Pescadora lagoense brilha além-fronteiras

in Lagoa Informa, nº161


Bastaram apenas três anos de competição para Sílvia Sousa conquistar o título de campeã nacional de senhoras de pesca de mar, em 2020. Esta algarvia natural de Faro, mas residente no concelho há 19 anos, onde tem família, é uma pescadora de ‘mão cheia’ e uma referência na modalidade a nível regional e nacional. Já representou a seleção portuguesa em dois campeonatos do mundo e detém atualmente o título de vice-campeã mundial por equipas. E nem uma vida agitada, com um trabalho diário das 9h00 às 21h00, impede que a paixão pela pesca esmoreça. Pelo contrário, “é a forma de desligar do mundo”, diz a desportista ao Lagoa Informa.

A assistente de serviços gerais de farmácia trabalha no Hospital Lusíadas, em Albufeira, e apesar de ter começado a competir na pesca apenas em 2017, tem consigo um ‘bichinho’ desde pequena.

“Desde cedo que acompanhava o meu pai na pesca lúdica. Aliás, era praxe a família toda ir à pesca e acabávamos por estar uns na praia, outros na rocha à pesca. Havia nessa altura uma paixão pela pesca, algo que só os pescadores sabem o que é”, diz Sílvia Sousa.
No entanto, aos 18 anos, houve um interregno. “Fui estudar para Faro e nunca mais tive contacto com a pesca até há cerca de oito anos. Antes disso, quando trabalhei em Lagos, pratiquei umas modalidades de combate, mas quando fui transferida para Albufeira, não havia essas duas modalidades. Em 2012, fui mexer no material da pesca do meu pai e decidi voltar a experimentar. Aprendi algumas coisas na internet e comecei a praticar na rocha, sem êxito. Então voltei para o ‘surfcasting’ (pesca ao fundo)”, conta, explicando como iniciou a competição na modalidade.

“No trabalho conheci um casal que já fazia, comecei a pescar com eles e aprendi muito. Ambos praticavam competição e desafiaram-me. Resisti ao início e andei três ou quatro anos apenas em pesca lúdica, só para levar peixe para casa. Há quatro anos, em 2017, foi quando comecei na competição. Fui inscrita por eles no Clube Pesca e Náutica Desportiva de Albufeira e foi assim que tudo começou”, conta, com um brilho nos olhos.

A competição a sério
Nesse ano, iniciou a competição e participou no campeonato regional de pesca desportiva. “Fiz o regional com as montagens deste casal amigo, pois eu não tinha nada, e passei ao nacional. Já em 2018 fiz o nacional, seis provas, com umas montagens com mais de dez anos, mas mesmo assim consegui o quinto lugar, o que me garantiu o apuramento para dois mundiais: o de 2018 e o de 2019”, conta Sílvia Sousa.
“Hesitei em ir, pois achava que não sabia pescar bem, que não queria a competição, mas incentivaram-me, disseram-me que era assim que se começava e lá decidi ir ao País de Gales (2018). Correu muito bem e consegui um pódio com a pesca do maior exemplar de senhoras. Apanhei um tubarão raro, o ‘Bull Ass’”, recorda.

A conquista foi uma surpresa enorme, até para si. “Não queria acreditar que tinha conseguido este feito sem perceber muito de pesca de competição. Estavam em prova senhoras que faziam pesca há muito tempo e que participavam em mundiais há 20 anos. E eu apenas fazia pesca desportiva há cerca de um e consegui!”, salienta.

Seguiu-se, em 2019, a participação no Mundial da África do Sul e a conquista com a seleção nacional da medalha de prata. “Até agora ainda mantemos o título de vice-campeãs mundiais de seleções de senhoras, pois em 2020 não houve Campeonato do Mundo devido à pandemia”, frisa.

Mundial à porta
Já este mês, a partir de 11 de setembro, a pescadora vai representar a seleção nacional de senhoras no Campeonato do Mundo, em França. A equipa de que faz parte tem o título de vice-campeã e o objetivo é, pelo menos, um lugar no pódio. “Acho que podemos ter bons resultados, pois vamos encontrar uma pesca parecida à nossa, em Portugal. Temos uma equipa com muito boas pescadoras, cinco algarvias, mas muito boas. As expetativas são ótimas”, afiança.

O ‘treino’ não pára na vida desta pescadora. Sílvia faz pesca lúdica o ano todo, o que lhe serve também de preparação para as provas. “O treino é bom para aprender a ler o mar, entender o vento, a temperatura da água, a subida da maré, se há ‘cabeços’, se há ‘fundões’…Em certos tipos de praia tenho de saber se vou pescar antes ou depois do fundão, se vou pescar peixe de superfície, ou peixe de escama. Tudo isso requer estudo, preparar as montagens e ver a melhor opção… Até tenho um esquema em que vou anotando o registo que vou fazendo em cada pescaria”, revela.

Contudo, na vida de Sílvia Sousa, a pesca é mais do que competição.

“Dá-me peixe para consumir. Há nove anos que não compro peixe e assim sei o que como. Depois, com tantas horas dentro de um hospital, a lidar com saúde, por vezes com situações ‘pesadas’, a pesca é o momento em que desligo do mundo por completo.”

Ensinar a arte
Um dos objetivos no futuro é poder ensinar tudo o que sabe sobre pesca. “Gostava de vir a ser treinadora. Não tanto a crianças, mas a adultos que querem experimentar. Podia dar as bases, ir à praia e ensinar a pescar… tenho conhecidos que me dizem que pescaram em miúdos e que até gostavam de voltar a fazê-lo. É a essas pessoas que gostava de passar aquilo que sei, que não querem competição, apenas pesca lúdica.”


BREVES

Patrocinador teve de esperar…
É raro uma marca de pesca patrocinar mulheres em Portugal. Mas antes do Mundial na África do Sul, em 2019, uma marca de pesca contactou Sílvia. Admirada e feliz com a abordagem, a reação da pescadora foi, no entanto, surpreendente. “Respondi que nessa altura não podia falar, que estava muito ocupada com a preparação para o Campeonato do Mundo e quando voltasse logo falávamos. Devem ter pensado que eu era louca! Há poucas mulheres a serem patrocinadas e esta ainda diz para esperarmos!”, conta.
Certo é que o patrocinador foi paciente e após a competição tudo avançou. “Quando voltei, falei com eles. É uma marca espanhola, a Cinnetic, que estava à procura de uma cara feminina e escolheram-me. O patrocínio vem do representante da marca em Portugal. São os meus patrocinadores atualmente”, explica. Em Albufeira, antes das competições também recebe apoios de “algumas empresas” locais para cobrir uma parte dos custos.

… E Lagoa também
Sílvia Sousa chegou a fazer um contacto com a Câmara Municipal de Lagoa para avaliação de um eventual patrocínio, mas a escassez de tempo e a vida atribulada impediram que o processo avançasse. “Fiz um pedido de patrocínio na Câmara de Lagoa e solicitaram uma descrição da minha atividade desportiva, das provas e dos títulos que tinha conquistado. Só que na altura estava a entrar numa competição, não tive tempo de preparar nada e não voltei a contactar. Irei tentar novamente”, afirma.

Um desporto de homens…
Este é um desporto dominado pelos homens, embora já conte com inúmeras pescadoras. “Das mulheres que pescam em competição, só uma ou outra fazem pesca lúdica. Eu faço todo o ano”, diz. Compete em equipas mistas e bate-se de igual para igual com qualquer pescador. “Logo ao início, achavam um pouco estranho uma mulher sozinha. Hoje sou respeitada. O meu clube apostou em mim e vou às competições em igualdade de circunstâncias com os homens e nunca ouvi uma boca menos própria, nem sou vista como sendo mais frágil. Aliás, nem me ajudam a carregar o material para a praia”, afirma, entre uma gargalhada, ela que foi a única mulher a participar em todas as provas do Campeonato Nacional de Clubes.


TÍTULOS

2018
5º lugar no Campeonato Nacional garantiu o apuramento para o mundial 2018 e 2019

2018
1º lugar com maior exemplar pescado e nível individual e 4º lugar com a seleção nacional

2019
Medalha de prata por equipas com a seleção nacional no mundial na África do Sul

2020
Campeã Nacional Senhoras em Pesca de Mar

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