Junho será animado pelas marchas e arraiais populares em Portimão

Texto e foto: Jorge Eusébio, in Portimão Jornal nº49


A revista do Boa Esperança Atlético Clube Portimonense já está praticamente de ‘malas feitas’ , preparando-se para uma digressão por vários pontos do Algarve.

O seu encenador e ator, Carlos Pacheco, diz que “já temos o mês de junho todo completo, começando pelo concelho vizinho de Lagoa, e também um elevado número de marcações para julho e agosto”.

Até domingo, dia 29 de maio, a equipa ainda vai continuar ‘a jogar em casa’, ou seja na sua sede. A sala tem estado esgotada em quase todas as sessões, “ultrapassando as nossas melhores expectativas”, garante o responsável máximo pela ‘Com a Corona aos Saltos’.

Carlos Pacheco confessa que, no início, teve algum receio em avançar com a revista e até propôs à equipa que o acompanha que, para jogar pelo seguro, fizessem uma produção mais modesta, uma comédia, que exigiria custos bem menores.

Ilídio Poucochinho apanhou-o a rir na plateia e para ‘castigá-lo’ mandou-o subir, desafiando-o a mostrar se conseguia fazer melhor que os atores amadores que se encontravam a preparar a peça

A proposta foi a votos e “acabei por ser derrotada, todos os outros foram da opinião que devíamos voltar ao teatro de revista, que é o género de espetáculo que as pessoas mais apreciam, bateram o pé e convenceram-me”.

A sua maior preocupação era que o vírus da covid-19, que ainda está bem ativo, obrigasse muita gente a desistir de ir ver a peça. E tinha alguma razão em estar apreensivo, pois a verdade é que, ao longo de quase dois meses de apresentações, houve vários cancelamentos por parte de pessoas que foram contaminadas.

No entanto, “como a procura por bilhetes é muito grande, temos conseguido ultrapassar essa situação, ocupando esses lugares em todas as sessões”.

Ao contrário do que, eventualmente, se possa pensar, não são apenas os residentes em Portimão ou das localidades vizinhas que se deslocam ao Boa Esperança. Uma parte considerável da assistência é composta por pessoas de vários outros concelhos da região, até do Sotavento.

São muitos os adeptos da revista que têm decidido tirar um dia – normalmente o domingo – para virem em excursão visitar Portimão e durante duas horas esquecerem as desgraças que afetam o mundo e darem umas ‘valentes’ gargalhadas.

É preciso saber ‘ler’ o público
Há cerca de quatro décadas que Carlos Pacheco anda metido nestas andanças e a experiência foi-lhe ensinando a ‘ler’ o público que tem pela frente, tarefa a que se dedica sobretudo ao longo dos primeiros minutos de cada sessão.

Com esse trabalho feito, e valendo-se da sua capacidade de improvisação e do restante elenco, consegue ir, em tempo real, “fazendo umas adaptações e alterações ao texto habitual, de forma a mais facilmente chegar ao público que temos pela frente, que é sempre diferente”.

Isso também vai acontecer ao longo da digressão, em que a equipa irá colocando umas ‘buchas’, em função da terra em que atuar e dos interesses e caraterísticas da população local.

A crítica social e política e as brincadeiras com pessoas bem conhecidas são dos elementos mais populares da revista. Isso tem o potencial risco de criar reações adversas por parte dos visados, mas, ao longo de quase uma vida em palco, têm sido poucas as vezes em que se deparou com situações mais sensíveis.

Fazendo um esforço de memória, Carlos Pacheco recorda uma rábula relativa a uma pessoa que usava peruca, uma informação que era do domínio público, mas que ela achava que não, e que se insurgiu contra o ‘quadro’ em que aparecia.

Outra situação resultou de uma brincadeira envolvendo o então presidente da Câmara, que terá ficado incomodado com algumas referências que sobre si teriam sido feitas. O problema é que, “como não tinha visto a revista, a informação que tinha foi-lhe dada por terceiros e não correspondia à realidade”. Um dia, Carlos Pacheco encontrou-o, disse-lhe em que consistia o texto e tudo ficou bem.

Da plateia para o palco
A ligação do atual ‘homem-forte’ do Boa Esperança com a coletividade e o teatro de revista começou quando ainda era miúdo.
Sempre teve uma grande paixão pelo palco e, aproveitava a sua condição de atleta do Boa Esperança, para ir à sede espreitar os ensaios.

Em determinada altura, Ilídio Poucochinho – que era o responsável pelo grupo – apanhou-o a rir na plateia e para ‘castigá-lo’ mandou-o subir, desafiando-o a mostrar se conseguia fazer melhor que os atores amadores que se encontravam a preparar a peça.
O ‘puto’ saiu-se bem da experiência e, de imediato, o encenador lhe disse que “a partir daquela altura passava a fazer parte da revista” e nunca mais a abandonou.

Carlos Pacheco elege Ilídio Poucochinho como o seu grande mentor, não só por lhe ter dado a possibilidade de seguir a sua paixão, mas também “pelo muito que me ensinou”.

Sobretudo nos primeiros tempos, procurou absorver tudo o que de bom o elenco fazia e, para melhorar ainda mais a sua performance, “também tirei muitos cursos de representação, mas considero-me, sobretudo, um autodidata, é em cima dos palcos que se aprende a sério a chegar ao público e a entendê-lo”.

Depois de tantas tentativas, aperfeiçoou o “sentido de oportunidade, o timing para dizer o texto da forma certa, que é algo que não se consegue explicar, mas que é possível aprender”, pelo que, garante, “nesta altura já sei o que as pessoas querem”.

Às vezes, a técnica bem oleada acaba por ter efeitos surpreendentes. Em alturas em que atuam para pessoas mais idosas, “algumas delas, que já têm problemas de audição, pedem às outras para rirem mais baixinho, para que possam ouvir os atores”.

Em determinada altura, devido ao sucesso que tinha, alguns dos seus colegas davam como certo que Carlos Pacheco acabaria por, mais cedo ou mais tarde, rumar à capital para fazer carreira nas grandes companhias de teatro.

Ainda houve algumas hipóteses de isso acontecer, mas “o que me ofereciam não era suficiente para deixar a minha terra, a vida que já tinha aqui organizada e o meu público”.

Para além disso, percebeu que a vida de ator em Lisboa não é tão perfeita como por vezes parece, pois há muita concorrência, para se ter emprego é preciso aparecer nos locais e festas certas, adular as pessoas que têm poder e, “francamente, não tenho paciência para essas coisas”.

‘Eu é que sou o presidente’
Para além de ator, encenador e responsável pelos textos que o Boa Esperança apresenta, Carlos Pacheco é, também, presidente da coletividade. O responsável por dar esse passo foi, também, o malogrado Ilídio Poucochinho que, “quando soube que os dirigentes de então estavam a pensar fechar a secção de teatro, resolveu apresentar uma lista para os órgãos sociais”.

Um dos seus objetivos é aumentar as instalações, com a recuperação e reabilitação dos imóveis situados junto à atual sede

Era de esperar que se apresentasse como candidato a presidente de direção, mas “insistiu que fosse eu, enquanto ele se candidatou à Mesa da Assembleia Geral”.

Daí para cá tem-se mantido como dirigente e procurado melhorar, cada vez mais e à medida das possibilidades, as condições da associação.

Um dos seus objetivos é aumentar as instalações, com a recuperação e reabilitação dos imóveis situados junto à atual sede.
As obras tinham começado antes da pandemia, “na altura já tínhamos recuperado o rés-de-chão, o que custou cerca de 270 mil euros”, mas a entrada em cena da covid-19 veio colocar um travão nas suas ambições.

O processo volta, agora, a avançar com uma intervenção, em três fases, na parte superior do edifício, o que, pelas contas de Carlos Pacheco, deverá implicar mais um investimento vultuoso, de “entre 150 a 200 mil euros”.

Uma parte substancial da verba é assumida pelo Boa Esperança, graças ao lucro que tem retirado de eventos realizados, das revistas e da participação no Festival da Sardinha, esperando o dirigente associativo que também haja um contributo da Câmara.

Uma vez concluída a obra, ficará com uma sala multiusos, que permitirá ao Boa Esperança voltar a receber atividades nas quais em tempos já se envolveu e, eventualmente, outras novas. Para já, na lista dos dirigentes da coletividade está o retomar da escola de teatro, escola de fado, danças de salão e hip-hop, entre outras.

You may also like...

Deixe um comentário