Águas da Cruz: “Há necessidade de reformular a União Europeia”
TEXTO: ANA SOFIA VARELA
Advogado acredita que um dos grandes inimigos destas Eleições Europeias será a abstenção, por isso apela ao voto. Em entrevista à Algarve Vivo revela o que sentiu quando soube ter sido escolhido para representar a região e partilha a sua visão sobre a Europa atual.
O que sentiu quando foi convidado para integrar as listas?
Senti uma grande honra pelo convite do secretário-geral do Partido Socialista, António Costa. Por um lado, senti que posso ser útil para ajudar a que a Europa se desenvolva de uma forma mais solidária, mais justa, mais equitativa, porque estes valores também estão na minha matriz. Por outro lado, senti que posso ajudar de alguma forma a prevenir para que as ameaças que pairam sobre a Europa não venham a acontecer. É um modesto contributo, é certo e tenho a noção clara desta modéstia.
Quais são as suas expetativas para estas eleições europeias?
Vejo-as como um desafio enorme, mas também com alguma apreensão. Há a necessidade de reformularmos a União Europeia, dando mais foco às políticas sociais. Por isso, apresentamo-nos com um novo contrato social para a Europa, com mais emprego, mais igualdade e contas certas. O Relatório da OCDE, recentemente publicado, evidencia a situação particularmente grave da classe média, que tem sido a grande vítima das políticas neoliberais praticadas ao nível da governação da União Europeia.
A abstenção é um grande entrave?
Não consigo entender como é possível que as eleições europeias tenham tão baixa participação e é um abaixamento sustentável, porque a cada cinco anos há eleições e vamos tendo menos votantes. Em 2014, tivemos 33,84 por cento de votantes contra 66,16 por cento de abstenção. E no Algarve, uma região cosmopolita, que recebe turistas, que partilha o espaço, o território e a cultura com os turistas, tivemos uma abstenção cinco por cento acima da média nacional. Ou seja, 71,45 por cento de abstenção nas últimas eleições.
Então deduzo que está a apelar ao voto durante esta campanha…
Para mim, é tão ou mais importante o apelo ao voto do que propriamente enunciar as políticas, embora tenhamos algumas extremamente interessantes. Assentam na questão social, do desenvolvimento e do ambiente. Aproveito para deixar o meu tributo aos jovens, considerando notável o dia de greve. É uma luta pela positiva, e significa que a juventude está atenta às condições climáticas e à sustentabilidade do planeta. Esta é uma questão que está na agenda 20/30 das Nações Unidas. E no Algarve somos altamente vulneráveis. Estamos expostos. Os fenómenos derivados das alterações climáticas são hoje evidências, acontecem no nosso dia a dia e são uma realidade à qual, às vezes, não damos a devida atenção. O objetivo da candidatura do Partido Socialista é também implementar políticas de sustentabilidade.
Qual tem sido o seu contributo?
O meu contributo tem sido agir local, até porque esta escala, do meu ponto de vista, é fundamental. A democracia, a nível local, pode ser exercida pela proximidade, pela participação, pela confiança que temos na governança. E é mais fácil depois transpor para experiência nacional e da União Europeia. E os cidadãos da Europa hoje estão zangados, sendo o grande desafio que se coloca à Europa o de reconciliar-se com os seus cidadãos.
Estão zangados porquê?
Por várias razões. Neste momento, se a classe média, que é a mais importante em todo o sistema, vai baixando, perde importância. Se perde importância, fica mais vulnerável à própria democracia, porque as pessoas revoltam-se, porque criaram expetativas. Depois há questões como a desigualdade, com uma classe média empobrecida, sem expetativa. Queremos ascender. É a ambição humana e é perfeitamente legítima. A minha missão aqui também é dar o contributo num momento particularmente grave que a Europa atravessa. Como europeísta convicto não podia ficar de fora. O meu contributo é alertar para as ameaças e preparar as pessoas para os desafios.
A crise, aliada à falta de informação, motivou o novo fulgor destes movimentos?
O problema, não só em Portugal, mas em toda a Europa, é as Eleições Europeias serem vistas como uma eleição menor, porque está distante. Os europeus votam em função do juízo que fazem sobre as políticas praticadas por quem está no poder em cada um dos estados membros. A leitura de alguma história diz-nos que, quando está no poder um determinado estado membro, em regra perdem-se as eleições.
Ainda há muitos desafios, como a desertificação do interior?
O problema são as assimetrias regionais, tanto no território nacional, como no Algarve, com a diferença entre litoral, barrocal e serra. Agora estamos em ‘fasing out’, porque na região estamos 75 por cento acima da média europeia. Há, portanto, um conjunto de projetos que nós não poderemos submeter aos fundos de coesão, o que nos prejudica. A nível social e infraestrutural estes foram decisivos. Normalmente, olhamos para a Europa como o parente rico que dá algum dinheiro para nos irmos mantendo, mas isso não é correto. Era importante que nós nos sentíssemos cidadãos europeus, que houvesse uma relação de pertença com a União. Isso falha pela falta de proximidade, de participação e de confiança.
Será uma aposta mais virada para a formação e capacitação?
Hoje temos que formar as crianças para profissões que não imaginamos que vão existir, quando elas estiverem na idade adulta. O desafio será a formação ao longo da vida. Se tivermos uma base educativa e cultural sólida temos mais facilidade em incorporar a mudança e a inovação, até porque hoje também não há empregos para a vida.
Há problemas transversais na Europa?
O grande desafio que o Partido Socialista coloca agora é o de transpor o modelo que foi um sucesso em Portugal para a Europa. Aliás, a OCDE recomenda aos governos que estes desenvolvam e estimulem políticas sociais. “Os governos devem ouvir as preocupações das pessoas e proteger os padrões de vida da classe média o que ajudará a impulsionar o crescimento, inclusivo, sustentável e a criar um tecido social mais coeso e estável”. Daí o nosso foco. Por exemplo, há um problema transversal que é o da habitação. É onde as famílias aplicam um terço do rendimento do agregado familiar, quando nos anos 90 era um quarto. Os preços das casas triplicaram em relação à renda média do rendimento das famílias nas últimas duas décadas. São dados demolidores. São necessárias soluções a nível da Europa e não estritamente de cada país membro. Também não faz sentido que os casais retardem o momento do casamento e da constituição de família devido a instabilidade. Por um lado, a questão da habitação, e, por outro, os apoios sociais para a infância, que não há. Isto além dos péssimos salários dos jovens, apoiados num trabalho sem direitos, que é inaceitável na Europa.