GRATO: E quando quem ajuda também precisa que alguém lhe dê a mão?
Como a maioria das associações de ajuda aos mais carenciados, também o Grupo de Apoio aos Toxicodependentes (GRATO), sediado junto à zona ribeirinha de Portimão, na Rua das Comunicações, sente na pele mais dificuldades e vive com os cêntimos contados.
A pandemia da covid-19 criou mais obstáculos, mas o grande problema tem sido algo mais burocrático. É que, segundo conta Joaquim Magalhães, presidente da Direção do GRATO, a Segurança Social não atualiza as carreiras há vários anos, ainda que a associação o faça sempre que há uma alteração na situação dos funcionários. São 39 trabalhadores que têm os salários em dia, mas o responsável teme que o dinheiro não chegue até ao Verão.
“Este ano, as despesas aumentaram e nós não temos receitas. Só o que nos paga a Segurança Social, e mesmo assim, desde 2009, que não atualiza estes valores. Ou seja, sempre que um funcionário do GRATO sobe na carreira ou sempre que, por força da lei, é atualizado o salário, nós aumentamo-lo. Só que é um valor que sai do nosso bolso, porque não recebemos essa diferença da Segurança Social há 11 anos”, explica Joaquim Magalhães.
Esta situação leva a que a IPSS tente encontrar forma de arrecadar ‘rendimentos extra’ e a fazer uma enorme ‘ginástica’ para fazer face a todas as despesas. Um dos exemplos são os eventos de angariação de fundos, como o Jantar de Natal, o passeio de barco ou as sardinhadas que, este ano, o GRATO se viu impedido de promover devido à covid-19.
Por enquanto, “está tudo controlado, mas se a situação atual se mantiver receio que até ao Verão acabe o dinheiro e nós temos 39 funcionários a cargo”, lamenta. O futuro a longo prazo não se adivinha risonho, a não ser que consiga apoios de mecenas da sociedade civil ou de entidades.
“O GRATO está aflito, mas não vai falir amanhã. Temos os funcionários em dia e sabemos que o dinheiro da Segurança Social chega todos os meses, embora não seja o suficiente. É da verba para a manutenção que estamos a retirar para pagar esse complemento aos trabalhadores. Estamos a ‘espremer as continhas’ todas e não gastamos um cêntimo sem ter a certeza de que é estritamente necessário, pois somos muito rigorosos”, mas há muitas despesas. A Direção sabe que há sempre algum prejuízo quando apresenta as contas no final do ano, mas consegue esbatê-lo com esses eventos de angariação de dinheiro, daí as maiores dificuldades em 2020.
Chegou a estar organizado em março um grande concerto solidário para o GRATO e para os Bombeiros Voluntários de Portimão com nomes como Wanda Stuart, Viviane, Wesley Seme, Afonso Dias, Grafonola Voadora, Nelson Conceição e a Banda Alhada, que foi cancelado. Daria cerca de 20 a 30 mil euros de receita a ambas as instituições.
A mesma covid-19 que impede a angariação dessas receitas leva também a gastos extra, ainda que nalguns casos haja apoios, como nas máscaras e gel desinfetante pagos pela Segurança Social. A Câmara Municipal atribuiu uma verba que dará para as embalagens das refeições distribuídas. “Antes, os utentes traziam ‘tupperware’ e nós enchíamos, mas agora tem de ser descartável. Gastamos dez mil embalagens em menos de dois meses”, contabiliza o presidente da Direção.
Por outro lado, essas refeições são as que sobram das escolas do concelho, dos restaurantes locais, como ‘A Cozinha’ ou o ‘Icon do Algarve’, das pastelarias e que depois são doadas. Durante o confinamento foi mais complicado, porque as escolas estiveram fechadas e não houve sobras desses estabelecimentos.
A pandemia está a colocar a nu as muitas fragilidades da sociedade e há cada vez mais pedidos às diversas instituições do concelho. Uma realidade que existe em todo o país e que demorará a passar.
Há mais pobreza…
Quando foi criado, o GRATO tinha como índole prestar apoio aos que tinham dependências de drogas ou álcool, mas esses são tempos que já lá vão, esclarece Joaquim Magalhães. “Isto já não é a ‘barraquinha dos coitadinhos’ ali ao pé do Rio Arade. É uma instituição séria, dinâmica e com visão de futuro”, recorda.
O GRATO alargou serviços. Apoia estas minorias e dá a mão na hora da reintegração social, mas chega a muito mais utentes. São ajudados sem-abrigo, pessoas com carências económicas e beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI).
E, nos tempos que correm, a verdade é que não são necessários muitos entraves na vida de alguém para ‘ir parar à rua’. Perder um emprego, uma casa, uma família é meio caminho para passar a depender da caridade de outros.
No dia a dia do GRATO, há uma Equipa de Intervenção Direta na rua e uma de Reinserção Social que ajuda 450 famílias. A estas juntam-se a distribuição dos 180 cabazes do Banco Alimentar e do Fundo Europeu de Apoio a Carenciados (FEAC). Só as refeições são entre 50 a 60 por dia, quer pequenos-almoços, quer almoços. A articulação na rede social da Câmara Municipal levou a uma divisão de ‘tarefas’, havendo outras instituições como o Maps, a Associação Rio ou a Cruz Vermelha que garantem os jantares a estas pessoas, ainda que tenham valências e serviços direcionados a outros fins.
…sobretudo a ‘envergonhada’
“Muitas pessoas deixaram de ter a possibilidade de se alimentar de forma adequada e vêm cá pedir comida às escondidas, porque têm vergonha. Vêm fora das horas de distribuição para ter algum recato”, confidencia o responsável pela IPSS.
Os números relacionados com os sem-abrigo também têm vindo a disparar. São cerca de 120 os que estão sinalizados pela associação. “Há muitos mais do que no ano passado, sobretudo estrangeiros”, atesta ainda. As refeições são atribuídas por prioridade de necessidade, mas houve uma altura, este ano, em que o GRATO quase não tinha comida para alimentar tantas ‘bocas’.
Joaquim Magalhães acredita que a situação ainda haverá de piorar. “Já está a acontecer. Nos primeiros tempos as pessoas ainda estavam na dúvida se teriam trabalho ou não”, mas agora a taxa de desemprego subirá com a época baixa do turismo.
A alimentação é essencial, mas também o é a higiene e, com a pandemia, os balneários do GRATO ficaram fechados, pois ninguém pode entrar na instituição. A distribuição de comida e outros bens é feita à porta.
O Grato alargou serviços. Apoia estas minorias e dá a mão na hora da reintegração social, mas chega a muito mais utentes. São ajudados sem-abrigo, pessoas com carências económicas
e beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI)
“Entretanto, começaram a ir ao balneário camarário, mas houve uma altura em que a autarquia disse que não tinha um funcionário para lá ficar. Então, propus que um dia ou dois por semana, o GRATO assegurasse o funcionamento e, nos outros dias, seriam outras associações. Distribuímos lá ou levam daqui os ‘kits’ de higiene, com champô, giletes e outros bens e tomam lá banho. Vamos começar a dar apoio na roupa de novo, porque temos muito vestuário para dar, mas tivemos de parar por causa das contaminações da covid. Já temos máquina de lavar e secar para tratar da roupa e começar a distribui-la. Há pessoas que vão lá acima tomar banho e vestem a mesma roupa. Não faz sentido, nem deve ser assim”, lamenta Joaquim Magalhães. Também para muitos sem-abrigo a morada oficial, onde vão buscar o correio e o RSI, é na sede do Grupo de Apoio aos Toxicodependentes.
Além destes apoios, há o apartamento de Reinserção Social com cinco vagas para utentes das comunidades terapêuticas ou das prisões, com vista a reinseri-los na sociedade. Há ainda a Casa de Acolhimento Temporário para as mulheres sem-abrigo, que as retira das ruas e tenta ajudá-las a voltar ao trabalho.
“Temos tido bastante sucesso, mas também estamos com dificuldades, pois a Segurança Social diz que a casa não tem as medidas regulamentares exigidas. É verdade que os quartos são pequenos, mas são bons, com ar condicionado e casa de banho e elas estão melhor ali do que na rua. A renda é cara e o apoio que temos é uma verba da Junta de Freguesia de Portimão de cinco mil euros”, conta. A renda anual fica no dobro desse valor e não é fácil que um senhorio alugue um imóvel para este fim a um valor mais baixo. São visitadas todos dias por uma técnica que verifica se está tudo limpo e em ordem.
Ampliação da creche ‘Jardim do Sol’
O GRATO passou a integrar, desde a semana passada, o programa dos Contratos Locais de Desenvolvimento Social (CLDS), que está vocacionado para a integração no mercado de trabalho, no meio familiar e a nível escolar. Pretende formar quem deixou os estudos, motivar a procura ativa de trabalho e apoiar na criação de um currículo. O espaço e as valências são pagos com fundos comunitários e há ainda uma colaboração estreita com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP).
O desafio para o futuro passará também pela ampliação da creche ‘Jardim do Sol’, na Cruz da Parteira, que já tem projeto e será submetida a um novo programa de apoio à construção, semelhante ao PARES, assim que foi publicado em Diário da República. “Queria fazer mais duas salas, pois há necessidade de espaços para crianças entre os 3 e os 5 anos. Para já, o espaço atual tem capacidade para 40 crianças, das quais 33 são apoiadas pelas Segurança Social. É uma muito boa, foi construída de raiz e é muito conceituada”, destaca.