Opinião: Amargamente visceral!

João Reis | Professor, in Lagoa Informa Jornal nº167


Distinta jornalista, CLARA FERREIRA ALVES continua a deliciar-me com as suas crónicas semanais na Revista do “EXPRESSO”. Na edição de 6 de Novembro, volta a evidenciar a sua afincada atenção aos nossos País, Povo e Governo, a sua coragem jornalística, o seu apurado, isento e patriótico sentido crítico, a sua lúcida análise política/social.

As “entrelinhas” dos seus textos levam-me, muitas vezes, a pensar no escritor espanhol MIGUEL UNAMUNO, “Reitor Perpétuo” da Universidade de Salamanca que, amando Portugal como poucos, escrevia em 1908, na Guarda “Que terá este Portugal para assim me atrair? Que terá esta terra, por fora sorridente e branda, por dentro atormentada e trágica? Não sei; porém, quanto mais aqui venho, mais desejo voltar”.

Nesta crónica, sob o título “O POVO PORTA-SE BEM, VISCERALMENTE”, C.F.A. disseca minuciosamente “o estado da Nação”, com uma ironia fina quase trocista, fala dos acontecimentos nacionais da actualidade, ao mesmo tempo que os lamenta – a fuga do banqueiro e a falsificação dos quadros que lhe valeram milhões, o fim da “geringonça” e os seus “truques”, as minerações “transviadamente” autorizadas, os ministros que já não deviam sê-lo, as “confusões” nos partidos da oposição mas, principalmente, a forma como a gente/nós/o Zé/ o Povo “aguenta” tudo – com paciência, passividade, resignação e “deixa-andar”. Logo na 1ª linha da crónica “Aceita viver num país que o trata mal” constitui um esclarecedor “subtítulo”.

Enquanto a lia, provavelmente com um sorriso amarelo – indeciso entre o deleite e a preocupação – ia-me interrogando: “Porquê? Porque somos (ou estamos) assim?” ou “Haverá razões atávicas para esta maneira de ser (ou estar)? “Teremos tido, como povo, constrangimentos ao longo da nossa longa história, que nos tenham marcado assim?”. E, brincando aos historiadores, respostas foram assomando: “Tivemos constrangimentos, pois! E não foram poucos!”. Na Idade Média, o clero intimidou e reprimiu o povo, a troco das “bênçãos” e “assustava” a nobreza com o “inferno”, nobreza que, por sua vez, espoliava o povo – coitado! Quase 300 anos, chiça!! Depois, com o Sr. D. João III, Portugal “gramou” a Santa(?) Inquisição que, por motivos religiosos (ou nem esses…) enforcou, queimou, torturou ou decapitou milhares de portugueses. E amedrontou os restantes. Mais cerca de 3 séculos – exactamente 285 anos. Esqueçamos o fim da monarquia e princípio da república (ainda assim, tempos de balbúrdia, confusos, assustadores) para olharmos para 1933 e o “Estado Novo” – ditadura, censura (de pensamentos, palavras e acções), pides vigilantes e “eteceteras”; “quietos, caladinhos; não sei, não vi, não me metam nisso”. Mais 48 anos! Caramba – é muito tempo a fazer de conta que pensamos, que valemos, que decidimos. Como é que nos “safámos”, neste longuíssimo aperto? Criando um formidável “desenrascanço”, uma mal disfarçada ingenuidade, uma permanente desconfiança e, de forma notável, o querido “Xicoespertismo”!! VISCERALMENTE, como lhe chama C.F.A., esta é a nossa herança.

O “desmame” destes quase sete séculos não poderia, manifestamente, acontecer neste incompleto meio século pós Abril/74. MAS JÁ DEVERIA TER COMEÇADO! Com um hercúleo esforço na EDUCAÇÃO. Reformando-a de alto-a-baixo – com cientistas da educação, sociólogos e pedagogos (que os temos); não com administrativos burocratas que “reformam” vírgulas, pontos e “anos de escolaridade”, mas não IDEIAS. Quanto mais tarde for feita, mais complexa e difícil será.

Creio que ninguém estará disposto a esperar, lentamente, por outros 700 anos, para mudar!!!

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