Opinião: Recordar é… recordar!

João Reis | Professor


E só isso!! Ser ‘VIVER’ é uma metáfora, um ‘paliativo’ simpático, quando lembramos factos agradáveis doutros tempos. Irrepetíveis! Os tempos, as circunstâncias e nós-próprios não permitem repetições; tudo é diferente! Mas é bom mantermo-nos capazes de recorrer à memória, ao longo da vida; é de celebrar. O que recordo hoje, julgava ter acontecido há 20-22 anos. Errado! Tal recordação tem 34 anos – afirmado pelas minhas Filhas, a quem tive de apelar. Foi, pois, em 1988.

A exemplo de Verões anteriores, tivemos a companhia de outra ‘equipa familiar’ cujos membros tinham, também, ficado rendidos ao bem-estar que o campismo concede. Desta vez, rumámos ao Litoral Alentejano, à época, pouco concorrido, para lá ficarmos umas duas semanas, no Parque de Campismo da Galé – Melides.Não o conhecíamos, mas as informações recolhidas atribuíam-lhe uma boa qualidade. E, de facto, proporcionou-nos uma fantástica estadia.

Estava situado numa vasta área muito arborizada de pinheiros, com clareiras suficientemente apartadas para permitir privacidade aos ‘residentes’ das tendas. No respeitante a balneários, casas de banho, lava-loiças e lava-roupas, o parque era modesto; o pequeno edifício da recepção tinha acoplado um ‘mini-mercado’ que fornecia suficientes produtos básicos. Não havia restaurante. O que nos convidava à aventura de cozinharmos num mini-fogão camping-gás. ‘No problem’!!

Como outros parques que conhecemos e frequentámos, também este estava concebido para oferecer as delícias do campismo – o contacto profundo com a natureza, a sensação intensa de liberdade, o constante recurso ao ‘desenrascanço’ para resolver dificuldades, o sossego, a permanente descoberta de pequenas coisas. Lembramos como aquele ‘quase paraíso’ nos ligava, por suave rampa, à maravilhosa Praia da Galé, não poluída nem por lixos nem por multidões, banhada pelo calmo Atlântico, bem virada para imponentes ocasos mostrando o sol caindo, docemente, atrás do mar. Foi um inesquecível ‘tratamento anti-stresse’; evocá-lo é gratificante, podendo, porém, ser penoso, por nos apercebermos que estamos, implacavelmente, 34 anos mais velhos… É a vida!!!

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Foi, contudo, mais penoso, verdadeiramente doloroso, o conteúdo desta notícia: “O Parque de Campismo da Galé foi comprado pelo consórcio norte-americano ‘Discovery Land Company’ à ‘Imobiliária Ilhas Atlânticas’ por 25 milhões de euros , com o objectivo de reforçar a aposta no litoral alentejano”. (Jornal de Negócios, Outubro/21). E o Público: “O espaço vai ser ocupado por um resort só ao alcance de milionários”.

São 32 hectares classificados como Reserva Natural, como o é, aliás, todo o Litoral Alentejano (classificação atribuída pela União Europeia – Rede Natura 2000, Directiva 92/43/CEE). O incumprimento desta norma comunitária pode configurar ilegalidade. Pode, também, ‘sugerir’ que Serviços com poderes para conceder as necessárias autorizações àquele empreendimento, hajam ‘prevaricado’ ou (pior) tenham ‘torcido’ regras a troco de uma qualquer ‘caixa de robalos’.

Isto sucede ‘na cidade onde o povo é quem mais ordena’. Obviamente, esta ‘caganeira’(1) de ‘empreendimentos turísticos’ não é de agora; virá, talvez, dos anos 60 , quando alguns ‘bem-dotados cérebros’ de gente responsável (???) ‘descobriram’ que o Turismo (massificado, como o que temos) iria ser a ‘salvação da Pátria’. Ainda, hoje, os há convencidos disso; sem notarem, porém, que muitos destes empreendedores são companhias e consórcios que têm outras pátrias, que não a Nossa, e uma ‘super-pátria’ comum – a ‘Dinheiroland’. Em íntima ligação às imobiliárias activas em Portugal (8866 actualmente) (2), muitas delas, transnacionais – bem experimentadas e altamente profissionais – vão ‘desenvolvendo’(?) o Litoral e o Interior, o Norte, o Centro e o Sul, as Cidades e as Aldeias Serranas, não lhes faltando clientela milionária – estrelas de cinema, astros do desporto e, até, Realeza. Sem esquecer os ‘vistos gold’, claro…

Concluindo – Será um proveitoso negócio para investidores e para os novos proprietários dos imóveis, arrendando-os para rentabilizá-los; Finanças, Câmaras, Notários , Registos Prediais, etc. farão a cobrança dos devidos impostos, taxas e similares; criará postos de trabalho (dos mais modestos); disparará o preço da habitação, tornando-a ainda menos acessível a portugueses; das maravilhosas paisagens ficarão as recordações, pois serão substituídas por betão e alcatrão; igualmente, serão recordações as típicas ‘tascas’, a troco de ‘pubs’, e os nossos ‘petiscos’ promovidos a ‘fast-food’; os portões dos aldeamentos impedirão o acesso público a praias e matas; tradições e cultura, ‘pró galheiro’; etc. etc. Vai ser tão bom! E progressista! Será um verdadeiro ‘INATEL’ de milionários, num país de pobrezinhos!

E quem tem de ver, prever, precaver e rever tudo o que a isto respeita, parece achar que temos uma economia pujante que nos safará da cauda da Europa, dentro de dias…

(1) Perdôe-se-me o impropério!
(2) Segundo o Inst. Dos Mercados Públicos, Imobiliário e Construção
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PARABÉNS AO “LAGOA INFORMA”.
Se os jornais soprassem velinhas, este sopraria SETE. Ainda há, pois, acontecimentos festejáveis! Desejos de Boa Sorte para o Director Rui, toda a Redacção e, já agora, para os Leitores.

Escrito sem a aplicação do novo acordo ortográfico.

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