Castores do Arade: Há uma fábrica de campeões nas margens do Rio Arade

Texto: Hélio Nascimento | in Jornal Lagoa Informa nº159


Competir com 22 atletas e ganhar 16 medalhas, incluindo três títulos de campeão, deixa qualquer clube tremendamente satisfeito. Os Castores do Arade que o digam, depois de terem alcançado este registo, a 24 e 25 de julho, no Campeonato Nacional de regatas em linha, destinado a cadetes, infantis e iniciados, que decorreu na pista de canoagem de Montemor-o-Velho. Já antes, em seniores e veteranos, as marcas tinham deixado o treinador Nuno Silva com um largo sorriso, face à conquista de outras três medalhas de ouro. 

“Conquistámos o desejado título de K4 500 metros seniores, através de Emanuel Silva, David Varela, Kevin Santos e Artur Pereira, com a curiosidade do Emanuel e do David terem competido a menos de 24 horas de embarcar para Tóquio”, conta o responsável do Kayak Clube Castores do Arade (KCCA), que, além de fundador e técnico, é também presidente. “Nos mais novos também obtivemos muitos pódios, e mais três títulos. Em 22 atletas, 16 ganharam, o que é de salientar, sobretudo porque o Algarve não é das regiões mais fortes na canoagem nacional. No escalão dos 11 aos 16 anos só perdemos para Ponte Lima, Prado e Amora. Apenas quatro clubes passaram dos 1000 pontos e nós fomos um deles!”, regozija-se Nuno Silva, à conversa com o Lagoa Informa. 

“É isto que nos orgulha”, prossegue, dando conta da frutuosa parceria com o desporto escolar, cujo objetivo, frisa, “é formar atletas olímpicos”, para lá de todo o trabalho de iniciação e até de puro lazer que está associado à canoagem e à generalidade dos desportos. “Aqui partilhamos tudo e damos formação a muita gente. Os miúdos que querem continuar a praticar a modalidade ficam no clube, que não fecha quando encerram as escolas. Entusiasmam-se e muitos deles chegam à alta competição. O meu filho Iago ganhou a medalha de bronze no Europeu de juniores e começou no desporto escolar”, acentua, como que justificando o que acabara de explicar.  

Nuno Silva insiste na grande ligação dos Castores com o desporto escolar, envolvendo quase todas as escolas do concelho de Lagoa e ainda dos municípios limítrofes, casos de Portimão e Silves. “Os miúdos do primeiro ciclo vêm cá aprender. Acho que posso dizer que toda a gente sabe o que é um kayak e uma pagaia, o esquerda-direita, o saber dominar uma embarcação, enfim, procedimentos da canoagem que, neste tempo tão Play Station, ajuda muito em termos motores. E é uma atividade diferente”. 
 
A importância do desporto escolar 
A canoagem continua, pois, na moda, uma espécie de fenómeno que se arrasta quase desde o início do século, para o que muito contribuíram os excelentes resultados internacionais alcançados pelos atletas portugueses, nomeadamente as medalhas olímpicas de Emanuel Silva e Fernando Pimenta, em 2012. O aumento do número de praticantes e a mediatização da modalidade dispararam para patamares até então inéditos.

“A captação tornou-se mais fácil, em especial porque os pais, a partir do momento em que travaram maior conhecimento com a canoagem, concluíram que não se trata de um desporto perigoso, do tipo descida de rápidos, com curvas e contracurvas. As nossas águas não são bravas, podem ficar descansados”, avisa Nuno Silva, o grande impulsionador dos Castores do Arade, uma coletividade fundada em 2005, no concelho de Lagoa, que utiliza a Mexilhoeira da Carregação – e naturalmente o Rio Arade – com polo aglutinador de toda a sua atividade. 

Com 16 anos de existência, o clube começou por ser um projeto a pensar nos mais velhos, “num espaço para treinar entre todos, mas o desporto escolar puxou-nos mais para a formação e agora é essa a nossa principal vertente, embora tenhamos todas as outras. O futuro passa pelas crianças, que um dia serão adultos e poderão continuar a obra”, considera Nuno Silva, um professor de Educação Física, que, tal como a esposa, Ana Bebiano, também ela professora, ficou desde cedo apaixonado pela canoagem e procura ajudar a evoluir o concelho de Lagoa, a entidade igualmente empenhada em dar oportunidades aos jovens. “O nosso clube é um dos parceiros da Câmara e quem quiser praticar canoagem tem essa opção, seja para lazer ou competição”.  

O entusiasmo é contínuo e muitas pessoas continuam a procurar o Arade e a modalidade para darem largas à atividade física. “Apesar da pandemia, os praticantes não deixaram de aparecer. Fomos mesmo obrigados a parar de fazer captações, porque tornava-se difícil manter tanta gente em ação, embora muitos pais queiram saber os horários para inscreverem os seus filhos. É uma modalidade fácil para fazer iniciação, e depois, já se sabe, alguns atletas seguem a via da competição. Temos cerca de 50 federados e mais de 100 ao todo”, contabiliza Nuno Silva. 

Olímpicos como referência da cidade 
A contratação de quatro atletas provenientes do Sporting Clube de Portugal – Emanuel Silva, David Varela, Kevin Santos e Artur Pereira – levou os Castores a sonharem ainda mais alto.

Os atletas chegaram ao conjunto algarvio depois de terminarem a ligação ao clube lisboeta, com o foco nos estágios de preparação para os Jogos Olímpicos, obviamente no concelho de Lagoa, aproveitando as excelentes condições do Arade para a prática da canoagem. O convite, aliás, surgiu durante um dos muitos estágios que os canoístas já realizavam na nossa região. 

Emanuel Silva participou em Atenas’2004 nos seus primeiros Jogos Olímpicos, com apenas 18 anos, e em Londres 2012 conquistou a medalha de prata em K2 com Fernando Pimenta. Já em 2016, no Rio de Janeiro, ficou em 4º lugar no K2 1000 metros, a 296 milésimas da medalha de bronze. Emanuel Silva e David Varela fazem parte da equipa portuguesa que vai estar em ação nos Jogos Olímpicos de Tóquio, no K4 500 metros, com a companhia dos atletas do Benfica, João Ribeiro e Messias Batista. 

“O concelho tem a noção de que não se faz tudo duma vez só. O Emanuel vinha cá para estágios, em virtude de dispor de condições parecidas com as de Tóquio, e, estando ele e os demais colegas de saída do Sporting, iniciámos os contactos. Eles gostaram do nosso projeto e cá estão. O objetivo é ter esses nomes como referência de Lagoa. Imagine a conquista de uma medalha olímpica e o quão importante será para todos nós. Sendo a canoagem um motor de desenvolvimento do concelho, muitos mais estrangeiros, em pleno Inverno, virão procurar-nos”, realça o professor. 

Os Castores entraram de férias no preciso dia em que a nossa reportagem se deslocou à Mexilhoeira da Carregação e registou um treino muito especial, de puro convívio. “Vamos aproveitar o rio e navegar quatro quilómetros até à Praia Grande. Os miúdos gostam desta parte lúdica, ideal para socializar”, vinca Nuno Silva. Os treinos, que recomeçam no final de agosto, realizam-se sempre na Boca do Rio, das sete da manhã às oito da noite, com grupos divididos e horários dispersos. “Somos dois técnicos, eu e a Ana”, que é a esposa, como já se disse. Ambos dirigem uma fábrica de campeões. 

“Respiramos canoagem, é verdade. Para mim, é uma modalidade que tem tudo, equilíbrio, força e resiliência e que, para ser praticada, exige ainda esforço e dedicação. É um bom ensino para a vida”, diz Nuno de 46 anos, natural de Setúbal, mas a viver há muito tempo na cidade. Curiosamente, chegou a ir para Coimbra, para cursar economia, “mas no final do primeiro ano, como na altura já era atleta de alta competição de canoagem, mudei de curso e pronto”. Nuno e Ana têm três filhos, Iago, Iara e Ianis, e todos, claro, praticam a modalidade. E com bons resultados. 

Seis títulos nos recentes Nacionais 

Nos recentes Campeonatos Nacionais de Regatas em Linha, os Castores conquistaram seis títulos, três em cada uma das rondas: na primeira, para os mais velhos, o KCCA participou com 23 atletas e alcançou 16 finais A e 3 finais B. As medalhas de ouro foram estas: em K4 500 metros seniores, através de Emanuel Silva, David Varela, Kevin Santos e Artur Pereira; em K1 veteranos femininos, por Ana Bebiano; e em C1, veteranos, por Oleksandr Olefirenko. Depois, na segunda jornada, para cadetes, infantis e iniciados, sagraram-se campeões: em K4 500 metros infantis, Iara Bebiano, Inês Carapinha, Íris Rietkerk e Clélia Santos; em K4 500 metros iniciadas, Leonor Matos, Júlia Luís, Lara Carapinha e Nadine Santos; em K2 500 metros iniciadas, Leonor Matos e Júlia Luís. A nível coletivo, na soma dos dois últimos fins de semana de competição, o clube ficou na 6ª posição, entre 53 clubes participantes, com o registo da conquista de vários outros pódios.  

Ana Bebiano, os títulos e os filhos 

“A canoagem continua a ser um prazer, mas é também um desafio”, garante Ana Bebiano, professora de Educação Física, campeã nacional e treinadora nos Castores, juntamente com o marido, Nuno Silva. “Gosto imenso de ensinar os miúdos, vê-los a evoluir desde pequenos e acompanhá-los até ganharem medalhas”, confessa a técnica, que, no mês passado, arrecadou mais um título nacional, em veteranos. “Ganhei mais um título, é verdade. Foi difícil, mas ganhei”, diz quem já perdeu a conta às medalhas que tem lá em casa. “Só lá chega quem é persistente, mesmo tendo menos tempo. Mas como treino os miúdos, treino eu também e as provas tornam-se mais fáceis”. Ver os filhos a competir – e logo três – é que é mais complicado. “Se eu não ganhar, tudo bem, mas ver os filhos algo frustrados, depois do esforço e do trabalho, dói no coração”, assume agora a mãe Ana, de 43 anos. Satisfeita com o maior mediatismo da canoagem, que já “passa mais na Comunicação Social”, a treinadora revela ainda “muita esperança” em que Emanuel Silva e David Varela conquistem uma medalha olímpica. 

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