Opinião | Lúpus: a perda de tolerância ao próprio organismo

Bruno Grima | Unidade de Doenças Imunomediadas Sistémicas do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca


O Lúpus Eritematoso Sistémico é uma doença crónica sistémica autoimune, causada por uma perda da tolerância ao próprio organismo, com consequente agressão a vários órgãos. A causa é desconhecida, mas conhecem-se vários fatores envolvidos: genéticos, imunológicos, endócrinos e ambientais, como a exposição solar ou a medicamentos.
 
A doença apresenta um grande espectro de manifestações clínicas, podendo evoluir de forma crónica ou por surtos, com períodos de agravamento e melhoria. Afeta predominantemente mulheres em idade fértil com uma idade média dos 16 aos 55 anos, embora possa aparecer em idades mais jovens ou na população idosa e é mais frequente na raça negra, hispânica e asiática.
 
A alteração do sistema imune, possivelmente em resposta a um estímulo infecioso ou ambiental num indivíduo predisposto, leva a uma desregulação da resposta imunitária com produção de anticorpos e início de uma resposta inflamatória exagerada. A perda da tolerância contra as próprias células é uma característica, podendo atingir qualquer órgão, com as consequentes manifestações.
 
As queixas mais frequentes são os sintomas constitucionais (90%), como a febre, cansaço, perda de peso, ou relacionam-se com o envolvimento musculo-esquelético (80-90%) e cutâneo (mais de 80%), com dores articulares ou musculares e lesões da pele ou das mucosas, muitas vezes despoletadas pela exposição solar, das quais a mais conhecida é o rash em asa de borboleta. Muito frequentes são também as aftas orais ou nasais. Também frequente é o envolvimento hematológico, com aparecimento de anemia, leucopenia ou trombocitopenia, muitas vezes associados a anticorpos contra estas células, que levam à sua destruição.
 
O rim é afetado numa percentagem elevada de doentes, com manifestações de gravidade variável, podendo levar a inflamação importante, perda de proteínas, hipertensão arterial e doença renal grave, que pode terminar em insuficiência renal crónica e hemodiálise. A inflamação cardíaca, do pericárdio ou do músculo cardíaco ou alterações nas válvulas cardíacas podem levar a doença cardíaca importante.
 
O envolvimento pulmonar pode manifestar-se no próprio pulmão ou nos folhetos que o revestem – a pleura, por vezes associado a derrame pleural. Podem ainda haver diversas manifestações neuropsiquiátricas, desde cefaleias, epilepsia, psicose e alterações de memória, de gravidade variável. O tubo digestivo pode estar envolvido, embora menos frequentemente, com manifestações variáveis.
 
Por último a gravidez pode estar associada a um agravamento da doença, sobretudo se esta não estiver bem controlada no seu início, com possíveis complicações quer para a mãe quer para o feto.
 
O diagnóstico pode ser difícil e baseia-se na integração das manifestações clínicas características, alterações laboratoriais e na presença de anticorpos específicos. O tratamento passa por medidas gerais, suporte físico e emocional, proteção solar e pode ser baseado em medicamentos imunossupressores gerais ou dirigido aos órgãos atingidos, dependendo da sua importância e da gravidade da situação. Pode variar desde anti-inflamatórios, imunomodelação com hidroxicloroquina, utilização de corticoides até imunossupressão mais potente, eventualmente com o uso de fármacos biológicos.
 
Atualmente, com um diagnóstico mais precoce, um melhor controlo da doença e a utilização de novos fármacos mais eficazes e com menos efeitos secundários a longo prazo, a doença tem um bom prognóstico. As principais causas de morbilidade e mortalidade são as cardiovasculares, infeções e a doença renal.
 
Muito importante é a escolha de um médico(a) que tenha experiência nesta área, em quem tenha confiança, que possa gerir a doença e eventualmente oriente para as diversas especialidades quando necessário.

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