Cientista Marta Fidalgo regressou à Escola do Parchal

Texto: José Coelho | Foto: CM Lagoa


Marta Fidalgo tem 27 anos, é cientista e começou o seu percurso escolar no Parchal. Hoje, está envolvida num projeto europeu sobre o cancro, residindo em Barcelona, na Espanha. Mas esta algarvia não se esquece das suas raízes, tendo voltado recentemente à Escola Básica da vila do concelho de Lagoa que frequentou quando era criança, no âmbito do projeto ‘Cientista Regressa à Escola’, implementado pela ‘Native Scientists’.

“Nós vivíamos, na verdade, em Portimão, mas os meus pais trabalhavam no Parchal e eu andei aqui para estar mais perto deles durante o dia”, relata Marta Fidalgo, durante a visita à escola.

A atual cientista seguiu depois para o concelho vizinho, onde estudou até ao 12º ano, e confessa que continua a ter “os mesmos amigos que tinha na altura”.

O passo seguinte foi sair da região algarvia para prosseguir os estudos: “Fui para Vila Real, para a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, e tirei a licenciatura em genética e biotecnologia, porque na altura dávamos isto no 12º ano e eu gostei mesmo muito do tema. Decidi que queria saber mais… Não sabia bem o que uma pessoa geneticista fazia, mas queria saber mais sobre isso”, explica Marta Fidalgo.

Durante a licenciatura ganhou especial interesse pela problemática do “cancro”, como “funciona” e de “onde vem”, pelo que decidiu tirar “um mestrado em oncologia e medicina molecular na Faculdade de Medicina do Porto”.

“Fiz lá o primeiro ano de mestrado e depois, durante esse ano, também tivemos uma disciplina em que estudávamos só os vasos sanguíneos, angiogênese, e para que é que serviam, o que tinham a ver com tumores e isso interessou-me muito”.

A sua tese foi feita em Lisboa, no Santa Maria, no Instituto de Medicina Molecular, “num grupo que trabalha em angiogênese durante o desenvolvimento”, revela Marta.

Esteve aí três anos, acabou a tese de mestrado e depois ficou no mesmo laboratório. Quando terminou o projeto que tinha em mãos decidiu “que queria fazer o doutoramento em algo que misturasse as duas coisas de que gostava”, que eram “os vasos sanguíneos, como eles se desenvolviam, e o cancro, que tem mais a parte genética e aquilo que eu tinha sido formada para saber”.

Acabou então por verificar que havia um projeto muito parecido ao que pretendia em Barcelona: “É um projeto europeu, composto por 15 laboratórios diferentes de outros tantos países para tentar resolver um problema em comum, apesar de trabalharmos em diferentes áreas, que são as metástases, como é que o cancro se espalha”, explica.

O seu doutoramento passa por perceber “como isso acontece, qual é o papel dos vasos sanguíneos em ajudar essas células a espalharem-se e tentar impedir, de certa forma, que isso aconteça”.

Cura geral para todos os cancros será difícil

Mas será possível esperar que seja descoberta uma cura para o cancro? “É uma questão muito complexa e é sempre a pergunta que nos fazem. O que eu faço todos os dias é tentar arranjar resposta, que não existe ainda”, afirma a investigadora algarvia.

Marta Fidalgo salienta que o cancro “não é uma doença, são várias doenças, que têm todas o mesmo nome e têm características parecidas”. Do seu ponto de vista pessoal, “uma cura geral para todos os cancros é algo que não existe” e é algo que, segundo ela, “não vai existir”.

“Acho que, enquanto cientistas, médicos e comunidade de saúde, a nossa função e o nosso esforço é mais o de tentar entender quais são as particularidades dos diferentes tipos de cancro, tentar tratá-los com as características que eles têm individuais, e não a comum, e tentar evitar que progridam”, refere.

A especialista algarvia diz que o cancro sempre existiu e vai continuar a existir, sendo o objetivo de quem está envolvido no seu estudo e no seu combate tentar encontrar as formas para evitar, num período em que isso ainda é possível, que os cancros se “espalhem, progridam e causem a morte das pessoas”.

“O mais importante é a curiosidade”

Através do projeto ‘Native Scientists’, Marta Fidalgo regressou à Escola Básica do Parchal, onde realizou uma oficina de ciência para os alunos de uma turma do 4º ano (fez o mesmo na EB de Estômbar).

“Eles são muito interessados, super curiosos e portam-se bastante bem”, salienta Marta Fidalgo, adiantando que não tinha “bem a noção do que crianças com nove anos sabem em termos de ciência, mas sabem muitas coisas”.

Diz que, quando tinha a idade destes alunos, “não sabia que queria ser cientista”, nem o que “o que tinha de fazer para ser cientista”, mas realça que o que sempre a caracterizou, desde pequena, foi ser “muito curiosa” e gostar “muito de aprender e de inventar coisas…”

“É importante, acima de tudo, poder relacionar-me com eles, que entendam que já estive nesta escola e que já fomos todos iguais a eles”, frisa a antiga aluna da escola do Parchal, que, durante cerca de hora e meia, partilhou experiências e envolveu, com sucesso, as crianças em diversas atividades ligadas com a ciência.

E se, como afirma Marta Fidalgo, nesta idade “o mais importante é a curiosidade”, então estes alunos passaram com distinção nesta oficina da ciência.

“No Algarve não vou poder fazer o que faço agora”

A investigadora diz que o seu regresso a Portugal, em termos profissionais, é algo que não está, por agora, nos seus horizontes, embora confesse que inicialmente a sua ideia fosse “ir para fora e regressar o mais depressa possível”. Uma coisa, no entanto, é certa: “Aqui no Algarve eu não vou poder viver e fazer a minha vida fazendo o que faço agora”, afirma Marta.

Sobre o estado da ciência em Portugal, a antiga aluna da escola do Parchal garante que há em Portugal “muito boas condições educativas, formamos cientistas ótimos, capazes e que sabem perfeitamente o que estão a fazer”, só que “depois, se calhar, não os conseguimos manter como deveríamos”, por “falta de condições”.

Apesar de viver e trabalhar em Barcelona, Marta Fidalgo diz que regressa muitas vezes ao Algarve. “Tenho um sobrinho pequenino, que me faz vir mais a casa, ele é muito curioso e muito engraçado, e tenho tentado vir mais vezes”, conclui Marta Fidalgo.

Lagoa é primeiro concelho algarvio abrangido

“O ‘Cientista Regressa à Escola’ é um programa educativo ligado às ciências, que tem como objetivo criar pontes entre cientistas e alunos do 1º ciclo e estimular este conceito de educação circular, em que um cientista que estudou numa escola primária e que hoje está a exercer a sua atividade profissional regressa à escola que frequentou inicialmente para desenvolver oficinas de ciência com os alunos e estimular o interesse das crianças para estas áreas”, explica Mariana Ferreira, da ‘Native Scientists’.

Este é o terceiro ano que o projeto é desenvolvido em Portugal, existindo o propósito de tentar chegar cada vez “a mais crianças”, refere. Esta é a primeira edição em que o projeto é desenvolvido no Algarve, pelo que o concelho de Lagoa foi palco, na região, do arranque desta iniciativa educativa – a cientista visitou as escolas do Parchal e Estômbar no dia 4 de março. Este ano, o projeto ainda deverá ser concretizado num outro concelho algarvio.

Existe o objetivo de fazer, no futuro, com que Portugal seja o primeiro país no mundo a assegurar que nenhuma criança em Portugal transita para o 2º ciclo sem conhecer um/a cientista

Presidente da Câmara também foi aluno neste estabelecimento

Luís Encarnação, presidente da Câmara de Lagoa, marcou presença no arranque da iniciativa ‘Cientista Regressa à Escola’. Para o autarca, esta foi também uma oportunidade de voltar à escola que frequentou quando era criança – a antiga escola primária do Parchal. “O regresso a esta escola traz-me muitas memórias. Sou natural desta terra e foi aqui que eu estudei”, frisa o autarca, acrescentando que “a escola está hoje diferente, felizmente”, até porque “já passaram praticamente 50 anos”, pelo que houve uma melhoria das condições do estabelecimento de ensino. O presidente da autarquia diz que “é uma enorme felicidade” ver o percurso desenvolvido por Marta Fidalgo, esperando que a sua presença e o seu exemplo sirvam “para motivar estes meninos e estas meninas”, porque, destaca o autarca, “a educação continua a ser o maior e melhor elevador social”.

Luís Encarnação confessa, quando era miúdo, uma das suas paixões “era a medicina”. “Não foi esse o caminho que segui, como é fácil de perceber, mas também estou feliz com aquilo que foi a minha escolha e com a área que segui, que foi a gestão”, afirma o edil lagoense, neste regresso à escola onde andou na sua infância.

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