Cândido Glória, uma viagem pelo comércio portimonense

Texto e foto: Jorge Eusébio, in Portimão Jornal nº 46


Nascido há 88 anos na cidade de Portimão, Cândido Glória fez os seus estudos no então Liceu Municipal Infante de Sagres. Gostaria de ter prosseguido a sua aprendizagem escolar, mas, lembra, “como os meus pais não tinham condições para isso, tive que me fazer à vida”.

O seu primeiro emprego foi numa empresa que vendia tabaco ao balcão e por retalhistas e, mais tarde, “através de um amigo, surgiu a hipótese de entrar nas vendas de artigos de alfaiate”. A sua função era a de percorrer o país a vender material, à comissão, a profissionais do setor.

Tratava-se de uma atividade algo desgastante e que não lhe trazia os proveitos financeiros que desejava, pelo que a abandonou e foi trabalhar para Faro, num armazém de mercearias e de torrefação de café.

Sem que, na altura, o soubesse, tinha, finalmente, encontrado a área de atividade à qual dedicaria praticamente toda a sua vida profissional. O passo decisivo seria dado no regresso a Portimão, como caixeiro viajante de um outro armazém do género, situado na Rua João de Deus, que, mais tarde, se transformaria na Abastecedora de Mercearias do Barlavento.

De trabalhador a empresário
Aí trabalhou durante vários anos, ganhando a experiência que lhe permitiu tornar-se, em 1962, um dos quatro sócios do estabelecimento quando o respetivo dono resolveu trespassá-lo. Foi uma ‘jogada’ arriscada, pois não tinha sequer dinheiro para pagar, de imediato, a sua quota, valendo-lhe a confiança em si demonstrada pelos seus parceiros de aventura, que aceitaram que fizesse o pagamento mais tarde.

O grupo não se manteria unido por muito tempo, e Cândido Glória acabou por se ver como responsável por 50% do negócio, tendo como parceira uma empresa de Lagos.

Uma nova mudança de sócio contribuiu para o que considera ter sido o período áureo da Abastecedora. A seu lado passou a ter a Real Companhia Velha, uma importante empresa nacional, que lhe deu um grande trunfo: a distribuição dos seus vinhos, que eram muito apreciados, e que tiveram um papel essencial no crescimento da empresa algarvia.

Essa solidez financeira e a necessidade de ter um espaço mais amplo levou à construção, em 1980, de um armazém na zona da Pedra Mourinha, que tinha as características de um moderno ‘cash and carry’.

O desafio das cooperativas
A seguir ao 25 de Abril tinham nascido pelo país fora um sem número de cooperativas e muitos retalhistas do Barlavento, que eram clientes da Abastecedora, acharam que aquela seria uma boa opção para, unidos, conseguirem adquirir produtos a preços mais baixos e, assim, obterem uma maior margem de lucro.

Essa decisão criou naturais dificuldades à empresa dirigida por Cândido Glória, uma vez que, a partir daí, “através dessas cooperativas, muitos dos nossos clientes passaram a fazer as suas compras junto dos nossos fornecedores, eliminando, dessa forma, o intermediário, que éramos nós”.

Foi um dos momentos mais delicados da sua vida empresarial, que poderia mesmo ter deitado a perder todo o trabalho desenvolvido até aí. Depois de pensar nas alternativas que tinha, resolveu entrar no retalho, criando os seus próprios pontos de venda ao consumidor final para escoar os produtos.

Isso levou ao nascimento dos Supermercados Alvorada. Lembra-se que o primeiro, que foi instalado na cidade de Portimão, “tinha uma área de cerca de 200 m2”, o que fazia com que se tratasse, à escala da altura, de, praticamente, uma grande superfície.

Ao longo dos anos seguintes, a rede foi-se estendendo, tendo atingido uma dúzia de supermercados, distribuídos não só por Portimão, como também pela Praia da Rocha, Lagos e Carvoeiro.

Esta expansão fez com que o número de trabalhadores aumentasse substancialmente, tendo, pelas contas do empresário, “chegado a um total de cerca de três centenas”.

Eram, pois, muitas as famílias que o negócio tinha de sustentar, numa altura em que, no horizonte, começavam a desenhar-se as nuvens da invasão das grandes superfícies comerciais que acabaria por alterar de maneira radical a forma como se desenvolvia a atividade comercial no país e no mundo e as dinâmicas das cidades.

A criação da Uniarme
Consciente dos desafios que tinha pela frente, juntamente com vários outros colegas da região, Cândido Glória começou a pensar numa estratégia que lhe permitisse ter alguma margem de manobra para sobreviver na guerra que já então se vislumbrava. No mundo do comércio isso significava conseguir preços mais competitivos.

A solução encontrada passou pela formação de uma central de compras, a Uniarme – União de Armazenistas de Mercearias, que “teve dez sócios fundadores, de várias zonas do país, mas à qual aderiram depois muitas outras empresas”. Diz ter sido “um projeto que resultou, a tal ponto que, tendo sido criado em 1986, ainda hoje existe”.

Eram muitas as famílias que o negócio tinha de sustentar, numa altura em que, no horizonte, começava a desenhar-se a invasão das grandes superfícies

Enquanto presidente da direção desta estrutura, que tinha como objetivo essencial a compra de produtos em grandes quantidades e a custos mais baixos no estrangeiro, foi a muitas feiras e certames internacionais, o que contribuiu para ficar com uma visão mais abrangente do panorama comercial.

Tal experiência permite-lhe dizer que um dos erros que se cometeram em Portugal nessa fase foi “deixar construir as grandes superfícies no centro das cidades, algo que não acontecia nos outros países europeus que visitei”.

Não se mostra contra esta nova forma de chegar aos consumidores. “É a evolução natural dos tempos, se aconteceu a nível internacional, também acabaria por, fatalmente, chegar ao nosso país”. Mas entende que, por cá, não houve o cuidado de criar regras que protegessem as formas tradicionais de comércio, evitando que quase todo o mercado ficasse nas mãos da grande distribuição.

Também a nível regional procurou fazer pressão sobre os decisores políticos, tendo mantido uma intervenção relevante na CEAL – Confederação dos Empresários do Algarve que, criada em 1990, procurou dar contributos para a defesa do tecido empresarial algarvio.

Estacionamento é o grande trunfo dos hipermercados
Na sua opinião, mais do que os preços, “o grande trunfo dos hipermercados é a facilidade de estacionamento gratuito que disponibiliza aos seus clientes”.

Mas também entende que, da parte do chamado comércio tradicional, não foi feito tudo o que estava ao seu alcance, ao nível da modernização, do marketing e do horário de funcionamento dos estabelecimentos.

Contudo, admite que era uma luta muito desigual. Numa primeira fase, ainda pensou que as grandes superfícies fossem uma moda, que, mais tarde, uma vez passada a novidade, as pessoas voltassem a fazer as suas compras nos seus bairros, nas lojas e mercearias locais.

Mas à medida que o tempo passava foi ganhando a convicção que muito dificilmente isso aconteceria. Um sinal muito claro era dado pela queda contínua da faturação das suas empresas, o que o levava a temer pelo futuro não só do negócio como das centenas de funcionários que nele confiavam.

Em face de todo este cenário, chegou à conclusão que o melhor seria aceitar a proposta de compra do seu universo empresarial por parte da Alicoop, o que aconteceu em 1995.

Olhando para a evolução que o setor teve desde essa altura, continua convencido que “foi a solução que se impunha, pois permitiu salvaguardar os interesses de todas as parte, em especial, dos trabalhadores”.

Ligação de mais de 20 anos ao Centro de Apoio a Idosos

Cândido Glória foi uma pessoa muito envolvida e empenhada na vida associativa do concelho, procurando sempre ajudar, dentro do que lhe era possível, e responder positivamente aos pedidos de apoio que regularmente lhe eram feitos por associações, instituições e clubes. Pessoalmente, envolveu-se na Associação Comercial de Portimão, uma estrutura já desaparecida, que tinha como missão defender os interesses dos comerciantes locais e também foi dirigente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Portimão. Teve, ainda, uma passagem pelos órgãos sociais do Portimonense, mas não apreciou particularmente os bastidores do mundo do futebol e rapidamente percebeu que “aquilo não era para mim”. Em sentido contrário está a ligação de “mais de 20 anos”, que ainda mantém, com o Centro de Apoio a Idosos de Portimão, de que é vice-presidente.

Cândido Glória também possui alguma experiência autárquica, tendo, entre 1972 e 1974, exercido as funções de vereador na Câmara. Depois do 25 de Abril continuou a ser convidado para a vida política, por pessoas ligadas ao PS e ao PSD, mas acabou sempre por declinar os convites.

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