João Reis, o professor que marcou gerações de lagoenses
Tem 85 anos, foi professor de educação física no concelho durante muito tempo, nas décadas de 70, 80 e 90, e é um rosto conhecido pelos muitos anos que dedicou ao desporto e ao associativismo. Foi um dos fundadores da associação ‘Amigos de Lagoa’, que nos anos 80 proporcionou, pela primeira vez, a prática no concelho de modalidades como judo, ténis, ginástica desportiva, para rapazes e raparigas, e ginástica rítmica feminina, classes de manutenção para adultos, além de ballet e dança jazz. Fundou ainda o Agrupamento de Escuteiros de Lagoa, em 1963, foi professor da ensino primário e delegado escolar.
Em 64 foi para o Instituto Nacional de Educação Física (atualmente Faculdade de Motricidade Humana), passando então à docência de educação física.
João Manuel Nascimento Reis nasceu a 23 de setembro de 1939, em Portimão. Iniciou o seu percurso na educação em Lagoa, onde foi professor primário. Ao nosso jornal, recorda alguns desses momentos. “Era professor primário e percebi que os miúdos não tinham nada para fazer em Lagoa. Assim fundei os escuteiros em 1963”, lembra.
Durante o ano em que lecionou na Escola Técnica de Silves, chegou a ter como alunos ilustres lagoenses como Jacinto Correia ou o professor Herrero. Como professor de educação física passou por escolas em Portimão, Silves e Lagoa, onde começou a dar aulas no ano letivo de 1975/76, no antigo Ciclo, agora CEFLA.
Entre 1990 e 2000, a convite da Câmara de Lagoa, criou, desenvolveu e coordenou a educação física nas Escolas do 1º ciclo do concelho e a iniciação desportiva, com o ‘Desporto Moç’ Pequeno’, com grande sucesso e impacto. De tal modo que, mais tarde, este projeto viria a ser adotado pela Delegação Regional de Educação do Algarve em todo o distrito de Faro.
Em 2001, deixou o ensino e reformou-se depois de 40 anos na profissão. Manteve-se sempre ativo na comunidade e até 2018 deu aulas de educação física a seniores no Jardim 5 de Outubro, num projeto da União das Freguesias de Lagoa e Carvoeiro.
Os famosos ‘rally pappers’
Iniciou o associativismo ao fundar a associação ‘Amigos de Lagoa’ em 1980, em conjunto com Álvaro Pina, António Bica, o padre António Martins de Oliveira, Jean Reis, Jacinto Correia e Duarte Bigodinho. Era a associação mais dinâmica à época, que promoveu os célebres ‘rally papers’ de Lagoa, um verdadeiro sucesso durante anos, que juntava e desafiava famílias a participar e a descobrir o concelho.
Além disso, a Associação contava com muitas outras atividades regulares como ginástica rítmica, desportiva, de manutenção, judo, ténis, ballet, dança jazz, mas também um grupo coral de adultos e um grupo infantil de flautas.
Tamanho dinamismo e predominância na sociedade lagoense, levou a que os ‘Amigos de Lagoa’ conseguissem construir dois campos de ténis e um pavilhão, situados ao lado de Centro Popular de Lagoa.
“O terreno foi adquirido com o dinheiro da associação, angariado através das mensalidades dos praticantes, das quotas dos sócios e de alguns donativos privados. Havia muita gente a participar nas aulas e noutras atividades e tínhamos um grande impacto na comunidade. Houve oferta de algum material, nomeadamente os tijolos para a construção, e o restante veio de fundos europeus, no caso específico dos campos de ténis, e houve ainda uma pequena ajuda da Câmara Municipal”, recorda João Reis.
Aquele foi um espaço de dinamismo desportivo, cultural e associativo durante anos. Após a extinção da associação, em 2001, os terrenos foram doados ao Centro Popular de Lagoa (CPL), ficando explícito na escritura o imperativo de as infraestruturas (pavilhão e dois campos de ténis) serem disponibilizadas para usufruto da população, o que nunca veio a acontecer.
Só há cerca de três anos, na sequência de um contrato de comodato entre o CPL e a Câmara Municipal, esse cenário começou a mudar, e tiveram início obras nos dois espaços. Os campos de ténis deram lugar a quatro espaços de padel e o pavilhão gimnodesportivo foi requalificado, tendo sido oficialmente inaugurado há cerca de duas semanas, a 2 de novembro. É agora local privilegiado para a prática de modalidades de artes marciais, como karaté ou jujutsu, e fica assim concretizado o desejo de os ‘Amigos de Lagoa’ de entregar à comunidade dois espaços que fizeram parte da história da associação.
Sala Gímnica ‘Amigos de Lagoa’
A Sala Gímnica ‘Amigos de Lagoa’ foi inaugurada a 2 de novembro, depois da requalificação levada a cabo pela Câmara Municipal, que ali investiu cerca de 450 mil euros.
O espaço está agora dotado de novas infraestruturas de eletricidade, iluminação, rede de abastecimento de água, telecomunicações, climatização e segurança contra incêndios.
A intervenção contou ainda com a substituição do piso e da cobertura, painéis solares térmicos e bomba de calor. Com esta requalificação o edifício passou a ter mais divisões, duas salas técnicas (bastidor e AQS), dois balneários, instalação sanitária adaptada a mobilidade reduzida, uma sala de arrumos e um recinto central para a atividade desportiva.
Na cerimónia esteve presente todo o executivo da Câmara, liderado por Luís Encarnação, bem como o presidente da União das Freguesias de Lagoa e Carvoeiro, Joaquim João, familiares de antigos associados e praticantes de modalidade de artes marciais.
“Estamos aqui para tornar realidade um sonho da extinta associação ‘Amigos de Lagoa’, que na escritura de doação ao Centro Popular deixou expressa a vontade de que este espaço fosse disponibilizado à população e à cidade de Lagoa. Recuperámos o pavilhão e os antigos campos de ténis são agora de padel e vamos colocá-los ao serviço do desporto e de todos os lagoenses. É um dia feliz para nós, mas também para os antigos fundadores e sócios da associação”, afirmou Luís Encarnação, presidente da Câmara Municipal.
O inovador ‘Vítor da Celinha’
São muitas as histórias e memórias da década de 70 e 80 em Lagoa. João Reis não esquece, uma do amigo ‘Vítor da Celinha’, como lhe chamavam. “O Vítor era um empresário muito ativo e dinâmico. A dada altura teve a ideia inovadora de colocar uma mesinha alta na rua para servir café na então Papelaria Celinha. Contudo, a Câmara opôs-se e não autorizou a continuação dessa ideia, com o argumento de que ‘café era café e papelaria era papelaria’. Recordo-me desse dia, de entrar na loja e de ele estar cabisbaixo com essa decisão”, lembra.
TESTEMUNHOS
“Trouxe consigo a frescura e a abertura de mentalidade”
“Não sei precisar exatamente quando conheci o professor Reis. A sua existência é definida ainda antes de ter sido meu professor. Nos anos 80, Lagoa era uma vila a erguer-se de um enorme atraso no desenvolvimento social e económico e com muitas desigualdades sociais. O professor Reis trouxe consigo a frescura e a abertura de mentalidade de um homem moderno, na forma de estar e pensar, com muita representatividade na comunidade, promovendo sempre a integração dos seus alunos de forma igual e justa na nova dinâmica social. Foi meu professor de educação física no quinto ano do Ciclo em Lagoa. Ativo, cheio de ideias e iniciativas que viriam a fazer a diferença no desenvolvimento da prática desportiva em Lagoa, nomeadamente na ginástica rítmica. É uma figura inolvidável que atravessou gerações, marcando-as pela positiva, particularmente, pela sua disposição para a diferença entre os seus pares.”
Carla Serol, antiga aluna
“Uma referência para mim e um amigo”
“O professor Reis é uma referência pela sua inteligência e sabedoria. Era uma pessoa que tinha uma visão clara sobre o desporto em Lagoa. É importante recuarmos 40 ou 45 anos para percebermos o impacto que teve na nossa comunidade, porque aqui não havia praticamente nada em termos de modalidades desportivas e ele trouxe isso. Criou a associação ‘Amigos de Lagoa’, que foi um projeto inovador na altura, e que proporcionou a prática de várias modalidades e isso, por si só, foi muito importante. Tive ginástica com ele no início da associação, mas depois mantivemos muita ligação fora do desporto. Tive a oportunidade de aprender muito com o professor Reis, até por ele ter vindo de África, tal como a minha família. Tinha com ele uma relação de proximidade e de amizade, foi uma pessoa que me marcou a vários níveis e, sem dúvida, uma referência e um amigo.”
Carlos Divengle (Calú), antigo aluno e amigo
“Culto e um conversador nato”
Falar do professor João Reis é recordar o início de carreira pedagógica na lecionação da educação física, atividade profissional abraçada até à data. Recordo-o como uma pessoa honesta, correta, de princípios, de rigor, culto e um conversador nato e junto deste amigo consegui beber alguma aprendizagem. Muitos foram os momentos privados, e em grupo, em que partilhamos conversas de uma diversidade temática enorme, mas acima de tudo, sobre aquilo que era a nossa ligação, enquanto agentes técnicos dos Serviços Desportivos Municipais do município de Lagoa. Crítico, mas assertivo, nas palavras e forma de estar, enquanto colaborador e também agente promotor do Plano de Desenvolvimento Desportivo Municipal, da década de 90, através do interessantíssimo e famoso projeto ‘Moç´pequeno’, que visava a intervenção junto do 1º Ciclo do Ensino Básico, na área da coadjuvação da Expressão Físico-Motora, que tanto contribuiu para o desenvolvimento da motricidade humana da população juvenil da altura, hoje adulta, neste nosso concelho. Grato ao professor João Reis, por me ter permitido ser próximo de si.”
Carlos Gordinho, professor e ex-colega
“Preocupava-se com os alunos”
“Foi um professor que trouxe muito ao desporto de Lagoa e que tinha um grande respeito por parte dos alunos e dos outros professores. Trouxe novas modalidades e enquanto professor de educação física trouxe outra visão e abriu horizontes. Fui aluno dele entre os meus 11 e 12 anos, no antigo ciclo, e deu-nos a conhecer outros desportos que não tínhamos tido contacto até à altura. Era uma pessoa de referência na escola naquela altura. Tinha uma grande paixão pela educação física, isso era notório, e preocupava-se com os alunos. No meu caso, até há alguns anos, quando ainda estava em Lagoa, sempre que me via, vinha falar comigo e perguntar como estava. Nunca cortou o elo de ligação professor/aluno.
Marco Bruno, antigo aluno
NOTA DO DIRETOR | Um dos melhores lagoenses
Não sendo um lagoense de origem, o professor João Reis é um dos melhores nesta categoria de cidadãos. Viveu muitos anos no concelho e marcou uma geração de lagoenses, com a sua atitude, carácter, postura e dinâmica enquanto professor, mas também enquanto dirigente associativo dos ‘Amigos de Lagoa’. Na década de 80, foi um dos principais rostos daquela associação, que inovou com a introdução e prática de várias modalidades no concelho e promoção de eventos culturais. Foi, diga-se, e justiça seja feita, o primeiro impulsionador do desporto no concelho. Culto, sempre mostrou uma visão diferente e à frente do seu tempo para o desporto e para a educação. Antes disso, já tinha fundado o Agrupamento de Escuteiros de Lagoa, ainda na década de 60, o que demonstrava já a capacidade de fazer acontecer. Colaborou, a partir de 2017, com esclarecidos e interessantes artigos de opinião no Lagoa Informa, sobre o concelho, a educação e o país. Nesse espaço, recordou ainda histórias e homenageou figuras marcantes do concelho, transportando muitos leitores para esses anos e reavivando memórias. Não vive por cá há cerca de cinco anos, reside agora em Leiria, mas visita todos os anos a ‘sua’ Lagoa, para reviver memórias e reencontrar amigos. Sou um dos privilegiados da sua companhia e de muitas conversas nessas visitas. Com pena, nunca fui seu aluno, mas muitos ensinamentos e reflexões retirei das nossas conversas ao longo destes anos.
Obrigado professor Reis!
Rui Pires Santos