Ferragudo em pé de guerra com dragagens da APS
O projeto de ‘Aprofundamento e Alargamento do Canal Navegação do Porto de Portimão’, da autoria da Administração dos Portos de Sines e do Algarve (APS) foi colocado em consulta pública em agosto e fez surgir uma onda de contestação em Ferragudo face às obras que permitirão a entrada e acostagem de navios com 334 metros de comprimento. Em causa estão, sobretudo, três questões, além das consequências de um tráfego de navios de cruzeiros mais intenso do que habitual.
A primeira é a colocação de dragados nas Praias do Pintadinho e Molhe, seguindo-se a intervenção na Angrinha, a bacia de rotação dos navios em frente à vila e, por fim, a alegada inviabilização da Marina, um projeto de 2008 que ainda não avançou.
A população organizou-se nas redes sociais, como o facebook, para criar o movimento ‘Defensores de Ferragudo | NÃO à destruição! SIM à preservação!’, mostrando a sua indignação.
Os membros são residentes, visitantes, autarcas e ex-autarcas locais. Até já circula uma petição contra o projeto devido às consequências que julgam que poderá causar no ambiente, na qualidade da água, nos elementos de valor arqueológico e na vertente sociocultural.
Até a Câmara Municipal de Lagoa, que não se junta a estes movimentos, mas apoia a população, apresentou um parecer desfavorável na consulta pública. E foi quase no fim do prazo que houve a perceção que o documento teria entrado nesta fase de discussão, havendo diversos relatos de que não houve ‘muita publicidade’ a dar conhecimento, ainda que esta seja já uma intenção antiga da APS.
Contactado pela Algarve Vivo José Luís Cacho, presidente do Conselho de Administração da APS, admite não conhecer “a contestação” e acrescenta que a entidade não irá “fazer nada do lado de Lagoa”. Ainda assim, questionado sobre as diferentes preocupações que têm vindo a ser levantadas pela autarquia e pela comunidade, o responsável assegura que tudo está acautelado no processo que entrou agora em análise pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA) para a Avaliação de Impacte Ambiental (AIA). Houve um total de 86 participações, um número considerável tendo em conta a média habitual de contributos nestes processos.
Marina inviabilizada
Luís Encarnação, presidente da Câmara Municipal de Lagoa, nem vacila na hora de começar a descrever as incertezas que a autarquia tem. E foram essas dúvidas que levaram a que este órgão autárquico criasse uma Comissão de Técnicos que emitiu um parecer desfavorável.
Logo à partida está a questão da Marina de Ferragudo, que apesar de nunca ter saído do papel em 12 anos, é agora um dos protagonistas principais. “A bacia de manobra [com 500 metros de diâmetro] que está colocada a montante do rio”, mesmo à entrada do Porto de Pesca da DocaPesca, “interferirá com a área da Marina de Ferragudo. Serão retiradas areias o que condicionará um projeto que não morreu; que apenas está suspenso”, argumenta o autarca. Acrescenta ainda que a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve declarou a caducidade da Declaração de Impacte Ambiental (DIA), há alguns anos, o que levou a que autarquia fizesse o mesmo. Nessa altura, o promotor, “não satisfeito com essa deliberação, intentou uma ação no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé”, garante. Por esta razão, até haver uma transição em julgado, o projeto está suspenso.
José Luís Cacho, responsável pela APS, por seu turno, diz não ter qualquer informação sobre a Marina de Ferragudo. “Não sei se caducou ou não, mas de qualquer forma, penso que está fora da nossa área de jurisdição e que pertencerá à DocaPesca. Não tenho conhecimento de qualquer conflito entre um projeto e outro”, refere.
No documento, que reúne a comunicação entre a APS e diversas entidades a quem foram pedidas informações, existe informação sobre a caducidade do DIA, enviada pela CCDR e um esclarecimento da autarquia lagoense sobre esta situação.
Questionado pela Algarve Vivo, Luís Encarnação garante que “há a intenção do promotor seguir com a obra” e avança que também o investidor “contestou este estudo de impacto ambiental, porque, no fundo, um projeto para a margem direita interfere” com um Projeto de Interesse Nacional (PIN) “na margem esquerda”. Apesar do autarca considerar importante para Portimão e para a região as intenções da APS, defende que não é menos importante para Lagoa, e mais sustentável, a criação da Marina.
Intervenção na Angrinha e junto ao ISN
Outro dos aspetos que causa dúvidas à autarquia é a obra que será feita na Angrinha e junto ao Instituto de Socorro a Náufragos (ISN). José Luís Cacho, da APS, desvaloriza a questão, argumentando que “não é uma intervenção especial”.
O espaço está “degradado e o que está previsto é melhorar aquela zona, a proteção existente, respeitando a sua funcionalidade. Não vamos construir nem fazer mais nada naquele local”, assegura.
Segundo o documento é uma obra de retenção e proteção da margem devido às dragagens que serão realizadas. Será alterado o molhe existente ao lado do ISN, mas não está prevista nenhuma relocalização do edifício. A infraestrutura (enrocado) serve para evitar que as areias se acumulem em frente ao ISN e impeçam a saída das embarcações.
Esta garantia não descansa Luís Encarnação que tem “reticências” quanto ao que pode acontecer em Ferragudo.
“É verdade que a Angrinha é uma praia artificial, criada com as areias de dragagens anteriores, mas hoje tem um valor natural para o concelho que não pode ser descurado. Temos um projeto que liga à requalificação da baixa de Ferragudo e à zona do Castelo”, revela o autarca. Está previsto “um arranjo paisagístico, com passagem pedonal, a retirada de todas as barracas dos pescadores abandonadas que dão aquela imagem deprimente”, refere.
Dragados no Pintadinho e Molhe
A intervenção para alargamento e aprofundamento do canal de navegação, a uma quota de menos 10 metros para criar condições de navegabilidade destas embarcações de grande dimensão e calado (até 8,33 metros), prevê a retirada de mais de quatro milhões de metros cúbicos de dragados. A população não quer que o cenário da passada década de 90 se repita e sejam colocadas areias sem qualidade nas praias do concelho.
“É o dobro do volume da maior dragagem feita até hoje no Rio Arade e é dez vezes maior do que a que foi feita nos anos 90. A minha pergunta é: ‘onde é que vai ser colocada essa areia?’ Já sabemos que uma parte será para assorear as praias do Pintadinho e do Molhe. Recargas de areia são bem-vindas, porque as nossas praias são pequenas e muito sujeitas à dinâmica das marés”, argumenta. O problema será a qualidade das areias a usar nestes espaços. Ou seja, se são contaminadas ou limpas.
Nesta questão José Luís Cacho nem prolonga a resposta, escudando-se na lei. Têm de ser areias limpas, porque “vamos cumprir a legislação”, afirma.
“Estes processos são longos,
têm condicionamentos
importantes e estamos a procurar fazer uma obra que não crie
problemas a ninguém”, diz APS
A entidade promotora do projeto tem, segundo o documento em consulta, prevista a recarga de diversas praias em concelhos algarvios. “Prevê-se que a descarga dos materiais e também face à sua natureza (nomeadamente siltes e outros materiais sem características para depósito em praias) seja realizada em área identificada no Plano de Situação do Ordenamento do Espaço Marítimo (PSOEM), para depósito de dragados do Porto de Portimão, sendo ainda uma pequena fração de areias utilizada para recarga direta das praias do Molhe e Pintadinho (40 mil metros cúbicos), as quais se situam na área de jurisdição do Porto de Portimão e revelam na atualidade uma forte erosão, constituindo portanto uma compensação local. Face à articulação com a APA/ARH Algarve, prevê-se que as areias com condições para a alimentação de praias (1,020 milhões de metros cúbicos) possam ser lançadas em vários pontos na deriva litoral para alimentação de outras praias da região do Algarve (Praia da Luz, Alvor, Meia Praia, Salgados, Ponta da Piedade)”, lê-se no documento.
Apesar destas garantias, Luís Encarnação invoca o passado para mostrar que não quer que sejam cometidos erros ou deslizes. “As gerações a seguir à minha nunca conheceram Ferragudo e o Parchal de outra forma, mas eu recordo-me. A água encostava à muralha da Igreja. Tudo isso foi alterado de forma drástica, porque as areias foram depositadas neste lado do Rio. Era temporário e o temporário tornou-se definitivo”, afirma. Mesmo a colocação em alto mar não descansa o autarca que alerta que deve ser depositada numa zona que não afete a atividade piscatória, nem a fauna ou flora. As dragagens devem ainda ter em conta o património arqueológico submerso existente e, identificado, para preservá-lo e valorizá-lo.
Uma visão de sustentabilidade
O autarca lagoense não está em guerra com Portimão, nem tem “nada contra os projetos que beneficiem outros concelhos. Não podem é prejudicar, deliberadamente ou mesmo sem intenção, Lagoa”, resume.
Queixa-se de a autarquia não ter sido chamada a analisar o processo ou a reunir com os responsáveis da APS para mostrar a visão que tem de sustentabilidade. “Pedir a participação seria o mínimo. É uma questão que também interfere com o nosso território e não fomos ouvidos nem achados. É inaceitável”, reclama.
Enuncia um estudo que aponta para o aumento em dez vezes do número de passageiros a desembarcar e um crescimento de escalas, que agora ronda as 50, mas que podem chegar às 300. “Terá um impacto brutal no nosso território e neste nicho de turismo de qualidade que temos em Lagoa”, alerta. Vai contra a ideia de sustentabilidade que a autarquia defende. “Dizem que esses barcos de grande calado, até 334 metros de comprimento, têm um nível de poluição que corresponde a dez mil veículos. Para nós não deixa de ser preocupante, porque temos uma das pérolas da região algarvia”.
Recapitulando, o documento prevê o alargamento do canal para 215 metros, face aos atuais 150 metros, com uma cota de rasto de dez metros negativos, face aos atuais oito negativos, e duas bacias de rotação, no anteporto e em frente ao Cais de Comércio e Turismo, esta última já existente. Será alargada dos atuais 355 metros para os 500 metros de diâmetro. Neste documento em análise, a entidade promotora refere que os impactes negativos “são, em larga maioria, não significativos, constituindo perturbações localizadas e temporárias” provocadas pelas dragagens e proteções marginais, “bem como da afetação de áreas emersas junto à margem esquerda que serão ocupadas pelo alargamento do canal e bacia de rotação existente (parte da Angrinha e a área de margem, entre a DocaPesca e a foz da ribeira de Ferragudo), que tendo sido formada por deposição de materiais de anteriores dragagens, passará agora de novo a ser uma área imersa”, lê-se.
Refere que esta zona seria afetada de qualquer forma, “caso se mantivesse válida a autorização, que, entretanto, caducou, para a construção da Marina de Ferragudo com um porto de pesca associado”. Há, aliás, referência no mesmo documento a uma série de medidas de minimização das consequências da intervenção, sobretudo a nível arqueológico, mas também de contaminações do ambiente, qualidade do ar e água. A obra tem como período temporal para a execução um ano.
APS defende não querer criar problemas a ninguém
José Luís Cacho, responsável pela APS, esclarece que a dragagem do Rio Arade é uma parte da intervenção a fazer, pois há também o melhoramento da segurança de amarração de embarcações em Portimão, empreitada que já está a decorrer. “O que falta fazer é a obra que melhora a acessibilidade marítima, para os navios poderem ter condições de manobra e de atração dentro do porto. Melhora a acessibilidade marítima e todos vão beneficiar”, acrescenta. Caso consiga avaliação positiva segue-se o lançamento da obra e será seguido o calendário anunciado, afirma. “Estes processos são longos, têm condicionamentos importantes, como a arqueologia, situação com a qual estamos a ter todos os cuidados possíveis, e nós estamos a procurar fazer uma obra que não crie problemas a ninguém. Temos interesse que este projeto corra da melhor maneira possível”, assegura o presidente do Conselho de Administração da APS.
Isilda Gomes respeita posição de Luís Encarnação
O projeto é da APS, é implementado na margem portimonense do Rio Arade e é benéfico em termos económicos para a região, há questões que devem ser acauteladas e que foram levantadas por Luís Encarnação e pelos movimentos de cidadãos que integra munícipes de Portimão. à Algarve Vivo, Isilda Gomes, presidente da Câmara Municipal de Portimão, refere a importância da obra para o concelho, mas também para a região algarvia. “Acho que deve servir a região, mas servir a região é respeitar também todos os municípios. Se a obra trouxer algum constrangimento para qualquer município, naturalmente que esse constrangimento deve ser ultrapassado e tem de ser resolvido”, assume. “Respeito as posições que têm sido tomadas, sendo certo que espero que sejam encontradas as melhores soluções para os problemas levantados pelos meus colegas. O turismo de cruzeiros é importante, mas não é só essa a vertente prevista para este porto, pois está também contemplado que seja de carga e descarga, e daí a importância estratégica deste porto para o sul do país”, esclarece.