Hugo Alves, diretor do Algarve Brass Forum: “Falta regulamentação na música”

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Em entrevista à Algarve Vivo no final da primeira edição do Algarve Brass Forum que reuniu durante o passado fim-de-semana músicos, professores e alunos, entre outros elementos do sector, no auditório municipal de Lagoa, o diretor do evento, Hugo Alves, fez um balanço positivo da iniciativa e apontou o que está mal em Portugal. “As pessoas têm pouca paciência para ouvir música” e “há gente a desistir” desta atividade e a emigrar, alertou.

Texto: José Manuel Oliveira

Foto: Eduardo Jacinto

“Como em todas as atividades, a música necessita de regulamentações. Houve uma lei que obrigava, por exemplo, parte da hotelaria a ter uma banda com quatro músicos, dois dos quais tinham de ser portugueses e com carteira profissional. Isso desapareceu. Hoje somos todos músicos… Portugal tem dez milhões de habitantes e todos somos músicos!… Em face das não condições existentes acontecem, hoje, as aberrações que vemos todos os dias com pessoas a praticar música, sem qualquer qualidade e isso até nem tem nada a ver com estudos”.

Quem o diz, em entrevista ao nosso site, é Hugo Alves, trompetista e fundador da Orquestra de Jazz do Algarve, que organizou o Algarve Brass Forum, primeiro evento do género realizado em Portugal na área dos instrumentos de sopro na generalidade, na sexta-feira e no sábado no Auditório Municipal de Lagoa.

“O balanço é bastante positivo. Tivemos na sexta-feira a visita de muitos alunos e professores de escolas. As conferências durante este fórum serviram de discussão entre os músicos e o público, que englobou também outros profissionais de música e estudantes do sector. Levámos a efeito uma iniciativa, digamos não sectária, que conseguiu atingir os seus objetivos ao colocar toda a gente ligada à música ao mesmo nível a conversar sobre música, sobre os problemas, os aspetos positivos e os menos bons. Nestes dois dias, as pessoas puderam assistir às conferências, em que falámos sobre os instrumentos que os conferencistas tocam. Mas também abordámos outras questões, as quais têm a ver com a música em si, bem como a interação da música e o que esta significa e como faz parte da vida das pessoas”, afirmou Hugo Alves.

Público “não deu para encher o auditório”

Houve conclusões e o diretor do evento considerou-as “muito interessantes”. E explicou: “Existe imensa preocupação, por exemplo, no ensino da música e não estamos a referir seja o nível profissional, o articulado e o ensino nas escolas, nomeadamente no superior. Até porque os conferencistas que participaram, na sua maioria, neste evento são professores desse grau de ensino. Mas tem a ver sobretudo com a forma como as coisas estão a ser feitas, aquilo que os alunos de música deviam fazer mais e fazem menos. Por exemplo, entre todos concluímos que as pessoas ouvem pouca música. Têm pouca paciência para ouvir música. E ao nível dos estudantes, essa situação é ainda mais importante. Às vezes, seguindo as enciclopédias fazemos de uma certa forma porque pensamos que é assim. Mas ninguém vai à procura do motivo pelo qual se fazem as coisas dessa forma teórica. Isso é obviamente prejudicial para um estudante de música, como para qualquer profissão. Parece que estamos a viver um pouco a civilização romana que dizia: «fazemos as coisas assim porque os gregos diziam que é assim…”. Mas quem decidiu e experimentou como as coisas funcionavam foram os gregos. O que estamos a viver na música parece uma certa crise civilizacional”.

E a crise económica poderá afastar as pessoas da música? “A cultura insere-se naquilo a que chamamos economia do lazer. E esta é a última para a qual as pessoas estão disponíveis se tiveram dificuldades económicas. Preocupam-se mais com o trabalho, com o custo de vida. E só haverá disponibilidade para este custo se tiverem possibilidades financeiras e tempo para descansar”, observou.

A presença do público no Algarve Brass Forum foi considerada significativa para Hugo Alves, “mas não deu para encher o auditório.” “Não, não foi devido ao preço dos bilhetes” (12 euros por dia, com acesso aos concertos). Terá havido alguns problemas ao nível da divulgação, os quais nos transcendem enquanto produção do evento. Esse é um aspeto que terá de ser corrigido”, esclareceu.

De qualquer modo, acrescentou, “contámos com a presença de estudantes de música de várias zonas do País, e do Algarve, nomeadamente de Faro”.

 “Pôr todas as pessoas a falar” sobre música

E, afinal, o que representa para Lagoa este evento musical? “Significa muito e não estamos a empolar. Para já, Lagoa foi o berço nacional desta nova criação. E este foi um fórum único a nível nacional de discussão e reflexão sobre a música. Na Europa não há muitas iniciativas deste tipo. O interesse foi pôr todas as pessoas a falar”, sublinhou.

O Algarve Brass Forum irá continuar em 2016 e em princípio no mesmo local. “Trata-se de uma organização da Orquestra de Jazz do Algarve, com sede em Lagoa. Por outro lado, esta cidade reúne condições para se levar a efeito um evento desta natureza. Abrimos um livro e estamos a desfrutar de uma página bastante interessante. Lagoa está na vanguarda de um evento nacional que interessa a qualquer cidade do país. Nada disto seria possível sem o apoio da Câmara Municipal, além de ajudas do Governo, através da Direção Geral das Artes. As pessoas que aqui estiveram durante dois dias transmitiram-me a certeza de que este é um evento inovador e eu não tinha a ideia de que seria tanto assim. Lagoa é uma cidade bastante voltada para a cultura”, frisou Hugo Alves. Agora, é tempo para “fazer uma avaliação sobre o que terá corrido bem e o que correu melhor, para mexer, ou não, no formato deste evento com vista ao futuro”.

No 6 de outubro, a Orquestra de Jazz do Algarve completou onze anos de existência “e houve apenas alguma festa interna, como aliás é costume”. “Aproveitámos o concerto na sexta-feira à noite também para comemorar também o Dia Mundial da Música, e essa é a nossa exteriorização”, notou.

Legislação revogada criou o caos

Hugo Alves não tem dúvidas de que a música é uma profissão em Portugal. “Mas tem de ser respeitada”, alertou. “E tem de voltar a possuir um determinado código de ética. O que falha? Como em todas as profissões, a música necessita de regulamentações. Deixar a trela solta nunca dá bom resultado, o cão foge sempre. Tem de haver controlo. Havia alguma legislação dos anos 60, que foi revogada em 1989, a qual regulamentava o trabalho dos músicos. Ao desaparecer a regulamentação, alguém quis criar o caos. Quem foi o responsável? Teríamos de perguntar aos decisores políticos. Como em todas as atividades, a música necessita de regulamentações. Houve uma lei que obrigava, por exemplo, parte da hotelaria a ter uma banda com quatro músicos, dois dos quais tinham de ser portugueses e com carteira profissional. Isso desapareceu. Hoje somos todos músicos… Portugal tem dez milhões de habitantes e todos somos músicos!… Em face das não condições existentes acontecem, hoje, as aberrações que vemos todos os dias com pessoas a praticar música, sem qualquer qualidade e isso até nem tem nada a ver com estudos”, garantiu.

Desconhece se existe muito desemprego na música no nosso país. “Haverá certamente e só vamos percebendo mais quando as pessoas que são músicos deixam esta atividade e se dedicam a uma outra”, notou.

Afinal, o que é preciso mudar em termos de legislação? “Todos nós sabemos o que tem acontecido nos últimos anos. Portugal tem, hoje, um problema de dependência europeia. A União Europeia está a transformar-se numa solução federalista, onde os maiores países mandam mais. Isso reflete-se em todos os sectores da sociedade. Nos hotéis e nos bares, qualquer pessoa pode tocar música, como em qualquer local não há regulamentação, ou política de preços. As orientações, em geral, da União Europeia falam em mercados livres. Mas qualquer economista sabe que os mercados não podem ser totalmente livres porque essa situação leva ao caos e o caos conduz a quebras demasiadas de preços. E isso sucede na música, como em qualquer outra área. Há gente a desistir da música. Já perdi a conta aos meus colegas que nos últimos anos têm saído de Portugal à procura de outras atividades. Alguns emigraram para países nórdicos, outros para países até do Oriente e para outras zonas do mundo”, lamentou Hugo Alves.

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