Arvad: Em Lagoa nasce mais um vinho para o Arade
Texto: Rafael Duarte | Fotos: Kátia Viola
Com vista para o rio Arade, nasce em terras algarvias, mais propriamente no concelho de Lagoa, mais um produtor vinícola. Arvad, nome inspirado na história dos fenícios, quer agora estar bem presente nas mesas dos portugueses, num investimento que já atingiu os quatro milhões de euros.
“O local onde temos as vinhas é único. O projeto é completo porque também quer apostar no enoturismo. Queremos juntar a experiência de alojamento ao vinho e à natureza”, explica Mariana Canelas, que coordena a quinta e faz-nos a apresentação de um dos mais recentes produtores de vinho no Algarve, situado em Estômbar.
Começou por ser uma propriedade dedicada à área da agricultura e agropecuária, mas em 2016 tornou-se numa produtora de vinho. “Pedro Garcia Matos comprou a propriedade há alguns anos com essa ideia, mas acabou por seguir outro caminho. Como é muito amigo do Bernardo Cabral, o nosso enólogo, mostrou-lhe o terreno e ele também ficou apaixonado com a localização. Foi assim que acharam que era o sítio ideal para criar uma vinha e avançar com um projeto de enoturismo”, conta Mariana Canelas, que integra esta aposta desde 2020.
“Onde agora temos a adega, era a vacaria e onde vai ser o hotel era onde estavam os animais”, acrescenta. Decidido qual o caminho a seguir, em 2016 começaram a plantar as vinhas e hoje num terreno de 50 hectares, nove já produzem.
Para dar a esta ideia o nome adequado, contrataram um historiador para investigar todo o passado daquela área.
“Descobriu que há 2 500 anos, os fenícios entravam pelo Rio Arade adentro para fugirem dos piratas e utilizavam-no como um refúgio, que em fenício se diz Arvad. Encontraram o ambiente ideal para fazerem as transações comerciais e foram os primeiros a trazer o vinho dentro das ânforas vinárias. Foi daí que se pensa que o vinho se tenha expandido para o resto do país e inclusive para Espanha. Ou seja, foi a partir do Rio Arade que tudo começou. Decidimos então que Arvad é o nome que faz mais sentido”, explica.
Uma história que agora querem que esteja bem presente sob o lema ‘Somos um vinho feito do correr desse Arade que é história’. E essa forte referência da marca ao passado tem uma justificação.
“Quando dizemos que foi do Rio Arade que começou tudo e foi assim que o vinho foi para o resto de Portugal ou quando dizemos que no Algarve há das vinhas mais antigas do país ninguém acredita, mas é verdade. Há muitas coisas de vinho no Algarve que foram abandonadas por vários motivos e que agora estão a ser recuperadas. Tem todo o potencial para crescer e se afirmar”, salienta a responsável.
Quando surge uma marca nova a primeira impressão é muito importante e, por isso, a Arvad contratou grandes nomes para tratarem da imagem da marca e todo o ‘branding’.
“A Rita Rivotti inspirou-se nessa história dos fenícios, do rio Arade e das ânforas para criar o logotipo. Ela tem feito um excelente trabalho e já ganhou alguns prémios com os rótulos da Arvad. Foi ainda nomeada para os ‘Pentawards’, que são os Óscares mundiais do design”.
E por falar em prémios, em 2019, o vinho ‘Arvad Rosé 2019’ recebeu a aprovação e a Medalha de Ouro numa prova cega realizada pelo prestigiado Fórum de Enólogos. “Foi logo o primeiro vinho que lançámos e claro que foi uma ótima maneira de começar”.
Atualmente, dos nove hectares de terreno, seis são cascas de tinto (Alicante Bouschet, Touriga Nacional e Cabernet Sauvignon) e três são cascas brancas (Alvarinho, Arinto e Sauvignon Blanc). “A propriedade está exposta aos ventos de Norte, o que permite grandes amplitudes térmicas diárias. Por outro lado, por estar situada nas margens do Rio Arade, beneficia de um clima mediterrâneo com influência atlântica”.
Em crescimento
O projeto continua em evolução e já adquiriu mais 12 hectares de vinha, onde começaram a ser plantadas castas de negra mole.
“Para um futuro próximo queremos aumentar a produção. Neste momento temos seis referências e vamos aumentar até porque comprámos 12 ânforas de 750 litros. Vamos ter vinho que não é bem da talha, mas que estagiou em ânfora. Ou seja, é a mesma técnica, mas com material tecnologicamente mais avançado”, conta Mariana, explicando que o objetivo é “conseguir os mesmos aromas e sabores que a talha porque o material é barro”.
Hotel avança
Simultaneamente a equipa está já a planear a construção de um hotel na propriedade. “Vamos começar a construir muito em breve. Será um projeto de enoturismo virado para o vinho, o rio e a natureza”, refere.
A obra deve demorar, pelo menos, dois anos e até lá a equipa aproveita para organizar diversos eventos na adega: “Queremos fazer render o espaço e não só com o vinho. Já começámos a organizar eventos como provas de vinho e vamos continuar nesse caminho”. Um trabalho que já tem recolhido os seus frutos, segundo Mariana.
“O feedback tem sido excelente a todos os níveis. Quem visita a propriedade fica maravilhado com a paisagem, a decoração e a paz que este lugar transmite”.
A viagem para as vinhas
A paixão de Mariana Canelas pelo vinho surgiu na altura que era hospedeira de bordo na companhia aérea Emirates. Como chefe de cabine fazia os cestos dos vinhos no avião e recebia formações sobre o que ia ser servido.
“Comecei a interessar-me nessa altura. Davam-nos a provar grandes vinhos como Chateau Margaux ou Dom Pérignon e eu comecei a aproveitar as viagens que fazia com a Emirates para visitar adegas no Chile, Nova Zelândia, Austrália e África do Sul”, recorda. 11 anos depois decidiu deixar a profissão e frequentar um curso de sommelier no Peru para aprender mais sobre os vinhos.
“A duração do curso é de um ano, mas a três meses do final apareceu a pandemia e fiquei quatro meses presa no Peru com os aeroportos fechados. Ainda assim consegui voltar antes de começar a vindima e aproveitei para procurar um estágio no Algarve porque nasci em Portimão e pretendia esse regresso a casa”.
Foi assim que chegou à Quinta da Vinha – Vinhos Cabrita, em Silves, onde fez um estágio de enologia e daí partiu para uma nova experiência na Arvad.
“Na altura, a Arvad estava a lançar os primeiros vinhos e conheci o enólogo Bernardo Cabral e o dono Pedro Garcia Matos. Convidaram-me para trabalhar com eles e foi o timing perfeito. Acabei a vindima e juntei-me ao projeto. Como a adega ainda não estava pronta, acompanhei a obra toda desde início, ou seja, desde a vinificação ao início da adega. É bom ver esta evolução e como está a crescer cada vez mais”, sublinha.
Depois de conhecer bem os cantos à casa, faz um balanço positivo: “Vesti a camisola desde o primeiro dia. Ao princípio nem tínhamos distribuidor e eu fazia a parte comercial. Andava a bater às portas dos restaurantes a deixar amostras e agora vejo o produto a crescer. Quando vou a um restaurante e vejo o vinho Arvad até fico comovida. O processo está a ser muito interessante e gratificante”, frisa.
Luís Encarnação, presidente da Câmara de Lagoa
“Somos dos melhores do mundo”
“Há um grande crescimento nos produtores e na qualidade dos vinhos. Não ficam nada a dever aos de outras regiões. Em provas cegas vemos os vinhos algarvios muito bem pontuados. Então se estão entre os melhores do país e os melhores do país estão entre os melhores do mundo, nós somos dos melhores do mundo”, quem o diz, com orgulho, é Luís Encarnação, presidente da Câmara de Lagoa, que também lembra a importância do trabalho que tem sido feito pelas diversas entidades nos últimos anos.
Cada vez mais surgem marcas de vinho no Algarve, e em particular em Lagoa. O autarca recorda que o município já tem história nesta área. “Lagoa tem uma forte tradição vinícola. Temos registos de produção com quase dois mil anos, por isso, faz parte da nossa identidade. Agora, queremos recuperar essa identidade”.
Nesse sentido, em 2016, Lagoa foi Cidade do Vinho e Luís Encarnação destaca essa distinção. “Foi o ponto de partida para o desenvolvimento que o concelho tem vindo a verificar. Em 2016, tínhamos três produtores e agora temos nove”.
A Arvad é um dos projetos mais recentes e vem aumentar a produção vinícola na região, mas a ideia vai além da produção do vinho. “É muito bem-vinda não só pelo vinho produzido, mas sobretudo porque é um projeto de enoturismo num sítio idílico, perto do rio, e aproveitando aquela zona”, destaca o presidente da Câmara, que lembra a importância deste tipo de iniciativas para combater a sazonalidade.
“Infelizmente vivemos bastante com a sazonalidade e, por isso, importa várias estratégias para combater isso. O enoturismo é uma boa opção, tendo em conta que quem viaja com a motivação do vinho fá-lo em qualquer altura do ano. E a Arvad tem essa particularidade porque reforça a oferta turística e numa localização onde ninguém está à espera. Não é na linha da costa, mas sim mais chegado à natureza”.
A Arvad participou mais recentemente no Lagoa Wine Experiences e o autarca, num grupo com cerca de 60 pessoas, aproveitou para conhecer melhor o investimento: “Foram duas visitas no âmbito dessa iniciativa. Fizemos uma visita ao espaço no dia de encerramento, a 13 de novembro, e correu muito bem. Não só pela viagem em si, onde pudemos desfrutar da leveza do Rio Arade e toda a excelência do vinho, mas também pelos equipamentos já construídos percebemos como vai ser a globalidade do projeto”.