Che Lagoense: Ginástica acrobática ganha alento com o regresso das competições

Texto: Hélio Nascimento | Fotos: Kátia Viola, in Lagoa Informa nº 175


O objetivo de arrancar com a ginástica acrobática no concelho de Lagoa está vivo e recomenda-se. É um trabalho recente, que vai na terceira época e aponta agora a tempos bem mais positivos e risonhos, depois de um início deveras atribulado, em que a pandemia e todos os condicionalismos inerentes falaram mais alto do que o desejado pela Associação Cultural Desportiva Che Lagoense e pelos professores que meteram mãos à obra.  

“Foi um arranque muito ingrato. Começámos em setembro e em março fomos para casa, em pleno ano covid”, recorda Mónica Melo, uma das faces mais visíveis do projeto.

“Tentámos nunca desistir, mantendo sempre a ‘lareira acesa’, para o lume não se extinguir de vez, o que nos ia dando algum alento. Este ano, felizmente, voltaram as competições, aumentando a visibilidade e a motivação. O que fizemos em lume brando está agora a começar a ser visto, mas, atenção, são precisos muitos anos para se formarem atletas na ginástica acrobática”, alerta desde logo a professora.  

A Che Lagoense tinha já ginástica rítmica, mas resolveu apostar na acrobática, uma vertente “muito específica”. O clube quis alargar a oferta, inclusive porque a rítmica “está mais vocacionada para as raparigas”, mas o certo é que os rapazes continuam sem aderir em número significativo, fruto de “um estigma que temos tentado quebrar”.

Nesta fase, como nos dá conta Mónica Melo, “temos já alguns rapazes na classe de formação, mas apenas dois na de competição”. 

Do ‘aviário’ à competição 
Os treinos decorrem no pavilhão da Escola João Cónim, em Estômbar, o local da reportagem do Lagoa Informa. “Temos 50 alunos, um número superior à meta antes traçada. Aparecem quase todos os dias mais uma ou duas miúdas novas, que vêm experimentar, e, mesmo que algumas acabem por não ficar, contamos ultrapassar largamente a meia centena de atletas”.  

Enquanto decorre a conversa com Mónica Melo, o ginásio fervilha com o entusiasmo próprio da pequenada. É a classe de formação, a partir dos cinco anos, “o nosso ‘aviário’, no qual começamos a preparar as ginastas para a competição”, explica a professora, embevecida com as habilidades em curso.

“A vontade de arrancar com a ginástica acrobática era grande, inclusive por parte da Câmara Municipal de Lagoa e do seu presidente”, justifica ainda.  

O trabalho é específico, “formando volantes e bases” para a classe seguinte, a de pré-competição. “Já conseguimos ter alguns valores intermédios, a um nível quiçá baixo, mas que serão os futuros atletas na competição, daqui a quatro ou cinco anos, se continuarem a trabalhar assim”, prossegue a professora, numa altura em que a miudagem termina o seu treino e o espaço é agora ocupado pelas outras classes, cujos exercícios são bem mais exigentes.

Apuramento para os Nacionais 
Depois de um período de todo atípico, o entusiasmo dos professores e dos alunos ganha maior expressão com o regresso das competições. “Têm havido torneios de preparação e nós já fomos a vários sob a égide da Federação de Ginástica de Portugal. Estivemos na Taça de Portugal, com quatro pares mistos, naquela que foi a nossa primeira participação”, pelo que o 20º lugar alcançado deve ser “considerado razoável”. 

A Che Lagoense participou também num torneio em Tomar, a ‘Taça Tonecas’, e numa prova de preparação em Loulé. “As medalhas não são o mais importante, mas já temos algumas”, acentua Mónica Melo.

O grande exame, diga-se assim, está marcado para os dias 2 e 3 de abril: é o Torneio Territorial, a nível de Algarve e Alentejo (nesta região, só Beja tem acrobática), que vai dar acesso, ou não, aos Nacionais. “Existe muita expetativa, sabendo que temos de atingir uma determinada pontuação para conseguir o apuramento. Vamos ver, com a certeza de que estamos a trabalhar para isso”.


Os treinos da acrobática da Che Lagoense decorrem sempre na Escola João Cónim, “que é a nossa casa”, reforça a professora, aproveitando para destacar o apoio da Câmara para o desenvolvimento de uma modalidade cuja prática não fica barata. “As pessoas não têm a noção. Os ‘maillots’ chegam a custar 300 euros, depois mais a t-shirt, fato de treino, calção, o top, enfim, é fundamental este auxílio, que se estende aos rolos de praticável, pista de ‘tumbling’ e cinto para treinar os mortais”. E ainda há os colchões de queda, facultados pela escola. 

É preciso treinar todos os dias 
Mónica Melo é licenciada em Educação Física e tem o curso de treinadora, graus 1 e 2, lamentando a “pouca formação” na região. “De Loulé até ao outro extremo do Algarve há vários treinadores, mas de Albufeira para o nosso lado não há oferta de técnicos creditados e a acrobática tem muita carga e trabalho”, pormenoriza, alertando que “temos de saber o que está a ser feito para não prejudicar a saúde destes miúdos”. 

Na Escola João Cónim, onde, curiosamente, também leciona, a professora reparte as aulas de ginástica com Miguel Fonseca e Ana Rita Neto. “Eu e o Miguel arrancámos com o projeto, que foi elaborado por mim e pela Ana. Funcionamos em equipa e qualquer um de nós treina todas as classes”, vinca, aludindo a um verdadeiro espírito de grupo, se bem que os contactos com a Che Lagoense passam todos por si, em virtude de “uma ligação forte”, que abarca, naturalmente, os aspetos de logística e organização.  

“Temos de trabalhar mais horas. Só treinamos às segundas, quartas, sextas e sábados. Necessitamos, igualmente, de ter mais atletas para justificar o alargar do horário. Para evoluir é indispensável treinar todos os dias”, garante Mónica, que, sobre a desejada chegada de mais alunos, fala de uma “captação boca a boca”. A propósito, recorda que, na altura em que o município instituiu uns encontros desportivos, aos sábados, para os jovens experimentarem modalidades, “quando chegou o nosso dia aberto tivemos de ir todos para casa…”.

Aumentar a visibilidade e ganhar atletas 
Até surgir esta aposta, o concelho não tinha nenhuma coletividade a praticar acrobática. “O mais perto é em Silves, depois Albufeira e acaba aqui em Lagoa. A variante é forte em Loulé, onde existem três bons clubes, e as nossas expetativas passam por estar ao nível, por exemplo, de um Louletano”. 

A nível do país, Mónica destaca as meninas do ACRO da Maia, “onde se trabalha bem e a sério”, tal como no Ginásio Clube Português, cujos melhores atletas saíram para o Sporting. “De Almada para baixo é um deserto”, prossegue, dizendo que escasseia a ajuda financeira e “o Estado só apoia os seniores a nível internacional, no caso dos restantes escalões é tudo suportado pelos pais”.

Neste contexto, “como estamos num cantinho”, as dificuldades aumentam. “As provas pagam-se por atleta, e, se é verdade que a Che tem pago tudo, custa estar sempre a pedir, porque quase todas as semanas competimos fora. Se tivermos resultados, aumentarmos a visibilidade e ganharmos atletas, acredito que o clube faz um esforço”.  

No emblema, todos pagam mensalidades, de 12, 17 e 22 euros, consoante a classe seja de formação, pré-competição e competição. Depois, há as despesas com a inscrição e seguros, para além dos ‘maillots’ e outro vestuário. “O concelho, se calhar, não está habituado a mensalidades tão altas, mas é o normal na ginástica”. 

Dificuldades à parte, “temos muitos horizontes e objetivos, a começar pela captação de miúdos e posterior formação, de modo a ter atletas e até campeões”, sustenta. “Em dois ou três anos queremos estar na I Divisão, mas, para isso, estamos a trabalhar não para amanhã, mas para um período mais dilatado. A ginástica acrobática é assim. E não é para qualquer um. Sofre-se, há muita dor e nós temos de detetar o erro e alertar os atletas, o que às vezes é frustrante”. 

A vontade de Mónica Melo, dos seus colegas e dos atletas, porém, leva à superação. “Também lhes dou os parabéns. É preciso ser forte mentalmente para praticar a acrobática, sobretudo porque o erro é específico de uma pessoa e assumi-lo, às vezes, torna-se complicado. Temos vontade de trabalhar e Lagoa tem tudo para ter grandes ginastas, mas têm de nos dar mais dois ou três anos para recolher os frutos do nosso esforço”.  

O prazer de dar aulas “em casa” 

Os atletas da Che Lagoense têm idades compreendidas entre os cinco e os 22 anos, caso da Tatiana, que vem de Lagos, é das mais ‘velhas’ e “trabalha connosco desde que arrancámos”. Mónica Melo treina miúdas que “hoje têm 14 anos e estão comigo há mais de oito”, até porque, realça, “só perdemos ginastas quando deixam o Algarve e vão prosseguir os seus estudos na Universidade”.

A professora estava nos Bombeiros de Silves, mas “a Che desafiou-me e cá estou”. Açoriana de nascimento, vive em Lagoa há largos anos e “dou ‘aulas em casa’, diga-se assim, porque leciono na Escola João Cónim há 23 anos”.

O elogio do presidente da Federação

Mónica Melo não tem dúvidas de que a melhor captação que a ginástica acrobática pode ter no concelho “é irmos aos pavilhões para competir”, o que constitui um acréscimo de visibilidade.

“Ainda agora, no torneio de Tomar, o presidente da Federação de Portugal veio ter connosco e perguntou se éramos da Che Lagoense. Depois, deu-nos os parabéns pelo trabalho que estamos a desenvolver e até prometeu uma visita”, relata. Por outras palavras, a presença e atuação dos jovens lagoenses transmitiu de imediato a tal visibilidade que deve funcionar como chamariz para atrair alunos e mostrar, ao mesmo tempo, que o projeto tem pernas para andar. 


Números

50
O número de atletas da ginástica acrobática atingiu a meia centena e quase todos os dias chegam novos alunos  

3
As classes que treinam na Escola João Cónim, em Estômbar, são as de formação, pré-competição e competição 

300
O preço de um ‘maillot’ para a prática da modalidade não é barato e chega a atingir os 300 euros  

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