Opinião: Congelar o efémero

Joana Martins Jacó
Organizadora Profissional Certificada
CEO da Mondom (serviços e consultoria em organização)
www.mondom.pt


Vivemos mais uma época festiva e de certeza que o leitor retratou momentos do seu domingo de Páscoa para mais tarde recordar. Tornou-se comum ouvir: “- Espera, vou tirar uma foto!” ou um simples “Sorri!” e, rapidamente, focamos a lente, com posse feita e permitimos um zoom que possibilite a melhor captura. Idealizamos o álbum ‘Páscoa 2022’, sentimo-nos mais confiantes, sabendo que mais um ano se passa, felizes por ter tudo organizado (será?).

Passam uns dias e, nessa semana, fotografamos um porta-velas numa loja de decoração (ambicionamos comprá-lo mais tarde em promoção), registamos o momento em que vemos os ecopontos a abarrotar (com o intuito de enviar um email para a Junta de Freguesia a alertar pelo sucedido) e pelo meio recebemos um sem número de imagens de conteúdo cómico, político e, às vezes, até sem grande conteúdo… que vão ficando armazenadas no nosso dispositivo móvel. Os dias passam e não há tempo para selecionar o que fica e o que será para apagar. A vida fotografa-se.

Nasci no início dos anos 80. As máquinas eram analógicas e para fotografar não precisavam de bateria ou cartões de memória. Os cinco sentidos auxiliavam o nosso cérebro a registar os momentos relevantes e os registos especiais, férias de Verão ou aniversários ficavam em 12 ou no máximo 24 frames de rolo de filme. O meu pai dizia que 36 já era arriscar imenso! Isto porque, se por acaso queimássemos a fita (bastava deixar entrar luz dentro do rolo), perdíamos as férias (que é como quem diz, ficávamos sem um único registo, ficaria tudo castanho, ou mesmo negro. Película queimada).

Eram necessárias mãos capazes de obter uma boa focagem e um olhar certeiro que enquadrasse o momento na área limitada pela lente, mas quem o conseguisse ficava com uma recordação mágica em mãos, durante largas dezenas de anos. Sempre ouvi dizer que uma fotografia tem uma centena de anos de vida, mas acredito que há papéis fotográficos que perdurem no tempo por mais anos.

Durante uma semana, a loja de fotografia revelava as nossas palhaçadas das férias, que é como quem diz, tirava os nossos momentos especiais de um rolinho para um álbum cheio de boas recordações. O tempo era outro, passava mais devagar e estava tudo bem com isso. Fotografava-se, revelava-se e guardava-se. Fazia-se acontecer.

Estamos em pleno século XXI e é fácil fotografar, editar e imprimir o que fotografamos. Podemos fazê-lo à posteriori ou mesmo no próprio dia. Mas será que, no meio de tanto conteúdo visual que tem o nosso telemóvel, aquele que mais capta o nosso quotidiano, temos esses conteúdos selecionados? Será que os passamos religiosamente para uma pastinha e, de tempos a tempos, decidimos imprimir os momentos registados para mais tarde recordar? Eu, organizadora profissional, me confesso. Sempre organizei, mas nem sempre imprimia e, no último ano, perdi o conteúdo da última década em família. Tire uns minutos por dia para limpar o que fica e imprima regularmente o que tem. Daqui a um tempo ficará feliz por isso!

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