‘A Rocha’ nasceu em Portimão há 40 anos

TEXTO E FOTOS: José Garancho


Hoje, ‘A Rocha’ encontra-se espalhada pelo mundo, em mais de 20 países, mas foi na freguesia da Mexilhoeira Grande que o pastor anglicano Peter Harris a iniciou, mais precisamente na Cruzinha, Quinta da Rocha, de onde retirou o nome, em 1983. O seu objetivo era incluir a conservação da natureza na agenda social da igreja, tendo escolhido um país que, na altura, pouca atenção prestava ao ambiente e à sua defesa.

Peter Harris não era um cientista, mas um pastor anglicano com formação nas áreas de teologia e literatura inglesa e uma grande paixão pela conservação do mundo natural. Tinha como passatempo a ornitologia. E também adorava fotografia.

“Foi no Algarve que aprendeu a anilhar aves, com uma cidadã britânica residente, que era anilhadora credenciada”, diz o engenheiro Marcial Felgueiras. “Durante os primeiros sete ou oito anos, o centro apenas se dedicou à ornitologia, sendo responsável por cerca de 80% de anilhagem no nosso país”, acrescenta.

Depois, foram estabelecidos protocolos para outras atividades. Quando ‘A Rocha’ começou a ser conhecida e chegaram estudantes e investigadores, foi iniciado o estudo de plantas, insetos e tudo o mais e, de seguida, veio a expansão. Excetuando Portugal e França, todos os centros se iniciaram como iniciativas locais, embora com base no livro que Peter Harris publicou em 1992, contando a história da primeira década do projeto”.

“A preocupação com a conservação da natureza está na génesis da organização. Passámos a não estar apenas preocupados com o meio local, mas também a nível nacional. Contudo, não descuramos a parte local, que é a mais importante e está ao alcance do braço”, afirma.

Assim, contribuíram com muitos dados científicos para a atribuição da Natura 2000 à Ria de Alvor. “Sabemos que a vida nunca é feita de atos isolados. Tal como no mundo natural, as relações ecossistémicas estão cá. Somos uma organização de proteção da natureza e temos de lutar com critérios fidedignos e objetivos, nomeadamente científicos. Tome, por exemplo, uma zona muito verde e bonita. Se tudo o que lá existir forem espécies invasoras, ou só relvado, não tem interesse. Se tiver bosques naturais, ou árvores e arbustos que criam habitats que são objeto de conservação, vamos lutar por isso. Mas não conseguimos estar em todo o lado. Não há uma organização no mundo, por mais poderosa que seja, financeiramente, que consiga proteger tudo”, avança.

Para este investigador, dizer que só se preocupam com o ambiente é aceite, “se colocarmos o homem como parte integrante desse ambiente, uma vez que todas as alterações acabam por afetar as pessoas”.

‘A Rocha’ sempre disseminou informação sobre todos os projetos em que esteve envolvida. “Colocamos todos os nossos dados à disposição da Academia, para todos em conjunto podermos contribuir para a preservação de algo. O que fizemos em relação a Alvor foi partilhar tudo o que tínhamos com o organismo do Governo encarregado da conservação da natureza. E sempre com a Academia. Temos excelentes relações com universidades portuguesas e estrangeiras”, atesta ainda o engenheiro.

Declínio agrícola também prejudica biodiversidade
Segundo Marcial Felgueiras, a maior relação entre homem e natureza processa-se através da agricultura. “As boas práticas agrícolas são amigas do ambiente. Tanto o abandono das terras, como as más práticas agrícolas, intensivas e abusando dos produtos químicos, são nocivas”. E dá como exemplo as culturas intensivas de frutos vermelhos, no Sudoeste Alentejano, onde os apicultores se recusam a colocar as suas colmeias, porque as abelhas morrem a um ritmo muito elevado.

‘A Rocha’ está a alertar a comunidade educativa, através dos trabalhos de educação ambiental, para o grande declínio que os polinizadores estão a sofrer a nível global. “Um pesticida largado a 10 quilómetros de uma zona protegida vai afetá-la, devido à ação dos ventos. E, sem polinizadores, não vai haver agricultura”, diz, recomendando que se tenha flores nos quintais e varandas, para os ajudar a sobreviver.

O rosto da associação

Marcial Felgueiras é licenciado em Engenharia Agrícola pela Universidade de Évora e mestre em sistemas de rega e ambiente pelo mesmo estabelecimento de ensino, versando o impacto que as alterações no uso dos solos tiveram nas populações de aves.

Vem preparando, há cerca de dez anos, um doutoramento sobre a influência que têm para as populações de aves as mudanças que acontecem no uso dos solos.

Embora diretor executivo da organização, continua muito ligado ao centro, desde 1992, local privilegiado onde estudantes e investigadores de todo o mundo vêm fazer as suas pesquisas. Também é um interlocutor respeitado e requisitado em disputas ambientais a nível nacional, incluindo o problema do aeroporto do Montijo, sobre o qual afirma à Algarve Vivo que “é um perigo para os passageiros descolar e aterrar desse local”.


BREVES

Telemóvel versus ambiente
“Façam os telemóveis durar o máximo de tempo possível, se quiserem ser bons para a natureza”, diz o investigador. “Para haver telemóveis, são necessários minerais raríssimos. Leva à destruição da biodiversidade em países como o Congo e à destruição social, quer por pequenas guerras provocadas, quer por novas escravaturas”.


Da Mexilhoeira Grande para o mundo
O pastor anglicano Peter Harris notou que, embora os cristãos falassem muito sobre um Deus criador, pouco faziam acerca dessa criação. Tentou encontrar um modo de envolver os cristãos com a natureza. Embora, no início, África estivesse no seu pensamento, acabou por escolher o Algarve para iniciar a sua obra, que depois foi espalhando pelo planeta, encontrando-se atualmente em mais de 20 países e envolvida em ações que vão do Programa Global de Conservação Marinha ao Programa Florestal Africano.

A Rocha

Cruzinha, Apartado 41, Mexilhoeira Grande, Portugal

TLF: 282 968 380

EMAIL: portugal@arocha.org

www.arocha.pt

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