
A minha relação continua a ser profunda com o clube, pelo qual me apaixonei. O Portimonense é mesmo a grande paixão da minha vida, além do amor que tenho pela família. O propósito foi sempre o de servir o clube, estar pronto para essa missão, e, nos últimos 20 anos, sempre que mo pediram, nunca pus isso em questão. Agora, quando as ideias começam a ser um pouco diferentes naquilo que é a minha filosofia e maneira de estar, e quando digo isto não quero dizer que as minhas sejam melhores e as da direção piores, não é nada disso, são apenas ideias, decidi fazer uma pausa e redefinir a minha carreira. Tenho de me sentir vivo. Sinto que deixo legado no clube e na formação, sou uma pessoa muito competitiva e em 2019 o objetivo era colocar o clube nos seis melhores a nível de formação em Portugal, o que se calhar era ambicioso demais, mas é a minha filosofia de vida.

Como explica ter desempenhado tantos cargos?
Vem na continuidade do que dizia, com uma filosofia de liderança, simples, que consiste em mobilizar e agregar pessoas à minha volta e traçar planos e objetivos. Fui preparador físico, adjunto, treinador principal, coordenador, responsável pelo ‘scouting’, diretor desportivo, sempre com total dedicação, desde 2002, quando comecei este caminho, com o professor Zé Tó, pessoa que considero meu mentor, na universidade e no clube.

Como diretor do futebol de formação, o que encontrou em 2019 é muito diferente daquilo que deixa?
Em todas as realidades as organizações vão crescendo e vão estagnando. A que encontrei em 2019 era uma boa base e nós demos continuidade, com cunho pessoal, principalmente em evitar que o departamento de futebol de formação não fosse muito dependente financeiramente do clube, criando estratégias, como desenvolver uma vertente turística, com torneios internacionais, alugueres de campo e academias por cá a estagiar, às vezes recorrendo aos nossos treinadores. Criámos bases sólidas e realizámos obras interessantes, com estratégias para perceber como posso ajudar o clube e a cidade e em que todas as pessoas tenham uma envolvência maior. E que o futebol do Portimonense saísse do Major David Neto para todo o mundo, para a Austrália, Canadá, Estados Unidos, se calhar para mais de 50 países com quem tivemos e temos ligações.

Hoje há mais atletas e mais equipas?
Subiu o número, com a introdução do futebol feminino e do futebol sénior, para além de outras situações que potenciaram coisas que já estavam em andamento, do tempo do Zé Tó, do Carrilho e do Mangas, e também com o presidente Fernando Rocha. A minha equipa ajudou a desenvolver todo um árduo trabalho e a colocar um cunho especial, traduzido, inclusive, nos cerca de 650 atletas que o clube tem.

Em termos do futebol profissional também deixou a sua marca?
Tratou-se de mais uma missão que me foi pedida na altura, quando assumi a equipa nas últimas oito jornadas da II Liga. No final de um jogo em Chaves os próprios jogadores chamaram o investidor principal e disseram-lhe que achavam que eu tinha o perfil indicado para ficar como treinador principal. Foi um momento único, no início da SAD, em que tive o apoio de todos. Naquela época (2015/16) o objetivo nem era a subida, fizemos um brilharete na Taça da Liga e na Taça de Portugal e depois, com uma pontinha a mais de sorte, tínhamos colocado o Portimonense na I Liga e para a minha carreira seria um salto qualitativo enorme. Mas também senti que nesse ano o clube ficou mais preparado para a subida de divisão, com coisas simples, mas significativas, como a nutrição, os campos de treino, o departamento médico. Se calhar deixei algumas sementes que as pessoas souberam aproveitar e fazer crescer o Portimonense, que é hoje deveras respeitado, esteve sete anos na I Liga e vai reerguer-se de imediato.

A recente descida não é um problema?
Os outros também vão subindo e descendo. O Portimonense organizou-se muito bem e às vezes tem de competir de forma desigual, face a outros fatores, como os salários em atraso de alguns adversários, em que sai prejudicado, porque cumpre a horas e dá excelentes condições, sendo um exemplo para muitos. Estando a estrutura montada, quando desces é mais fácil voltar a subir. Foi um percalço e vai voltar rapidamente.

Os adeptos é que tardam em vestir mais a camisola…
Portimão tem uma cultura que temos de perceber, em que grande parte dos seus adeptos são do Sporting e do Benfica. Isso, creio, tem muito a ver com as críticas, pois sempre vestiram uma camisola acima da do clube da sua cidade. Foram sete anos de I Liga, não me lembro de um período igual, em que angariou respeito, criou estruturas, fez vendas e tudo isso foi importante. Um senão: o pormenor da comunicação falhou. Parece que temos dois Portimonenses, um da SAD e o outro do clube, uma situação descabida. O Portimonense é só um, com uma estrutura profissional e outra amadora. Há mais casos no país de equipas com adeptos menos ferrenhos, à exceção, se calhar, dos nossos vizinhos do Farense, do Guimarães e pouco mais. Oxalá as próximas gerações sejam diferentes, mesmo através das grandes fontes de emigração, que podem incutir nos filhos o gostar do clube, numa cultura de paixão ao que é local.

Tem algum momento que guarde com mais paixão?
São vários, mas lembro-me de uma subida de divisão dos juniores, na Madeira, que me marcou bastante. Era coordenador e treinador dos sub-19, as condições não eram as melhores, mas o grupo de pessoas e atletas fizeram acontecer algo que ninguém esperava. Foi um momento marcante, em que consegui mobilizar e agregar essas pessoas e isso deixou-me confiante. O futebol é feito por rapazes e raparigas, homens e mulheres, e são essas pessoas que nos podem levar ao sucesso.

Qual o melhor jogador que dirigiu?
É difícil responder. O melhor grupo, aquele que realmente senti que ‘comprava’ as minhas ideias e no qual eu era mais um, foi quando a equipa esteve quase a subir à I Liga. Tinha vários jogadores incríveis, o Jadson, os guarda redes Ricardo Ferreira, Carlos Henrique e Leo, o Fabrício, Zambujo, Ivo Nicolau e o capitão Ricardo Pessoa. Era cruel dizer que tive um super jogador, mas esse grupo marcou-me. Havia uma mescla de residentes e de outros que não eram de cá, que funcionou, e eles perceberam o que eu queria e que tinham valor para fazer coisas bonitas.

E agora, o que vai fazer da sua vida?
Tranquilizar, desconstruir e voltar a construir as minhas ideias. Estou a tirar alguns cursos online (José Augusto tem o curso UEFA Pro, a par de outras valências na área da educação física), dedicando muita atenção ao desenvolvimento pessoal, incluindo o das pessoas com quem trabalhas dia a dia, para lá das questões técnico-táticas. A pressão de hoje é tão grande que os jogadores vão precisar de alguém que os ajude e estou a preparar um trabalho sobre o tema ‘Os jogadores inteligentes em clubes de elite – estratégias para o sucesso’. Abordo a inteligência emocional, social, porque o futuro passa por aí. Os jogadores têm ferramentas físicas, técnicas e táticas, mas a outra parte é uma lacuna. Ao mesmo tempo, não descuro uma proposta, perspetivando, talvez, uma carreira lá fora, o que queria experimentar, até porque a minha família está preparada para isso. Aos 51 anos, o dinheiro é importante, mas não é tudo. Se esse projeto tiver de ser nas Arábias, em Angola ou Moçambique, numa escolinha ou aqui… importa é o projeto e que eu me sinta valorizado e pronto a valorizar as pessoas à minha volta.

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