Opinião: O associativismo como espaço de sociabilização

Pedro Manuel Pereira Historiador


O movimento associativo em Portugal encontra as suas origens mais remotas nas corporações de ofícios medievais, que funcionavam sob a égide de santos patronos em função das respectivas profissões, em torno das quais se agrupavam os seus associados.

Eles eram as corporações de canteiros, de correeiros, de ourives, de tanoeiros, de pescadores e por aí fora. Tinham por objectivo fundamental a «protecção social» dos seus membros, incluindo as despesas de enterro quando do falecimento e o apoio às viúvas e filhos menores.

Este tipo de associativismo, podemos encontrá-lo um pouco por todo o país, de norte a sul. Um tipo de associativismo que nos alvores da modernidade se irá chamar de «mutualista».

Porém, o movimento associativo nos moldes em que hoje o conhecemos surgirá nos anos que se seguem ao final da guerra civil entre miguelistas e liberais (1832-1834), de que sairá vencedor este último «partido».

Com a vitória liberal e a implantação das reformas legislativas e sociais que se seguem, o movimento associativo em Portugal ganha outro fôlego, conquista outros campos de acção, abarca outras dimensões.

Por influência do que se passava além fronteiras, em especial em França e Inglaterra, mas com cunho bem português, surgem por todo o país imensas colectividades de cultura e recreio, caso das associações filarmónicas (algumas, poucas, haviam já nascido em finais do século anterior), associações humanitárias, de teatro, associações de instrução popular e associações patrióticas, por exemplo. Mas nascem também, as associações de defesa de classe, como as da classe operária, consentâneas com a industrialização emergente, como é o caso das associações de corticeiros, de metalúrgicos, de caldeireiros, de socorros mútuos, de operários fabris e outras.

De igual forma surgem as associações de artesãos, de empregados de comércio, de pescadores (com os seus compromissos marítimos), de grémios de industriais, de grémios da lavoura e por aí fora.

Embora os objectivos dos diversos tipos de associações fossem diversos entre si, tinham um denominador comum: a sociabilização e entreajuda dos seus associados.
Sem dúvida que os espaços associativos desempenharam, com maior importância que nos dias de hoje, locais de encontro, de aprendizagem, de vivências e convivências, com um grau de importância e de impacto superiores aqueles que se verificam nos dias de hoje. Nalguns casos, funcionaram como autênticas «universidades do povo».

Com o triunfo do liberalismo, uma nova era começava, proporcionando ao país, a par de um maior desenvolvimento a todos os níveis, abria-se uma nova perspectiva de vida, uma nova forma dos cidadãos estarem e de serem na sociedade, sobretudo, aos residentes nas zonas urbanas onde existiam industrias alimentadas por operários deslocalizados maioritariamente do campo à procura de melhores condições de vida para si e para as suas famílias, como é o caso de Portimão. Esta, que foi, até aos anos sessenta do século XX, uma cidade de grande implantação industrial conserveira.
De resto, um pouco por todo o país se foi verificando este crescente fenómeno associativo.

O aumento populacional que então se registava nas localidades industrializadas apelava à necessidade de convivência, face à interpenetração de famílias heterogéneas, oriundas das mais diversas regiões do país, tornando assim, espontâneo e inevitável o associativismo.

Em finais do século XIX e inícios do século XX, com o fervilhar crescente dos ideais republicanos, assistimos ao crescente surgimento de agremiações políticas com diversos matizes, nas quais irá germinar o fermento da revolução que implantou a República em 5 de Outubro de 1910. Surgem também, associações desportivas. Floresce, igualmente, por esta época, um novo tipo de associação de classe; a dos ferroviários, mercê do nascimento e desenvolvimento dos caminhos-de-ferro, que irão desempenhar um papel fundamental na aceleração do desenvolvimento económico e social em Portugal.

O país interligava-se mais rapidamente por via das artérias ferroviárias. As populações encontravam-se. As localidades, as regiões, intercomunicavam-se com fluidez. E descobriam-se. Descobria-se um país unido por laços culturais históricos comuns, mas distinto em hábitos, usos e costumes em função das diversas regiões.

Por via deste fenómeno, as colectividades, as diversas associações, irão desempenhar um papel fundamental como pólos de interpenetração de «culturas» e de união, entre as mais diversas gentes das mais diversas localidades, arribados, sobretudo, pelos acasos da fortuna, aos pólos urbanos industrializados, contribuindo assim, de forma não oficial, para a coesão nacional, de forma muito mais marcante que aquela que foi sempre imposta pelos acasos dos regimes e governantes.

Com a instauração da ditadura salazarista (chamado de Estado Novo) o movimento associativo irá ser fortemente combatido pelo novo regime, fundamentalmente, porque as associações eram espaços de liberdade, com órgãos democraticamente eleitos.

Os sindicatos irão ser «domesticados» à força, uns, outros, suprimidos; as colectividades, controladas abertamente, umas, outras, aquelas que iam conseguindo escapar ao controlo férreo da ditadura, viam as suas instalações devassadas pelas botas dos esbirros do regime, os livros das suas bibliotecas apreendidos, etc..

Como forma de tentar anular o movimento associativo espontâneo e as suas actividades, congregando-as num único organismo, o governo criou uma instituição denominada de FNAT (Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho), refundida em INATEL, após o 25 de Abril de 1974.

Após Abril de 1974, novas associações surgiram, mercê da restauração da democracia. As mais antigas tiveram de se adaptar aos novos tempos. Algumas, conseguiram-no com sucesso, outras, mantém-se como que à procura de novos rumos numa sociedade em mutação acelerada, num mundo cada vez mais globalizado, em que o individualismo prima cada dia mais sobre o colectivismo.

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