O nadador-salvador de Alvor que toca, canta e ensina música

Texto: Hélio Nascimento | Foto: Portimão Jornal


Luís Sousa tem 54 anos, é de Portimão, mora nas Sesmarias e, desde o início do século, que desempenha as funções de nadador-salvador, reflexo de uma vida sempre em estreita relação com o mar. É o coordenador da zona de Alvor e recebe o Portimão Jornal na sua torre de vigia, local privilegiado para observar tudo o que o rodeia.

“As condições que temos agora são as melhores dos últimos anos, sobretudo em termos de contratos de trabalho, alimentação e estadias”, começa por relatar, alargando o comentário a todo o material que lhe é disponibilizado para garantir a segurança dos veraneantes.

Luís Sousa agradece à administração do grupo Pestana e à Câmara Municipal de Portimão, que “conseguiram articular esforços para dotar a praia de boas infraestruturas e fazer com que a rapaziada se sinta bem”, lembrando que até há bem pouco tempo “era impossível que os nadadores-salvadores de fora alugassem casas de verão por aqui”, um problema agora resolvido com instalações criadas a propósito. As torres de vigia, um projeto aprovado para este ano, constituem outra importante mais-valia.

São 15 as torres de vigia destinadas aos nadadores-salvadores que estão a funcionar nas praias da Rocha e de Alvor, na sequência de um protocolo de cedência das estruturas, para já durante dois anos, até ao fim da época balnear de 2025, estabelecido entre a Fundação Vodafone Portugal e a Câmara Municipal de Portimão.

A medida resulta do programa ‘Praia Saudável’ e a colocação das torres esteve a cargo de empresa contratada pela autarquia, com a colaboração e acompanhamento da Associação de Salvamento Aquático e Assistência a Banhistas, uma entidade que é licenciada pelo Instituto de Socorro a Náufragos.

“O nadador-salvador pode estar aqui o dia todo, com alguma tranquilidade, usufruindo deste excelente raio de visão”, resume o coordenador.

Uma ligação ao mar que se perde no tempo
A equipa de Luís Sousa comporta 11 elementos, a maioria brasileiros, a que se junta mais um para fazer as folgas dos companheiros. “É tudo mais funcional e faz a diferença, fruto destes bons pormenores. Tenho aqui uma equipa fantástica e estou contente por ajudar as pessoas que nos respeitam e as que vestem esta camisola”, vinca, apontando para o símbolo do nadador-salvador que tem ao peito.

A praia de Alvor está ‘dividida’ no que diz respeito a estes ‘vigilantes’, e, para além do grupo de Luís Sousa, cuja coordenação engloba dez concessões, foi criada uma associação que presta serviços aos restantes concessionários. “Eu não quis criar uma associação, sou assertivo neste ponto e estamos aqui todos para ajudar as pessoas. Estabelecemos contactos em caso de necessidade, e, já agora, aproveito para deixar aqui uma referência ao meu amigo José Viegas, da Praia da Rocha, com quem aprendi este ofício”.

Há mais de duas décadas a percorrer quilómetros de areal, Luís Sousa diz que ainda chegou “a trabalhar de blusa branca e calções vermelhos”, o equipamento mais antigo destes ‘guarda-vidas’. Antes, ajudava nas gaivotas e em outras atividades da praia, colaborando com amigos, na tal ligação ao mar que se perde no tempo. Quase sempre em Alvor, passou também por Armação de Pêra, trabalhando com o irmão, na Praia da Rocha e em mais locais da costa algarvia. E fez mais recentemente formação a nível de ambulâncias e socorrismo, porque quer sempre aprender e auxiliar o próximo. “Não tenho vícios, só o da música”, mas a esse já lá vamos, porque justifica, na verdade, um capítulo completo.

“Isto não é só peixe aranha”
“Chego antes das 9 horas, verifico se toda a gente está no seu posto e começo por observar as condições da zona. Se existem objetos cortantes ou alguma alteração ocorrida durante a noite que possa prejudicar os utentes. O que importa é que esteja tudo em segurança, quer na parte marítima quer na criação de um bom ambiente entre toda a gente”, descreve.

Os contactos com os elementos da sua equipa, via rádio, com recurso também ao telemóvel, se necessário, são permanentes. “Bom dia pessoal. Todos a postos?”, pergunta o coordenador. Mariano, Vinícius, Navarro, Leonardo e Raquel respondem de imediato e são trocadas mais impressões sobre o dia que têm pela frente. “Bom trabalho meus guerreiros, já vos passo outras informações”, acrescenta.

Depois, ao Portimão Jornal, diz que “hoje temos um calminho de sueste”, prosseguindo a explicação. “Vimos o que se passa em Tarifa e sabemos que no dia a seguir, sensivelmente, chega aqui. Antes era com o balão preto, agora há dados para avaliar as condições atmosféricas face às novas tecnologias”. A prioridade passa por verificar “uma ou outra corrente e limitar alguma zona de banho, com aviso para não haver mergulhos em sítios desconhecidos”. O papel da comunicação é sempre essencial para uma resposta rápida e eficaz.

A vigilância e prevenção estendem-se aos cuidados com jovens e crianças que às vezes vão atrás de uma bola ou de um colchão ‘mar adentro’, para lá do ‘olho aberto’ à tendência dos tais mergulhos nas rochas, que têm saliências pontiagudas e cortam mesmo. “Esta é uma zona movimentada e os acidentes podem acontecer, visto que há muita gente no verão. Há uns anos fiz um salvamento a duas pessoas, sem os meios adequados face à pressa da ocasião, e olhe, passei mesmo um mau bocado”, confidencia.

Luís Sousa confessa que ainda há dias “uma dessas pessoas até me deu um beijo quando nos reencontrámos”. Recorda, também, um episódio de quase afogamento de um senhor que faz questão “de celebrarmos a vida sempre que nos vimos”.

Em suma, o coordenador reconhece “o bom desfecho” na esmagadora maioria das situações e admite “alguma sorte nestes acidentes, pois tenho conseguido levar as ações a bom porto”, pese embora o trabalho deveras exigente durante as épocas balneares. “Isto não é só peixe aranha”, atira, com humor.

Guitarra, saxofone e outros instrumentos
Um nadador-salvador que toca, canta e dá aulas de música?! É mesmo isso que se passa com Luís Sousa, enriquecendo desta maneira tão especial uma vida dedicada às boas causas. “Já lecionei música, nas atividades extracurriculares, sobretudo pelas escolas do concelho”, para além de Lagos, Lagoa e até na prisão de Silves, lamentando nunca ter conseguido colocação. É uma paixão que “vem desde pequeno e me dá felicidade, pois ainda toco e canto e já fiz um espetáculo para a Câmara Municipal de Portimão”.

Luís Sousa estudou e especializou-se em guitarra, mas toca mais instrumentos, nomeadamente saxofone. “Participei em espetáculos, andei com bandas e estudei composição”, ou seja, é dono de imensa formação musical, incluindo o diploma tirado no conservatório e a frequência, com êxito, em outros cursos paralelos. “Ainda fui a Évora tentar tirar o mestrado, mas depois não deu”.

O coordenador da praia de Alvor também tocou e cantou em hotéis e restaurantes e trabalhou com muita gente grada no meio. Gosta de toda a música, adora ‘covers’ e, mesmo sem perder o ritmo, realça que “agora estou mais focado na praia e na minha profissão de nadador-salvador, que é muito nobre”.

De abril a outubro é vê-lo na praia dos Três Irmãos, sempre vigilante e saudado pelos veraneantes que o conhecem há anos, numa relação de quase amizade. “Depois talvez vá dar aulas, mesmo online, porque tenho de estar ocupado. Ou, então, dar aulas particulares. E tenho sempre o serviço para as ambulâncias”, atira, dando mostras da tal vontade férrea que o norteia para fazer da vida uma festa.

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