Francisco Martins: “Já dei o que tinha a dar a Lagoa em termos políticos”

Ex-presidente da Câmara de Lagoa, entre 2013 e 2019, Francisco Martins, 56 anos, dá a primeira entrevista depois das eleições autárquicas de 2021, nas quais liderou o Movimento Lagoa Primeiro (MLP). Fala desse período conturbado e reconhece erros. Aborda a sua nova faceta da inteligência emocional, diz que não pensa voltar a exercer cargos políticos no concelho e salienta que o trabalho do atual executivo camarário está aquém das expetativas.

O que tem feito neste período após as eleições autárquicas de 2021?
Tenho vivido a vida. A melhor homenagem que fazemos à vida é vivê-la e não nos limitarmos a passar por ela.

Assumiu a presidência na Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Lagoa. Como tem decorrido esse trabalho?
Sou presidente desde o falecimento do Joaquim Lima, entretanto concorri duas vezes e fui eleito. É um trabalho que me dá muito prazer, é uma casa que vive com as aflições normais de qualquer instituição destas, em que não existem receitas para conseguir encarar o dia a dia com tranquilidade. É necessário fazer uma grande ginástica e ter vontade de fazer alguma coisa pela população. Acho que as coisas não se esgotam só quanto temos cargos políticos, existem muitas formas de intervir no nosso concelho. E esse é o meu trabalho e o meu contributo para Lagoa.

Liderou o Movimento Lagoa Primeiro nas últimas eleições. Qual é a situação atual da estrutura?
Os movimentos cívicos independentes, tal como as coligações, acabam no dia a seguir às eleições. O Movimento Lagoa Primeiro enquanto estrutura organizativa não existe. Extingue-se automaticamente, está na lei, tal como aconteceu agora com a AD nas legislativas.

Estará o MLP nas próximas autárquicas?
Poderá estar o MLP ou outra sigla qualquer. Depende se houver um grupo de lagoenses que se unam em torno de uma candidatura.

Com o Francisco Martins?
Certamente sem o Francisco Martins. Isso é uma certeza absoluta.

Pode ser seduzido por uma candidatura independente, apoiada pelo PSD ou pelo Chega, por exemplo?
Em relação ao PSD digo já uma coisa. Há dias, um amigo de quem gosto imenso, militante destacado do partido, disse-me que se eu viesse a ser candidato pelo PSD, entregava o cartão de militante. Foi sincero e agradeci-lhe por isso. Mais que não fosse por eu ser incapaz de carregar esse fardo, jamais seria candidato pelo Partido Social-Democrata. Prefiro que ele se mantenha como militante. Relativamente a outro partido qualquer que pudesse apoiar uma candidatura minha, isso não está nos meus horizontes. E qualquer candidatura teria de ser sempre em função de um projeto que acredite e apoiado por um partido com valores semelhantes aos meus.

Mas não poderá estar numas futuras eleições autárquicas?
Em política nunca podemos dizer que não, mas posso dar-lhe 99,9% de certeza que que não. O meu contributo e disponibilidade para a política nunca foi entendido como uma profissão. Já cá ando há uns 30 anos, passei por todos os órgãos do poder local. Acho que dei o que tinha a dar a Lagoa em termos políticos e já não sou uma mais valia para este concelho. No futuro não sei o que está reservado para mim, mas no imediato garanto que não está nos meus horizontes encarar qualquer candidatura ou manutenção na vida política de Lagoa.

Pelas suas palavras depreende-se que não está disponível para ter cargos políticos…
Disse que não estou disponível para Lagoa. Isso não quer dizer que não apareça qualquer coisa fora do concelho que me possa atrair.

Sente saudades do tempo em que foi presidente da Câmara?
Saudades não, mas tenho boas recordações. E más. Mas os anos em que fui presidente da autarquia foram um período que me deu imenso prazer, que tive muita pena de ter de interromper.

Quais são as boas recordações?
Quando conseguimos materializar, no momento em que entrámos na Câmara em 2013, uma ideia do que poderia ser a governação autárquica, assente em projetos. Não me refiro a obras. Levámos Lagoa para o exterior num período de crise, falamos de coisas que hoje são temas, mas que na altura não eram. Ou seja, antecipámos problemas. Tivemos um forte envolvimento em torno de um projeto que construímos e isso deu imenso prazer. O primeiro mandato foi de enorme realização.

E as más?
A minha saída. Embora tenha ouvido e tenha sido dita muita coisa, a verdade é a minha, que fica para mim. Ter de tomar essa decisão, foi muito penoso.

AS ELEIÇÕES DE 2021
A campanha eleitoral de 2021 foi dura, com muitas acusações e palavras fortes. Como se chegou àquele ponto, sendo que as pessoas meses antes eram todas do mesmo partido?

Falta de inteligência e maturidade de ambas as partes. Deixámo-nos dominar pelas emoções, em vez da razão e do respeito. De facto, houve exageros de parte a parte e não soubemos separar as coisas.

Lamenta algumas situações que se passaram?
Muitas, principalmente as que causei. Disse coisas que não devia e tive comportamentos que não devia ter tido. Os outros também tiveram situações ou atitudes parecidas e eles é que terão de dizer se lamentam ou não. Da minha parte, lamento o que podia ter mudado e não mudei, não tive essa capacidade, nem humildade. Deixei-me levar pelas emoções do momento, falhei e magoei algumas pessoas.

Como está a sua relação com o atual presidente da Câmara Luís Encarnação?
Está muito boa. Somos duas pessoas adultas, que são amigas e tiveram muitos anos num percurso juntos. O Luís Encarnação já me acompanhava nos tempos em que fui presidente da Junta de Freguesia de Lagoa, era presidente da Assembleia de Freguesia, foi meu número dois no partido e na Câmara. Temos um percurso de vida juntos. Com essa campanha eleitoral afastamo-nos e deixamo-nos influenciar pelo ‘burburinho’ à nossa volta. Mas a seguir às eleições conversámos, limámos arestas e hoje temos uma relação ótima.

Esteve seis anos na liderança da Câmara. Atualmente quais são as maiores dificuldades de um presidente?
A maior dor é a frustração de muitas vezes não conseguir materializar aquilo que faz falta ao concelho, por dificuldades e limitações da legislação e dos serviços, da rapidez com que se dá resposta aos outros organismos. Custa querer fazer, mas sentir que não é possível ao ritmo que esperávamos. Quando vamos para uma Câmara Municipal, achamos que vamos mudar e fazer coisas ao nosso ritmo. Contudo tomamos consciência de que não é assim, que somos quase só o chefe de serviços. Presidimos, mas não temos o poder de fazer as coisas com a celeridade que desejamos. Quando criticamos um município, seja ele qual for, que a obra não sai, que está tudo enrolado, acho que quem mais sofre é o presidente da Câmara, pois deu a sua palavra, acreditou que estava tudo programado, mas por fatores que não controla, as coisas não acontecem. É uma grande frustração.

Genericamente, na sua perspetiva, quais são os maiores entraves que existem?
Fala-se muito do simplex em Portugal, mas nós temos um ‘complicómetro’ no nosso país. Existe legislação com prazos desadequados da realidade e estamos dependentes de muitos organismos. Há demasiadas normas de controlo prévio, que no período de endividamento excessivo das autarquias fizeram falta, mas que hoje já não. Estamos amarrados, pois são vários os pareceres de diferentes organismos, é o Tribunal de Contas, depois é outra entidade qualquer. São imensos obstáculos para fazer uma governação. Cá fora, o cidadão comum não tem noção disto.

Ainda é um cargo apetecível?
Segundo a filosofia de conseguir desenvolver o concelho é apetecível. Ou seja, na teoria é, mas na prática é cada vez menos. É a maledicência, o enxovalhar da vida pessoal, as queixas anónimas ao Ministério Público e à Polícia Judiciária, por tudo e por nada. Andamos sempre com um clima de suspeição em cima. Assim estão todos a contribuir para que a qualidade dos nossos políticos seja cada vez menor, pois ninguém quer passar por isto. As pessoas competentes e com capacidade vão estar cada vez menos disponíveis.

A NOVA VIDA
Mais recentemente, ficou conhecido pelo seu percurso nas redes sociais com o tema da inteligência e cura emocional. Como surgiu esta faceta?

Em 2013, quando concorri à Câmara, disse que ia ganhar sempre. Se ganhasse as eleições ia para presidente e desenvolvia o projeto que tinha, senão iria ganhar tempo para outros projetos que me atraem. Saí da Câmara, estive mais ou menos dois anos a cuidar de mim, digamos assim, e comecei agora a desenvolver este projeto numa área que gosto imenso, que é cuidarmos e olharmos para nós. Temos um grande cuidado físico, mas nenhum a nível mental.

Quer explicar melhor?
Por exemplo, você corta-se vai ao hospital, é cosido e já está. Agora a dor emocional não se vê, nós próprios somos os primeiros a mascará-la. Temos vergonha. Então para mim foi um desafio muito interessante e olhando para as estatísticas, cerca de 80 por cento da população tem depressões e ansiedades. Estamos a deteriorar de uma forma acelerada a nossa saúde mental. Há mil projetos de atividade física, mas de atividade mental quase não existem. Então, entendi abraçar este estudo e está a dar-me muito prazer conversar com as pessoas, conhecê-las e ajudá-las a se autoconhecerem.

Esta faceta já existia em 2013?
Sim, na altura não se falava em inteligência emocional, era mais de trauma. É algo que não tem nada de holístico, de espiritual ou de religião. Quando comecei nas redes sociais, até me perguntaram se era vidente. Respondi que não, que este trabalho é científico, é no ramo da psicologia. Não vivo disto, sou enfermeiro. Esta área é algo que gosto muito e é um complemento ao que faço na minha profissão.

EXECUTIVO AQUÉM DAS EXPETATIVAS
Como analisa o trabalho do executivo de Luís Encarnação?

Não vou falar bem da Câmara, porque para isso têm um gabinete de comunicação como nunca houve em Lagoa, com uma capacidade de propaganda e de venda como nunca vi. Portanto, não vale a pena estar a fazer elogios, é só seguir o que é feito e anunciado. E também não vou falar mal, pois dentro das próprias hostes, no próprio executivo, há pessoas que conseguem falar muito pior do que eu. Fiz uma candidatura opositora a este executivo, porque temos visões diferentes daquilo que queremos para o concelho, embora fôssemos durante muitos anos companheiros do mesmo percurso. Até agora acho que, globalmente, está aquém da expetativa de todos, acredito que inclusive do próprio presidente da Câmara. Ele não o pode assumir publicamente, mas acredito que esperava ter feito mais.

O que tem faltado?
Uma das críticas que fazem à Câmara são as obras. Há pouco tempo saiu essa crítica e pouco depois foi feita uma visita a 13 empreitadas. Acho que o executivo lida mal com a crítica. É muito reativo e está demasiado dependente da crítica, quando devia estar mais distante disso e governar com maior determinação, como até acredito que tem capacidade para isso.

O que acha que tem sido bem feito?
Não vou entrar em pormenores. Sempre entendi que devia existir um projeto global de desenvolvimento. Não posso só dizer que aquela ‘estradinha’ foi bem-feita, quero saber qual foi o objetivo da intervenção. O que falta ao executivo é transmitir às pessoas qual o rumo que quer para o concelho, explicar porque está a fazer isto ou aquilo. Quando cheguei à Câmara, lancei um projeto de mobilidade, que era um problema grande que tínhamos. Dissemos o que queríamos fazer e ligamos Lagoa até praticamente à ponte do Rio Arade em passeio e com condições de mobilidade. Quando adquiri o terreno em Porches para a habitação a custos controlados e não para bairro social, não se falava de falta de habitação nessa altura. Mas sabíamos que era um problema que vinha a caminho e nós antecipámos. A água foi o mesmo.

Como assim?
Hoje toda a gente fala da água, mas fomos nós que começamos com o programa de redução de perdas com a substituição de condutas e baixamos significativamente. No primeiro mandato, gastamos mais de dois milhões de euros nas condutas e levamos a água à zona de Caramujeira e a Vale d’el Rey. Problemas que hoje oiço falar, na altura conseguimos antecipá-los e isso dá-me prazer. Acho que é isso que qualquer executivo deve fazer, saber qual é o rumo e antecipar problemas.

Acha que o executivo podia ter feito mais nestes dois anos e meio?
Sim, na habitação, por exemplo. Mas lá está, não sei qual é o projeto que existe nesta área. Em Porches, preferi aquele terreno para habitação a custos controlados, este executivo entendeu ampliar o bairro social. Quanto a mim, foi um erro. Depois, há muita conversa e muito plano, mas o que há é a necessidade de ter respostas imediatas.

O que faria diferente?
Há muita obra feita de forma avulsa. Lagoa é uma cidade morta ao fim de semana. Não há sítios para onde ir. Há quanto tempo se fala dos parques urbanos? Eu tinha um na FATACIL, este executivo já apregoou dois ou três no concelho. O do Parchal está agora em fase de adjudicação, mas é pela necessidade de fazer uma pista para o Europeu de Corta-Mato, que se realiza em 2025. Acho que faria as coisas com um rumo mais bem definido.

Quais são os maiores desafios para o futuro do concelho?
Em termos ambientais vão existir grandes desafios. Lagoa assentou sempre muito na qualidade e não na quantidade, mas cada vez temos mais quantidade. Acho que o maior desafio vai ser saber o que podemos fazer para manter um concelho de qualidade em termos turísticos. Veja-se o caso de Benagil. Era uma praia de pescadores, de famílias. Hoje já ninguém de Lagoa vai lá, está horrível. A praia está bonita, mas a chuva de caiaques, pessoas, boias, barcos… é isso que queremos? Acho que os políticos devem perguntar-se o que podem fazer para que a população de Lagoa possa dar vida à cidade e ao concelho. Temos de dar alegria e esperança aos cidadãos. Devemos fazer com que as pessoas acreditem que é bonito viver em Lagoa e não proclamar apenas que é bom viver no concelho.

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