As meninas da patinagem artística deixam Ferreiras de coração cheio

Texto: Hélio Nascimento


A patinagem artística proporciona momentos de rara beleza, mas, ao mesmo tempo, é uma modalidade deveras exigente em termos de trabalho, atitude e, até, paciência. As muitas horas de treino e a constante repetição de exercícios fazem pois parte do quotidiano das atletas e treinadoras do Futebol Clube Ferreiras, onde as dirigentes também não se poupam a esforços para ajudar à obtenção dos melhores resultados.

O maior dos sucessos, aliás, é recente: a equipa de formação conquistou a Taça Alentejo Algarve, realizada em 29 e 30 de junho, em Castro Verde. Uma conquista que enche de orgulho as protagonistas e que surge na sequência do desenvolvimento da patinagem no clube e, por tabela, no concelho de Albufeira. A criação da secção data de 2017 e deu corpo à aposta do emblema presidido por António Colaço, no sentido de aumentar a oferta aos jovens com a introdução de mais modalidades.

A Algarve Vivo resolveu fazer uma ‘cimeira’ da modalidade no Pavilhão Desportivo dos Olhos de Água, aproveitando uma das escassas pausas nos treinos, juntando Maria João Santos, diretora da secção de patinagem, Rita Cruz, a coordenadora e treinadora principal, e Sónia Demétrio, vice-presidente das modalidades do Ferreiras, para além de três atletas que estiveram sempre atentas ao desenrolar da conversa. Estas meninas, a Carolina Teixeira, a Sofia Magalhães e a Carolina Grelha, ajudaram a levantar a taça recentemente conquistada e integram o grupo que deixa Ferreiras de coração cheio.

“A patinagem arrancou em novembro de 2017 e é um desporto com pouca visibilidade, daí algumas pessoas pensarem que é uma modalidade mais recente no clube. Estamos em perfeito funcionamento, e, embora com os problemas relacionados com a pandemia, durante a qual houve umas desistências, a verdade é que ressurgimos em força, temos 70 atletas e todos os dias vimos a patinagem a crescer”, assegura Maria João Santos.

Os treinos decorrem no Pavilhão Desportivo dos Olhos de Água, no Pavilhão da Escola Francisco Cabrita em Albufeira e no Pavilhão de Paderne, “aproveitando o que a Câmara Municipal de Albufeira nos consegue ceder, e que, mesmo assim, não é suficiente, em número de horas, para atingir novos objetivos e ir mais além”.

“Trouxemos a Taça para casa”
Na circunstância, desengane-se quem pensa que o clube de Ferreiras é só futebol. “Esta aposta surgiu através da abordagem de atletas que praticavam patinagem em Paderne. Demos assim início à atividade, com a Rita Cruz a lançar e a coordenar a modalidade. Tratou-se de uma proposta interessante, inclusive porque, não obstante o futebol ser a modalidade mais visível, o Ferreiras tem natação, danças, triatlo, andebol e patinagem, com mais de 700 atletas no total”, enfatiza a vice Sónia Demétrio, explicando que o crescimento da patinagem implica “cada vez mais atenção e maior divulgação, até porque os resultados provam que está no bom caminho”.

A treinadora e coordenadora Rita Cruz, um dos pilares deste sucesso, é natural de Portimão e começou a praticar patinagem aos seis anos. Até aos 19 foi atleta de alta competição, representando a Seleção Nacional, e, após um pequeno afastamento, voltou “de alma e coração à modalidade, abraçando este projeto com o firme propósito de ajudar as alunas a evoluir”. Rita tem 33 anos e conduziu estas meninas à conquista da taça, cuja associação engloba as províncias do Alentejo e Algarve.

“Participamos em vários torneios, mas esta é a prova mais importante do calendário. Trabalhámos e treinámos muito, em esforço, com dedicação e empenho, às vezes cansadas, mas trouxemos a Taça para casa”.

Das 70 patinadoras do Futebol Clube Ferreiras, participaram 20 na prova, as que foram selecionadas, num grupo de trabalho que inclui mais três treinadoras: Ana Rita, Catarina Bicho (grupo iniciação) e Daniela Chaparro (solo dance). A patinagem artística no clube tem três vertentes, a livre, figuras obrigatórias e solo dance. 

“A Rita coordena todos os grupos, com a ajuda das outras professoras, porque às vezes até se dá o caso de haver treinos em dois sítios em simultâneo”.

A diretora lamenta que não haja mais treinadoras na modalidade, o que torna complicado o trabalho, face ao tal ‘desdobramento’ de horas e locais a que já aludimos. “Deviam ser efetuados mais cursos, em especial no Alentejo e Algarve. A nossa associação não os tem feito, o que seria muito importante, inclusive porque algumas atletas vão para a universidade e deixam a patinagem, mas, se houvesse oportunidade de tirar o curso, acho que podiam continuar”. A sede da associação, acrescente-se, é em Beja.

Objetivos pequenos para chegar aos maiores
A vice-presidente Sónia Demétrio corrobora a ideia da falta de treinadores, dificuldade a que se associa a gestão do espaço para os muitos treinos da patinagem, que está “quase estrangulada”, já que os pavilhões têm de ser partilhados com outras modalidades. Mas há aspetos muito bons e um deles vai direitinho para o líder do Ferreiras, António Colaço, que “nos dá força e energia para lutarmos no dia a dia”.

De facto, não é só o futebol. “Ele tem amor pelas modalidades e praticou algumas. É um apaixonado e não há fim de semana que não me ligue para saber resultados e pormenores. Está sempre presente”, adianta, referindo de seguida outro tipo de apoio, o do contrato-programa com a Câmara Municipal de Albufeira, essencial e significativo. “Temos outros patrocinadores, mas pequenos, quiçá devido à tal pouca visibilidade da patinagem”.
As atletas são sócias e pagam quotas suplementares, num contexto em que o papel dos pais é fundamental, como por exemplo nas deslocações. “Sem este apoio dos familiares tornava-se quase impossível e não conseguíamos fazer tanto. Temos muitas provas no Alentejo, em Cuba e Évora, e as de nível nacional, para as atletas de competição, realizam-se de Lisboa para cima”.

As patinadoras estão divididas por níveis, desde os grupos de iniciação 1 e 2 e a formação até à pré-competição e competição. “Temos atletas que já vão a provas nacionais e em novembro serão duas num torneio internacional. De resto, há torneios quase todos os fins de semana, pelo que termos de optar e gerir o nosso calendário”, salienta Rita Cruz, explicando que “as meninas vão passando de nível até ao de competição”, desde que, naturalmente, mostrem argumentos. O Ferreiras tem praticantes dos 3,4 anos aos 18, mas não há limites de idade. “Quando vão para as universidades afastam-se um pouco, porque os horários são difíceis de conciliar, um problema que se arrasta a nível nacional sempre que se fala de escolas e desporto”.

Rita Cruz garante que o segredo do sucesso na modalidade que sempre abraçou “passa em primeiro lugar pelo gostar muito, mais paciência, resiliência, trabalho e empenho”, vincando que “o importante é as atletas terem objetivos, pequenos que sejam, para chegar aos maiores”. Rita representou Portugal a nível europeu, tinha então 14 anos, num percurso ascendente, desde os 10/11, que a guindou sistematicamente ao top cinco ou dez no panorama nacional. Vestiu as cores do Benfica, sempre treinada por Judite Gomes.

Um pavilhão nas Ferreiras é o sonho
O primeiro lugar conquistado na Taça Alentejo Algarve, entre as 15 equipas participantes, fez disparar a satisfação, mas sem desviar o rumo. “Não se pode querer tudo muito rápido, porque este é um trabalho com crianças e os resultados não surgem logo. Vamos apoiar e criar objetivos sem pressão. A médio prazo queremos trabalhar muito com as mais novas, para dispormos de mais atletas na competição”.

As responsáveis insistem em apontar o crescimento que se tem verificado, recordando, contudo, a limitação do espaço. A propósito, falam do exemplo da natação, que dispõe de horários às sete da manhã, “fruto do esforço e de objetivos ambiciosos”, pois só assim os resultados aparecem, ou seja, com outro tipo de estrutura a evolução pode ser ainda maior.

“O importante é conseguir manter as atletas que temos e trabalhar com mais, com motivação e objetivos. Um dos que gostaríamos, a curto prazo, é aumentar a equipa de competição, trabalhando as mais novas para fortalecer a equipa e elevar o nome do clube a nível nacional”. De momento, o Ferreiras tem cinco patinadoras na competição e “é esse número que queremos aumentar”.

A captação é feita pela divulgação de cartazes e pela deslocação às escolas, principalmente às primárias, ao mesmo tempo que a partilha entre as crianças também é constante. Acresce que “para manter a qualidade de treino não podemos ter grupos muito grandes, pelo que o nosso objetivo passa igualmente por criar condições de treino para termos mais praticantes”. Um pavilhão nas Ferreiras é o sonho, o que possibilitaria “mais horas de treino e o crescimento de outras modalidades para, então sim, dispormos de mais atletas”.

A terminar, Rita Cruz lembra que “a patinagem é muito exigente, dos desportos mais complexos, porque envolve outros, como a ginástica e a dança”, numa mescla de “agilidade, força, coordenação e imensas horas de treino”. Daí que seja primordial a figura da professora de ballet, do treino físico e da fisioterapia, a par da nutrição e psicologia, que em breve serão uma realidade na seção.

“O futuro e a política de educação não podem estar de costas viradas, para salvaguardar que uma atleta vá competir, chegue a casa de madrugada e tenha aulas nesse dia. É a mentalidade que é preciso mudar”.

A felicidade estampada nos rostos

Três das muitas patinadoras do Ferreiras falaram com a nossa reportagem, num curioso registo, em que foram ultrapassando uma natural vergonha até se ‘exibirem’ como se estivessem em atuação, graciosas e a raiar a perfeição. Carolina Teixeira tem 12 anos e é uma das mais ‘velhas’ do grupo, já que se iniciou na modalidade há sete. “Foi o desporto que mais me motivou e do qual mais gostei. Também fiz natação e ballet, mas optei, sem dúvidas, pela patinagem”, garante, cheia de convicção e com um sorriso constante. A felicidade estampada nos rostos das três, aliás, é por demais elucidativa. Sofia Magalhães, por sua vez, tem 11 anos e patina há quatro, o tempo mais do que suficiente para dar a receita do êxito. “É preciso imensa motivação e nunca podemos pensar sequer em desistir. E depois, acho que sem as nossas treinadoras nada disto era possível, elas são incríveis”. Por fim, Carolina Grelha, de 10 anos e praticante há três, exprimiu-se com desenvoltura e mesmo algum encanto. “Não achei difícil começar a patinar, tive mais dificuldade em sentir a música e coordenar os movimentos. Se a música for agitada uma pessoa não pode ficar parada. E tens de mostrar um ar de felicidade”. As três meninas, acrescente-se, querem fazer “patinagem toda a vida”.

As patinadoras que contribuíram para o pódio

Flávia Pires; Carolina Teixeira; Sofia Dias; Maria Guerreiro; Laura Guerreiro; Polina Revina; Margarida Godinho; Carolina Quelhas; Sara Sales; Maria Lintvariova; Carolina Grelha; Sophia Magalhães; Larissa Nita; Isabel Cabrita; Inês Soares

Treinadora principal e coordenadora: Rita Cruz

Treinadoras adjuntas: Ana Rita Silva e Catarina Bicho

Treinadora de solo dance: Daniela Chaparro

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