Opinião: Sinais do desmembramento social da nação

Pedro Manuel Pereira | Historiador


Sinais preocupantes do desmantelamento social da nação entram-nos pelos olhos dentro, assaltam-nos os sentidos nos tempos que correm. Qual o objectivo? Desconhecemos, caro leitor. Resumidamente elencamos alguns exemplos para sua reflexão, se é que ainda não a fez…

Os serviços de saúde

Médicos
A falta de médicos, em particular de especialistas suficientes para acudir às necessidades da procura permanente e crescente dos centros de saúde e hospitais, de gentes provenientes das mais variadas partes do mundo que todos os dias arribam a Portugal, sobretudo da Ásia, do Brasil, Venezuela, países de Leste e de África, gerando com isso atrasos para consultas de longos meses e até de anos, que revelam muitos casos que deveriam ter sido atendidos com brevidade dada a natureza da doença, não sendo raro que doentes inscritos em longas listas de espera, quando são chamados para consulta já tenham falecido.

Por outro lado, a sobrecarga de trabalho dos médicos em exercício, a insegurança física perante frequentes agressões por parte dos doentes, a desarticulação das carreiras hospitalares aliadas a um baixo estatuto remuneratório, entre outros aspectos degradantes, têm vindo a conduzir para os caminhos da emigração e da saúde privada, um cada vez maior número de clínicos.

Para suprir as faltas, o Ministério da Saúde contrata médicos provenientes de países de Leste e da América Latina, na sua maior parte com manifesta dificuldade em entender o idioma português e os doentes portugueses, sendo que os novos contratados nunca são em número idêntico aos que abandonam a saúde pública, aumentado, portanto a insuficiência de médicos para os doentes que deles necessitem.

Enfermeiros e outros técnicos de saúde
A qualidade da formação dos enfermeiros e outros técnicos de saúde em Portugal torna-os elementos fundamentais nos cuidados terapêuticos dos doentes, destes profissionais depende em boa parte a recuperação dos mesmos, o bom funcionamento e a qualidade dos serviços.

A escassez destes profissionais face às necessidades, a que se somam os baixos salários, a falta de perspetivas de futuro profissional, as más condições de trabalho com sobrecargas de horários e a desarticulação das carreiras, entre outros aspectos negativos, “empurram-nos” para a emigração para países onde lhes são dadas condições de dignidade laboral e remuneratórias muito superiores às oferecidas em Portugal.

A falta destes profissionais vem-se fazendo sentir cada vez mais nas unidades de saúde pública.

Os medicamentos
Se por um lado existe uma enorme variedade de marcas de medicamentos para (quase) todos os tipos de patologias, os mesmos, incluindo os genéricos, atingem, em muitos casos, preços verdadeiramente proibitivos para as magras pensões e reformas dos mais idosos e até para as bolsas de centenas de milhar de doentes que exercendo actividades laborais, auferem salários miseráveis, terceiro-mundista, incomportáveis de igual modo com os custos da habitação, água, gás, electricidade, alimentação e outros bens essenciais para a sua vivência/sobrevivência.

Sucede que de há cerca de duas décadas para cá, a comparticipação do SNS no custo dos medicamentos tem vindo a ser progressivamente reduzida, de forma que uma elevada percentagem de medicamentos consumidos em larga escala para as mais diversas doenças, já nem são comparticipados.

Os mais idosos
Com cerca de 27% de idosos, podemos considerar que estes constituem uma larga faixa do total da população do país.

Segundo a Organização Mundial de Saúde, Portugal é um dos cinco países da Europa que pior trata os idosos, sendo que “Portugal é o país da Europa que menos investe nas pessoas da terceira idade”. Acrescenta ainda esta organização que 39% destes são vítimas de violência.

A sobrevivência da maioria dos idosos cujo rendimento assenta em pensões miseráveis, a que acrescem os elevados custos da água, da energia eléctrica e do gás, bens essenciais, redunda em má nutrição (quando não, fome), sofrendo de frio no Inverno e de calor no Verão em habitações insalubres, vivem na alternativa de comerem ou de comprar medicamentos.

Os sem-abrigo
À medida que continua a crescer o número de novos-ricos, graças sobretudo à corrupção à rédea solta e sem controlo, aprofunda-se o fosso entre ricos e pobres, sendo que estes são cada vez em maior número.

Como nunca se assistiu desde a 1ª República, o número de pessoas a viver nas ruas, homens e mulheres, atinge foros de verdadeiro flagelo social. Uma chaga que certa classe política, nomeadamente a que manda no país à vez (é o rotativismo político) aproveita para dela fazer uma das bandeiras daquilo a que chama cinicamente de “combate à pobreza e exclusão social”, enchendo as televisões e conspurcando as páginas dos jornais em tempos de campanhas eleitorais.

Concomitantemente, coabitam a sociedade umas almas caridosas eivadas de boa vontade, que fazem voluntariado em associações financeiramente sustentadas pelo poder num total de centenas de milhões de euros, vocacionadas para esta desgraça, a distribuir comida de noite, cobertores e outros agasalhos para os sem-abrigo viverem com algum conforto físico nas ruas.

Até o senhor Presidente da República, de quando em vez faz umas incursões nocturnas distribuindo cobertores, sopa e selfies por essa pobre gente.

Esta caridadezinha cheira a bafio. Lembra tempos de antanho salazarento.

Um mistério persiste neste cenário: – Porque carga de raios é que o poder político não investe os tais milhões que entrega às associações de caridade, na reintegração social dos sem-abrigo, retirando-os das ruas?

A habitação a custos controlados
Dado o contexto da sistémica crise económica em que o país se encontra, assoberbados os cidadãos em particular e as famílias em geral com uma brutal carga de impostos directos e indirectos como não há memória desde o 25 de Abril de 1974, as consequências fazem-se sentir no abandono voluntariamente forçado das casas e nos despejos cada vez mais frequentes e em maior número.

Podemos distinguir três gerações no que reporta à habitação: – Uma, que já pagou a sua casa, outra, que se encontra atascada até aos cabelos com o custo da renda da casa, vivendo situações de desemprego, de trabalho precário e baixos salários, a que acresce a precariedade de habitar a casa arrendada, que o senhorio pode a qualquer momento despejar porque precisa dela ou a vendeu a outrem, por exemplo, e a terceira geração (a actual), aquela que vive em casa dos pais, sem que tenha oportunidade de ter acesso a habitação própria, uma vez que é difícil obter crédito para comprar ou ter rendimentos suficientes para alugar, dada a crescente subida de preços super inflacionada no arrendamento.

Por outro lado, assistimos à desertificação dos velhos centros e bairros históricos das cidades, sobretudo Porto, Lisboa e outras localidades com procura turística, despejados de uma forma ou de outra os antigos e tradicionais residentes, para as mesmas habitações darem lugar a alojamentos local (AL), em competição com hotéis com dormidas a preços mais elevados, em outras zonas das cidades/localidades.

  • artigo publicado sem a aplicação do novo acordo ortográfico

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