Centro de Dia inclusivo partilha artes e saberes com a cidade

Texto e Foto: José Garrancho


A ideia já vem de 1980, quando o pintor Júlio Amaro conheceu este espaço e sugeriu que no mesmo fosse instalada uma galeria de arte, oferecendo alguns dos seus quadros, começa por contextualizar Ana Luísa André, animadora de ação cultural e diretora técnica do Centro de Dia de São Camilo de Léllis.

“A direção de então gostou da ideia, sentiu-se desafiada e começou a percorrer Portugal, de norte a sul, à procura de quem quisesse doar algum espólio para criar uma oferta cultural neste local fantástico da cidade”, recorda.

A intenção é tornar mais atrativo o maior monumento construído na cidade.

A maioria das pessoas conhece a Igreja do Colégio, mas não o historial do espaço onde a mesma está inserida. Já foi convento, prisão, hospital e, na atualidade, alberga um lar de idosos e um centro de dia. Estas instalações foram ainda, no passado, o teatro que lhe dá o nome. E quem está no exterior nem se apercebe da grandiosidade do edifício.

“Como pensamos chegar à população? Através de um projeto de inovação social, de que nos orgulhamos. Estamos a falar de um centro de dia inclusivo, em abrir as portas da nossa casa à cidade, aos turistas e a toda a gente que nos queira visitar, mas de uma forma que nos permita criar dinâmicas intergeracionais”, confidencia Ana Luísa André ao Portimão Jornal.

“A oficina ocupacional que estamos a criar vai permitir uma partilha de saberes e tradições entre os nossos utentes e os visitantes, convivendo e criando trabalhos de olaria, carpintaria e cerâmica, misturando o que fazemos com o que nos trouxerem. Estamos abertos à comunidade e as escolas são um objetivo muito importante para nós”, assegura.

Neste âmbito de partilha, os utentes do centro de dia já fazem algumas visitas a estabelecimentos escolares, convivendo com os mais jovens e transmitindo-lhes as suas experiências. São exemplo, as histórias das profissões de antigamente contadas aos mais novos.

A partir de agora, irão convidar as escolas a visitá-los, num espaço inovador, no centro da cidade, que os utentes podem usufruir e partilhar com os visitantes.

“Esta nossa ‘brincadeira’ pode ser encarada de duas formas. Podemos tentar contar aquilo que foram os vários eixos da vida das pessoas que passaram por este edifício, e mesmo da população portimonense, desde as suas crenças religiosas ao modo de vida e à saúde e, ao mesmo tempo, estamos a contar a história do nosso edifício, classificado como património municipal e que muito nos orgulha”, adianta ainda Ana Luísa André.

São exemplo factos como o que os visitantes vão poder encontrar logo à entrada, onde há uma homenagem às pessoas que morreram durante o terramoto de 1755, devido a algumas pedras que se soltaram do edifício. E o pátio, onde se encontra um poço com diversas histórias para contar, que será um excelente local para tertúlias.

Centro apoia 259 idosos
O Centro de Dia faz parte das valências do Centro de Apoio a Idosos de Portimão, instituição que, hoje, dá apoio a 259 idosos, dos quais 102 estão no Lar da Raminha, 60 no Lar Diogo Gonçalves, 28 no Vilavó, 29 no Centro de Dia de São Camilo Léllis, 25 em apoio domiciliário e 15 em apoio domiciliário integrado.

Ainda gere a ‘Catraia’, instituição que alberga 20 jovens provenientes de famílias problemáticas.

O Portimão Jornal conversou, por esta razão, com José Manuel Figueiredo Santos, que entrou na instituição, como diretor técnico, há 43 anos. Nessa época, encontrou desorganização e dificuldades financeiras, mas não desistiu e, poucos anos depois, concorreu e venceu as eleições para presidente, sendo o grande responsável pela obra de vulto que tem vindo a ser feita, ao longo de quatro décadas.

Este projeto no Centro de Dia destina-se a “incrementar a terapia cultural, ou seja, pensar que o homem, quando envelhece, não está destituído das suas faculdades e carece de autoestima e não só de cama, mesa e roupa lavada, essa visão pobre que, infelizmente, muita gente ainda tem. Nós pretendemos ter essa visão holística dos idosos e foi a razão pela qual decidimos avançar aqui com terapia através da estética”, justifica.

Aumento do número de idosos é significativo
Uma das questões que tem afetado grande parte da população é a falta de vagas nos lares para os idosos, o que provoca diversos constrangimentos aos familiares.

A esse respeito, o responsável admite que está nos planos futuros o aumento da capacidade, mas as novidades não se ficarão por aí.
“Estamos também a tentar criar um espaço de medicina física de reabilitação, para fechar o ciclo. Há que incrementar a terapia corporal e também a cerebral. O diagnóstico social e demográfico de Portimão mostra que há um recuo na juventude e um aumento significativo do número de idosos”, revela.

Em consequência, José Figueiredo Santos defende que se torna necessário “criar espaços para conseguir fazer com que os idosos tenham uma vida autónoma, pouco institucionalizada e que permaneçam no seio da sua comunidade”. “Perspetivar deste modo é a grande aposta e já estamos nessa linha com a Vilavó”, adianta em declarações ao Portimão Jornal.

Pioneiros são sempre quem mais sofre
“O projeto Vilavó, em pequenas vivendas, possui um quarto individual para cada utente, de modo a que este possa manter a sua privacidade, evitando coletivizar a vida privada. Faz parte de uma visão holística integral da pessoa idosa e é a nossa perspetiva de cidadania. Por isso, não está ao abrigo do Projeto de Recuperação e Resiliência (PRR), que apenas possui uma visão alojamentista do idoso. Somos pioneiros, embora sabendo que os pioneiros são sempre os sofredores. Mas é uma questão de tempo e as pessoas acabam por perceber e valorizar”, explica.

Sobre a possibilidade de aumentar a oferta, José Figueiredo diz que “as dificuldades vão ser muitas, porque há pouco património para alienar”. Acrescentou, por isso, que seria desejável que a autarquia tivesse uma perspetiva consertada em relação àquilo que será o futuro dos idosos no município.

“Temos uma visão flexível em relação ao quadro dos estabelecimentos, em termos de implantação no terreno. Não nos importamos de sair do espaço Diogo Gonçalves, desde que se crie, por exemplo, um espaço adjacente à Raminha, ou outro na proximidade. Para nós, a incidência na dispersão dos estabelecimentos era muito melhor, desde que ficassem próximos, porque a dispersão longínqua cria problemas de gestão e aumenta os custos”, admite ainda o responsável.

O idoso sente, pensa e tem emoções
José Figueiredo disse ao Portimão Jornal que o seu futuro institucional será curto, mas que será teimoso até ao fim, no sentido de levar por diante aquilo em que acredita.

“A vida moderna não consegue congregar a mobilidade dos idosos com a das famílias mais jovens. Daí que seja imperativa a institucionalização. Claro que há estabelecimentos mais abertos e mais disponíveis para manter essas ligações familiares, e há outros que se apoderam do corpo do idoso, o que é muito complicado”, afirma.

É por esta razão que considera que as instituições modernas devem ter outra visão do que é a pessoa idosa. “Que está ali alguém que sente, que pensa, que tem emoções. A sociedade tem abafado isso nos idosos e é o que nós procuramos contrariar. A estética é um domínio que favorece muito a autoestima dos idosos. Não estou a referir apenas a estética corporal, mas também a cultura, num sentido mais geral. E a sua preservação, aqui, é a nossa preocupação”, garante.

A ideia do centro inclusivo, sem a categorização de quem visita o espaço vai ao encontro deste objetivo. “Temos a porta aberta a toda a gente, quem nos quiser visitar, vem. E os idosos irão também aprender muito com isso e ter uma vivência muito mais enriquecedora”, acredita.

Estado deve adaptar apoios

“A Catraia é um modelo pesado, porque as famílias são objeto de descompromisso e o Estado não tem tido uma fórmula à altura e que, de certa maneira, contemple a sustentabilidade dos estabelecimentos”, lamenta José Figueiredo Santos. Mantém, porém, a esperança de que a Segurança Social reequacione esta matéria. “Agora, fixam-nos 15 utentes, mas mantemos o pessoal na totalidade. São custos que acrescem, embora eles tenham valorizado a comparticipação. Estamos céticos em relação à cobertura de encargos, como, por exemplo, a mobilidade das crianças, que necessitam de ir para a escola, fazer exames médicos e outros. Isso obriga a transportes e há limitações legais. De X em X tempo, somos obrigados a renovar a frota”, exemplifica. Com a chegada de setembro e o início de um novo ano letivo, a instituição não terá como renovar essa viatura. “O Estado tem de estar sensível a estas questões, porque é um Estado Social e não pode ter uma atitude aritmética e estatística em relação a crianças. Tem havido uma certa cegueira, própria de quem detém o poder e não é capaz de chegar às bases, contactando com as pessoas que têm experiência neste domínio. Já vivemos um período em que as relações entre o Estado e as instituições eram uma parceria e, hoje, é uma relação fiscalizadora e policial que não atende às necessidades das instituições. Há uma certa cegueira política”, crítica.

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