João Paula: “Quando meti as mãos à obra não esperava este crescimento” 

Texto: Hélio Nascimento | Fotos: Eduardo Jacinto


Se os números não enganam, os registados pela Escola Shotokan Karaté Portimão (ESKP) comprovam o crescimento de uma coletividade que agrega entusiasmo e motivação num patamar de considerável qualidade, traduzido pelos 210 atletas que frequentam as aulas e pelos muitos pódios alcançados em competições regionais e nacionais, para além da presença, com a conquista de medalhas, de dois karatecas em representação das cores de Portugal. E ‘ver para crer’, basta dar um salto à Rua dos Bombeiros Voluntários de Portimão, lote 5, onde a azáfama é diária e divertida.

O clube foi fundado em 2013 e tornou-se ‘oficial’ em 2016, pelas mãos de João Paula, hoje com 50 anos, que deu os primeiros passos na modalidade em Tavira, com o mestre João Dias, que a dada altura o convidou para começar a dar aulas. “Tinha aí uns 18 anos e já integrara a seleção, quando me iniciei no ensino, com os juvenis a meu cargo”, conta. Daí para cá, a bem dizer, nunca mais deixou as aulas. “Casei aos 25 anos e fixei-me em Portimão, mais focado na minha vida profissional, mas o karaté acabou por falar mais alto”, acrescenta. 

O bichinho fica sempre e João Paula não faltou à chamada. Primeiro só como praticante, alimentando a paixão, e, depois, também graças ao entusiasmo do filho, de novo como professor. “Na Bemposta, ainda me lembro, tinha dois ou três alunos, que pagavam 25 euros cada, enquanto o aluguer do pavilhão custava 75. Quase pagava para dar aulas, mas nunca desisti”, afirma o mestre, que, em termos profissionais, é encarregado geral de uma firma de construção e engenheiro técnico.

A esposa e o filho também dão aulas
“A Escola foi subindo de nível e atingiu dimensões consideráveis, inclusive com alunos já em competição. Entendi que era preciso dar um salto maior, para ter apoios e direitos e sair da sombra. Em 2016 fizemos a escritura”, diz ao Portimão Jornal, pouco antes de dar início à primeira das aulas de um dia de karaté. João Paula tem o grau 2 e como instrutor chefe visiona os tais 210 alunos, dos três aos 70 e tal anos.

“O número tem vindo sempre a subir, o que muito nos orgulha. Tínhamos 175 no ano passado, e, para tantos atletas, tenho o apoio de mais sete instrutores, todos graduados, que dão aulas na Escola Nuno Mergulhão, no Pavilhão da Boavista, em Silves e na ACD Ferragudo”, numa espécie de ‘ramificações’ da escola, sediada, como já se disse, em Portimão.

As curiosidades não ficam por aqui e têm forte incremento familiar, uma vez que a esposa, Ana Paula, e o filho mais velho, Tiago, também dão aulas, apoiados por dois dos alunos mais experientes. “Sim, peguei-lhes o gosto. Lembro-me que quando namorávamos a Ana já treinava, paixão que envolveu também os nossos filhos, o Tiago, que dá aulas, e o Pedro, que está em Faro a tirar o curso de desporto e faz competição, sendo internacional”.

Entre a imensa atividade diária, ganham destaque as turmas do pré-karaté, dos três aos cinco anos, com muita alfabetização motora, depois a dos jovens adolescentes, mais dinâmica e competitiva, e, também, a dos que preferem o lazer e a manutenção.

“Há ainda uma aula para autistas, que me enche de orgulho. São sete os meus meninos, que vêm cá de forma gratuita, uma vez por semana, numa oferta nossa, porque acho que temos de deixar uma marca na sociedade. É um trabalho espetacular, já com dois anos”, vinca o professor.


Classes praticamente esgotadas

Em relação à vertente competitiva, com Faro e Olhão na dianteira do karaté algarvio, João Paula considera que Portimão integra o lote dos mais fortes. “Estamos bem lançados, com alguns títulos de vice-campeões nacionais e um 3º lugar. Nas provas regionais temos dez pódios. Agora, dia 27 deste mês, vamos a Tavira, com várias dezenas de karatecas, a uma competição regional”, destaca o professor, acrescentando que a turma da ESKP só para competição engloba 25 alunos, a partir dos nove anos.

As classes, aliás, estão cheias, praticamente esgotadas, contabilizando 21 ou 22 praticantes em cada, com as aulas a estenderem-se das 18h00 às 21h30, todos os dias, e, em muitos sábados, há treinos para os que fazem competição.

Reforçando o princípio ético da modalidade, o objetivo primordial do karaté não é decidir quem é o vencedor e quem é o vencido. “O karaté é uma arte marcial para desenvolvimento do caráter por meio do treino, para que o karateca possa superar quaisquer obstáculos, palpáveis ou não”. Neste contexto, durante o ano, “trazemos a Portimão vários eventos de qualidade e de extrema aprendizagem e também organizamos e participamos em vários cursos, onde se proporciona um amplo conhecimento sobre esta arte marcial”.

Na circunstância, tal como o responsável gosta de sublinhar, 2023 foi “um ano incrível”. Numa súmula apropriada, “vivemos bastantes aventuras, percorremos o país de norte a sul, viajámos à ilha da Madeira, realizámos o I Open Karaté Portimão Carlos Santana, participámos no Europeu em Cádis, realizámos a nossa II Gala de Natal, recebemos e fomos a diversos estágios, um atleta foi homenageado com o cartão branco”, enfim, tantos e tão bons resultados, quer no campo desportivo quer na afirmação de pleno direito de uma coletividade que valoriza a comunidade.

Entre a cama e o roupeiro…
Pedro Paula e Madalena Jacinto foram aos Europeus em Cádis, “os únicos do Algarve e da nossa escola na Seleção de Portugal”. A Madalena ficou no segundo lugar e Pedro no terceiro, ambos em equipas e em kumite (a arte do combate), o que deixou o mestre embevecido.

Isso, todavia, não o impede de ir mais além. “Para mim, competição não quer dizer ganhar, é, também, saber superar as desilusões. Quem faz desporto sabe que a competitividade é boa, mas quanto baste, sem querer ser o melhor a todo o custo. Eu até sou o professor dos abraços, porque dirijo-me sempre a um aluno quando sai derrotado do tatami, para lhe fazer uma festa e dar conforto. Perdeu, mas esteve lá, superou-se. E eu tenho aqui miúdos que são agora mais seguros no dia a dia”, afirma.

A maioria dos karatecas da Escola têm entre nove e 22 anos e são de Portimão, a par de alguns que vivem em Ferragudo. “Quando meti as mãos à obra não esperava este crescimento”, confessa João Paula, recordando um período que muito o marcou. “Na pandemia não parámos a atividade. Durante esses meses ia para a minha cave, com tapetes e uma câmara, nunca deixei de dar aulas. Mas olhe que cheguei a chorar… era a dor de não estar com eles. Tive miúdos que treinavam entre a cama e o roupeiro. O calor que existe entre nós é fantástico!”. 

Em termos de apoios, o da Câmara Municipal de Portimão, através do contrato-programa, revela-se fundamental e estende-se à cedência de pavilhões.

“O resto é trabalho nosso, com as quotizações e muito graças aos pais dos alunos, que estão sempre presentes e contribuem com uma forte dinâmica para as nossas iniciativas e atividades. Envolvem-se muito, prestando-se a acompanhar os filhos e colaborando na organização. São um elo bastante importante”, reconhece João Paula.

Madalena e Pedro no pódio do Europeu

Madalena Jacinto e Pedro Paula são dois dos mais promissores karatecas da Escola, ambos internacionais e com uma subida ao pódio ao serviço da Seleção Nacional na Liga Shotokan. A Madalena tem 16 anos, pratica há oito e frequenta o curso de línguas e humanidades. “O karaté veio desde pequena. Experimentei, fiquei apaixonada e hoje posso dizer que é algo que quero levar para a vida”, acentua a jovem 1º dan, a mesma graduação de Pedro, que tem 19 anos, cursa desporto em Faro e é filho dos professores João e Ana Paula. “Devo ter começado a brincar à modalidade aí com dois anos, influenciado pelos meus pais. Eles iam dar aulas, eu via e queria também participar”.

A presença na Seleção foi “o ponto mais alto da minha vida, com muita euforia, pois sempre tive o sonho de representar o meu país”, vinca Madalena, que foi medalha de prata na prova de kumite por equipas. “Trouxe mais incentivo, mais vontade ainda de treinar e evoluir”, acrescenta Pedro, bronze na mesma prova. “Houve também uma mudança de perspetiva, de abrir horizontes, até porque a nossa escola nunca estivera presente”. O sonho de Madalena, inspirada por cada vez mais mulheres praticarem a modalidade, é ir aos Jogos Olímpicos, quando o karaté figurar no mapa de disciplinas, enquanto Pedro aponta já aos Europeus – este ano em Matosinhos – e aos Mundiais.

Carlos Santana sempre presente

Um dos pontos mais altos da programação da Escola para 2024 é o Open Carlos Santana, que se vai realizar no dia 9 de março, no Portimão Arena. A primeira edição foi um sucesso e esta, garantem ao Portimão Jornal, será ainda mais espetacular, inclusive pela esperada presença de karatecas nacionais e estrangeiros de renome. E porquê o nome de Carlos Santana? O professor João Paula fala com emoção de “um grande amigo, que esteve sempre presente, que foi fundador da Escola, comigo e com a minha esposa, e cuja filha deu os primeiros passos como aluna na nossa coletividade”.

A memória de Carlos Santana perdura, inclusive através de uma imagem bem visível na sala dos treinos. “Infelizmente, faleceu, mas continua cá”, salienta João Paula, prometendo engalanar o Arena, com a ajuda de cerca de 40 voluntários, incluindo os pais, sempre envolvidos neste evento. E antevê que alguns dos miúdos agora na “linha de montagem” podem vir a entrar na Liga Shotokan Karate Portugal e, por tabela, nas seleções. A terminar, revela que Portimão deve ser o palco escolhido para receber o Europeu, em 2025, ganhando a corrida a outras cidades portuguesas. “Vamos participar na organização. Em Cádis estiveram 18 países, para o ano esperamos mais e melhor”.

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