Opinião | O senhor cão da D. Alcina

Rute Sobreira | Advogada
rute.sobreira@outlook.pt


Ia o Tobias a passear ao colo da senhora sua Dona quando lhe chega ao nariz o delicado perfume de Fofinha, que passeava atrelada e feliz ao lado do jovem Afonso da rua de baixo.

Em modo de alerta, Tobias salta do colo da D. Alcina ao avistar Fofinha, linda e airosa com o seu pelo encaracolado, a atravessar a rua em sua direção.

É sabido que os animais, em particular os cães, têm entre si cumprimentos muito especiais e Tobias não se iria revelar diferente dos demais simpáticos canídeos.

E assim foi,
Tobias, viril exemplar masculino, confiante com o seu pelo preto e brilhante, resolveu apresentar-se a tão bela dama, fazendo aquela dança tão conhecida dos canídeos, abanando o rabo de contente, expectante de finalmente cruzar com Fofinha para abordar a fêmea e sentir o doce cheiro de quem havia tomado banho há menos de duas semanas. Delicado que era nem ousou ladrar para não assustar a fêmea.

Mal Fofinha se aproximou ao lado do rapaz, Tobias, cavalheiresco, sem conseguir controlar tamanha emoção, abanava o rabo cada vez mais depressa, afoito. Apontando o nariz molhado e pontiagudo em direção à retaguarda da cadela, contudo, sem grande sucesso. Já Fofinha, desagradada, desviava o rabo, indignada com a desavergonhada investida do macho. Senhora do seu nariz, sentindo-se rodeada, fez o que os cães fazem melhor, ladrou para impor respeito.

A D. Alcina pediu calma ao macho que prontamente se sentou a seu comando. Afinal era de elevado porte e distinção. Já Fofinha, não contente com o comportamento do bicho, rosnou, ao que Tobias, com educação, respondeu com um latido de cachorro. Não é que Fofinha despeitada, desconhece-se porque razão, ladra para a casa do lado de forma tão sonora, que o seu amigo canídeo Rafa, que estava do lado de lá da cerca, salta-a e ataca o cão menor. Entre outras coisas, abocanhou de tal maneira o pescoço de Tobias que a D. Alcina se viu obrigada a intervir, tendo, também ela levado uma valente dentada.

Resumindo e concluindo, cão e dona ficaram feridos. A D. Alcina teve de recorrer aos cuidados locais para fazer o curativo, já Tobias não teve tanta sorte, tendo seguido para os cuidados intensivos, onde foi submetido a uma cirurgia e, finalmente, acabado por morrer três dias depois.

Não é que depois de contactado o Sr. André, dono cão Rafa, para custear o pagamento das despesas nas quais a senhora incorreu – consigo e com o belo exemplar canino – se recusou a fazê-lo, porque entendia que Tobias não deveria fazer a corte à namorada do seu animal, Fofinha, mesmo nas suas barbas, pois que de outra forma o animal não se tinha visto obrigado a intervir para defender a honra da bichinha. Além disso, entendia que teria saído mais barato à senhora ter deixado o animal morrer, ao invés de custear hospitalização e cuidados como se de uma pessoa se tratasse. Até, porque ele tinha uma placa no muro da sua propriedade com a indicação “cuidado com o cão” e os animais são imprevisíveis, por isso não podia ser perseguido pelas opções da senhora pelo pagamento fosse do que fosse.

Mais tarde, já após a D. Alcina ter recorrido ao advogado, veio a saber-se nas redondezas que não só o dono de Rafa foi obrigado a custear todas as despesas da especialidade (médicas e veterinárias) desembolsadas, mas ainda uma indemnização pelo valente susto, tristeza e desgosto da senhora D. Alcina, que por causa do sucedido veio a perder o animal.

Por isso vos digo, quem “não tem mãos” para cuidar e vigiar os movimentos (danosos) do seu animal de estimação, por forma a não colocar em risco a integridade física de outras pessoas e outros animais, responde pelos danos, patrimoniais e morais. Mais tarde ou mais cedo.

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