Opinião: … E paz
João Reis | Professor
A ‘salada russa’ é famosa, muito agradável de sabor e bastante nutritiva. Da ‘roleta russa’, não poderei dizer o mesmo; acho-a ‘uma refeição indigesta’, principalmente se a bala estiver pronta para ser disparada. É um ‘jogo’ estupidamente suicida. A ‘montanha russa’ deverá ser excitante; nunca experimentei, mas imagino que seja um formidável ‘banho de adrenalina’.
Neste intróito, ligeiro, estão três realidades russas bem conhecidas. Pretendi, apenas, amenizar um pouco a crueza de uma outra realidade, mais intricada, que chamo, exactamente, ‘A REALIDADE RUSSA’. Seria veleidade propôr-me apresentar uma análise ou um estudo sobre tal matéria; esse trabalho deverá esperar-se de fontes mais historiográficas, não faltando meios para consultá-lo, desde o tradicional livro até ao mundo digital. Aqui, arrisco apenas algumas alusões a aspectos que me têm suscitado mais curiosidade e interesse.
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De entre os factos que poderiam constituir ponto de partida para esta ‘conversa’, optei pelo primeiro soberano russo que foi coroado Czar e considerado o fundador do Império Russo (1547). Seu nome foi Ivã e seu cognome ‘o Terrível’ (vá-se lá imaginar porquê!). Depois dele, o Império Russo conheceu uma longa série de czares e czarinas, de diferentes dinastias que o foram governando, geralmente, de forma despótica e absolutista – ‘Czar’ e ‘Império’ considerados a mesma entidade, não permitindo liberdades, nem ao sacrificado povo nem à dependente e amedrontada nobreza. Por demonstração de poder, foram anexando, por conquistas, regiões e povos que, entretanto, se estabeleceram na vizinhança. Muito fechada, esta sociedade foi ignorando mudanças que, no resto da Europa, aconteciam na política e nas gentes. Excepções, foram alguns czares (Pedro I, por exemplo) e alguns intelectuais que viajaram e viveram em outros países europeus, contactando novas ideias, diferentes culturas e artes que carreariam para a Rússia.
O compreensível cansaço de quase quatro séculos deste difícil viver, mais o aparecimento das ideias revolucionárias de Lenin, fizeram o caldo que viria alimentar a Revolução Russa de 1917. Obrigado a abdicar, o último Czar –Nicolau II – seria preso e, mais tarde, executado juntamente com sua mulher e cinco filhos, mais o pessoal que os tinha servido. Foi cruel!
A União Soviética (URSS), constituída em 1922, juntou as 15 nações herdadas do Império dos Czares e iniciou nova era que também ficou marcada pela opressão e pela ditadura do Partido Comunista, o único autorizado. O governo de Estaline, sucessor de Lenin, viria a ser um terror, com expurgos, desterros, prisões e execuções que, de forma arbitrária, levaram a morte a mais de cinco milhões de russos. As benesses recebidas, antes, pela nobreza imperial, provavelmente passaram a ser atribuídas aos membros do Politburo, do Comité Central e suas hierarquias. Assim, a passagem do Império para a União Soviética equivaleu a “sair do sal e meter-se na salmoira”, diz o nosso povo.
Mikhail Gorbachev seria, porém, em 1991, um clarão de esperança para a liberdade e democracia. Este presidente, do Partido e da Rússia, junto a ‘camaradas’ com o mesmo desejo libertário, conduziu à dissolução da União, ao reconhecimento da independência das suas 15 repúblicas e ao fim da ‘guerra fria’ que, desde a II Grande Guerra, mantinha com o Ocidente. Foi, infelizmente, ‘sol de pouca dura’. Vladimir Putin, antigo agente do serviço secreto soviético (KGB), surge na cena política russa em 1999 e acaba criando a mais esquisita, sincrética e anacrónica forma de governo – alia a prepotência czarista à ditadura soviética e ‘embrulha-as’ num capitalismo corrupto e mafioso que beneficia, essencialmente, um círculo oligárquico que tem, por decisor, o próprio presidente. E, à boa maneira dos czares, tenta reconquistar as regiões do velho império, que também foram repúblicas soviéticas e, agora, não sabemos o que irão ser.
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O Povo Russo, que não deve ser confundido com os seus líderes, volta a sofrer. A liberdade de pensar, de escrever e de se manifestar volta a ser sonegada. Os opositores são calados, presos e envenenados. Cresce a estratégica ‘desinformação’ assente na distorção da verdade e na pérfida imaginação de quem dela beneficia. Vai, de novo, caber ao Povo Russo a necessária sublevação, Povo que tem dado à Rússia a notável ‘multidão’ de pintores, compositores, bailarinos, poetas e escritores que, pelas suas artes, têm procurado dotar de DIGNIDADE a VIDA dos seus concidadãos. Não podemos – nós, os ocidentais – banir ou destratar um cidadão russo pelo facto de ser russo, como já tem acontecido por esse mundo fora; fazê-lo, é cair numa condenável intolerância.
Dos artistas que, acima, refiro, permito-me destacar um dos maiores, se não o maior – LEON TOLSTOI, autor da considerada maior obra literária de sempre, cujo título evoquei usando-o para intitular o anterior artigo e o de hoje: ‘GUERRA E PAZ’.
Escrito sem a aplicação do novo acordo ortográfico.