Nelson Caracol não troca pesca por outra atividade

Texto e fotos: José Garrancho


Nelson Caracol, 41 anos, natural de Alvor, é pescador por vocação e nunca quis fazer outra coisa, com muita pena da mãe. É o atual tesoureiro da Associação dos Pescadores Profissionais de Alvor, que conta com 30 associados, com aparelhos, covos e duas cercadoras. Mas só cerca de 20 são locais. Os outros são de Ferragudo e de Portimão, mas quiseram associar-se e foram aceites.

O que o levou para a vida do mar?
O meu pai sempre foi pescador de aparelho e eu, desde os meus dez ou doze anos, gostava de ir com ele, nas férias escolares. Chegava a esconder-me dentro do barco. Aos 16 anos, mal terminei a escola, fui logo para o mar, mas numa traineira. Aos 18 anos, alistei-me no exército, onde estive cinco anos. Quando regressei, fui logo trabalhar com o meu pai, com o aparelho. A certa altura, ele disse-me que, a partir daquele momento, eu tomava conta da operação e ele só me ajudava. Como éramos dois, levávamos duas artes.

A pesca com aparelho sempre foi muito usada em Alvor. Porquê?
Uma das razões é a facilidade de apanhar isco na ria – lingueirão, salsicha ou ralo – o que reduz muito o custo da operação, pois necessitamos de comprar menos sardinhas, cavalas ou lulas, para iscar os anzóis. E são melhores, apanha-se melhor peixe. Aprendi a apanhar e faço-o, nas marés grandes

Há horas melhores do que outras para pescar, não há?
É verdade. Saímos por volta das três da madrugada, porque a melhor hora é da noite para o dia. Mas depende de muita coisa: do peixe que pretendemos apanhar, do tipo de água, da lua, das marés. É uma pesca complicada e que requer grande conhecimento. A lua e a cor da água são elementos fundamentais.

O aparelho é uma arte de fundo?
É, porque o peixe que procuramos, como as bicas e os besugos, vivem no fundo. Mas, se procurarmos, por exemplo, o pargo, a dourada ou o robalo, trabalhamos mais junto à costa, com o aparelho mais à superfície. E há horas para pescar e para recolher, de acordo com as espécies.

A pesca é incerta. Qual é a sensação, quando se recolhe o aparelho?
Quando se começa a alar e vem peixe com fartura, ficamos a pensar, quando acaba: “Não haverá mais anzóis?”. Sentimo-nos compensados pelo nosso trabalho. Mas há dias em que não vem peixe e é uma frustração.

Mas a maior parte dos pescadores também pesca polvo?
A falta de mão-de-obra, em terra, obriga-nos a isso. O aparelho é uma arte que requer muito trabalho. Se forem duas pessoas e não vier muito mau, são necessários dois dias, à volta de 15 horas, para o safar e deixá-lo pronto para iscar, operação que irá durar mais quatro horas. E nós temos de comer todos os dias. Logo, virámo-nos para os covos, que dão menos trabalho e o polvo tem valor comercial.

Tem ajuda, em terra?
Felizmente, sim. Os meus pais, Maria Julieta e Paulo Caracol, são o meu suporte para safar e iscar.

Com o elevado número de horas que leva a preparar os aparelhos, como fazem, para estarem prontos, se as condições forem boas?
Temos vários aparelhos. Quando há tempo, safamos e iscamos as artes e guardamos nas arcas frigoríficas, preparados para sair a pescar, quando as condições o permitem. A pesca do polvo concede-nos esse tempo, por ser menos trabalhosa, em terra.

Vai ao polvo quando não há peixe?
Peixe, há sempre. Quando não se encontra num lado, encontra-se noutro. A razão por que me virei para os covos é o trabalho em terra. Tenho mulher e filhos e quero estar um bocado com a família. Com o aparelho, venho safar, logo de manhã, e aqui passo o dia. Se tenho maré, em vez de acordar às oito, levanto-me às seis, para ir apanhar isco, vivo só para isto. Quando chego a casa, quero é cair na cama, não tenho paciência para os miúdos. Para ter vida para a família e mais tempo livre, virei-me para os polvos, que também têm valor de mercado. Os covos estão lá a pescar e, no dia seguinte, levo isco, vou lá, levanto-os, tiro os polvos, meto isco e volto para terra.

Tem muitos covos?
Tenho 150, a quantidade autorizada para a minha embarcação.

E que isco usam?
Cavala, sardinha e caranguejo.

Houve uma altura em que o caranguejo foi proibido como isco, não foi?
Foi, mas já está autorizado, outra vez. E eu sou a favor e contra.

Porquê?
Se toda a gente respeitar o número de artes que está autorizada a utilizar no mar, sou a favor. Está uma semana de vendaval, isco os covos com caranguejos, daqui a duas semanas vou lá e sei que tenho o meu ganha-pão. Se iscar com peixe, desaparece ao fim de três ou quatro dias e a gente perde o pescado, porque o polvo sai. Sou contra, porque há pescadores que abusam. Em vez de trabalhar com a arte autorizada, usa três ou quatro vezes esse número. Todos os dias vai ao mar e vira uma arte. Se autorizam o seu uso, mas não controlam, é para destruir. É mau para quem trabalha com os covos, porque são muitas artes no mar e o polvo, em menos de nada, é todo capturado. É mau para as artes de cerco, pois os fundos estão cheios de covos, fazem um lance a acabam por partir a rede. Eles também querem trabalhar e estamos a prejudicá-los. O mar dá para todos, se toda a gente cumprir as regras estabelecidas.

E o futuro?
Irei continuar nesta vida. E não vou dizer ao meu filho para não vir para o mar. Diziam que a vida do pescador era uma vida do coitadinho. Eu olho a vida do pescador como trabalhar para ganhar. Pode-se ganhar tão bem como um médico, ou mais. Eu tive um mestre que me deu aulas que dizia que a pesca é 50 por cento de sorte, 25 por cento de sabedoria e 25 por cento de arte.


Consiste numa linha principal, a madre, que tem cerca de cinco quilómetros de comprimento. De três em três metros, é presa outra linha, o estralho, que leva um anzol, num total de cerca de 1700 anzóis. Há uma pedra na ponta inicial da madre, para levar a arte para o fundo. O pescador vai largando o aparelho, tarefa que dura cerca de uma hora. Quando termina, aproveita para lavar o barco e os utensílios, concedendo mais tempo ao peixe para ir comer o isco. Depois, começa a operação de levantar a arte, retirando o peixe dos anzóis. O primeiro anzol teve cerca de hora e meia de espera e o último, à volta de três horas. Safar o aparelho, operação morosa que se faz em terra, consiste em desenlear as linhas, substituir os anzóis torcidos ou desaparecidos, limpar as algas e a areia que vieram com a arte. A madre é colocada no centro de um caixote com as bordas em cortiça, onde vão sendo espetados, por ordem, os anzóis. Ao iscar, seguem a mesma ordem e os anzóis com o isco são colocados na borda do caixote. Só assim é possível ao pescador largar o aparelho com rapidez, sem que as linhas se entrelacem.

A Associação de Pescadores Profissionais de Alvor é proprietária da ‘marina’ e da grua, ainda fornece aos associados o transporte do pescado para a lota, gelo, a câmara de frio, onde podem guardar o peixe, se apanhado durante o fim de semana, e os aparelhos, já iscados e prontos para ir para o mar, tem uma funcionária que ajuda os pescadores com as matrículas e outros assuntos burocráticos. Também tem associados que são marinheiros recreativos, cuja receita é uma preciosa ajuda. Os pescadores de Alvor utilizam uma zona de armazéns, atualmente explorados pela Câmara Municipal de Portimão, junto ao pontão e à rampa de embarque.

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